Discurso do Santo Padre no encontro com o clero da diocese de Aosta (Itália). Segunda-feira, 25 de julho de 2005
Excelência, queridos Irmãos, antes de tudo gostaria de expressar a minha alegria e gratidão por esta possibilidade de me encontrar com vocês. Quando se é Papa existe o perigo que se esteja um pouco distante da vida real, da vida de todos os dias, sobretudo também dos sacerdotes que trabalham na linha de frente, precisamente no “Vale”, em tantas paróquias e agora, como disse Sua Excelência, com a falta de vocações, também em condições de empenho físico particularmente intenso.
É para mim uma graça poder encontrar nesta bonita Igreja os sacerdotes e o presbitério deste Vale. Desejo agradecer-vos porque viestes; também para vós é tempo de férias. Ver-vos reunidos, e ver-me unido a vós, estar próximo dos sacerdotes que trabalham dia após dia para o Senhor como semeadores da Palavra, é para mim um conforto e uma alegria. Sentimos na semana passada duas ou três vezes, parece-me, esta parábola do semeador que já é uma parábola de conforto numa situação diferente, mas num certo sentido também semelhante à nossa.
O trabalho do Senhor tinha começado com grande entusiasmo. Via-se que os doentes estavam curados, todos escutavam com alegria a palavra: “O Reino de Deus está próximo”.
Realmente parecia que a mudança do mundo e o advento do Reino de Deus seria iminente; que, por fim, a tristeza do povo de Deus teria mudado em alegria. Havia a expectativa de um mensageiro de Deus que teria assumido o timão da história. Mas depois viam que, de fato, os doentes se tinham curado, os demônios tinham sido expulsos, o Evangelho anunciado mas, no restante, o mundo permanecia como era. Nada mudava. Os romanos ainda dominavam. Apesar destes sinais, destas belas palavras, a vida era difícil todos os dias. E assim o entusiasmo esvaecia e, no final, como sabemos pelo sexto capítulo de João, também os discípulos abandonaram este Pregador que anunciava, mas não mudava o mundo.
O que esta mensagem significa? O que traz este profeta de Deus?, perguntam por fim todos. O Senhor fala do semeador que semeia no campo do mundo. E a semente assemelha-se à sua Palavra, como as curas, uma coisa verdadeiramente pequena comparando-a com a realidade histórica e política. Assim como a semente é pequena, que se pode descuidar, também da Palavra se pode descuidar.
Contudo, diz, na semente está presente o futuro porque a semente traz em si o pão de amanhã, a vida de amanhã. A semente parece quase nada, mas é a presença do futuro, é promessa já presente hoje. E assim, com esta parábola diz: estamos no tempo da sementeira, a Palavra de Deus parece só palavra, quase nada. Mas tende coragem, esta Palavra traz em si a vida! E dá fruto! A parábola diz também que grande parte da semente não dá fruto porque caiu na estrada, na terra pedregosa, etc. Mas a parte que caiu na terra boa dá trinta, sessenta, cem vezes mais.
Isto faz compreender que devemos ser corajosos também se a Palavra de Deus, o Reino de Deus, parece não ter importância histórico-política. No final, Jesus, no Domingo de Ramos, sintetizou todos estes ensinamentos sobre a semente da palavra: se o grão de mostarda não cair na terra nem morrer permanece só, se cair na terra e morrer dá muito fruto. Fez compreender assim que Ele mesmo é o grão de mostarda que cai na terra e morre. Na crucifixão tudo parece arruinado, mas precisamente assim, caindo na terra, morrendo, no caminho da cruz, dá fruto para todos os tempos, para sempre. Temos aqui também a finalidade cristológica segundo a qual o próprio Cristo é a semente, é o Reino presente, quer também a dimensão eucarística: este grão cai na terra e assim cresce o novo Pão, o Pão da vida futura, a Sagrada Eucaristia que nos alimenta e que se abre aos mistérios divinos, para a vida nova.
Parece-me que na história da Igreja, de diversas formas, sempre existiram estas questões que realmente nos atormentam: o que fazer? Parece que o povo não tem necessidade de nós, tudo o que fazemos parece inútil. Contudo aprendemos da Palavra do Senhor que só esta semente transforma sempre de novo a terra e a abre para a vida verdadeira.
Desejo, brevemente na medida do possível, responder às palavras de Sua Excelência, mas gostaria de dizer também que o Papa não é um oráculo, é infalível em situações raríssimas, como sabemos. Portanto, partilho convosco estas perguntas, estas questões. Eu também sofro. Mas todos juntos queremos, por um lado, sofrer com estes problemas e mesmo sofrendo transformar os problemas, porque precisamente o sofrimento é o caminho da transformação e sem sofrimento nada se transforma.
Este é também o sentido da parábola do grão de mostrada que caiu na terra: só num processo de transformação sofrida se obtém o fruto e se apresenta a solução.
E se não fosse para nós um sofrimento a aparente ineficiência da nossa pregação seria um sinal de uma falta de fé, de compromisso verdadeiro. Devemos comprometer-nos com estas dificuldades do nosso tempo e transformá-las sofrendo com Cristo e, assim, transformar-nos a nós mesmos. E na medida em que nos transformamos, podemos também responder à pergunta feita acima, também podemos ver a presença do Reino de Deus e mostrá-la aos outros.
O primeiro ponto é um problema que se apresenta em todo o mundo ocidental: a falta de vocações. Nas últimas semanas, tive as Visitas “ad Limina” dos Bispos do Sri Lanka e da parte Sul da África. Ali as vocações aumentam, aliás, são tão numerosas que não podem construir seminários suficientes para acolher estes jovens que desejam ser sacerdotes. Naturalmente também esta alegria traz consigo uma certa amargura porque uma parte vem na esperança de uma promoção social. Fazendo-se sacerdotes tornam-se quase chefes da tribo, naturalmente são privilegiados, têm outra forma de vida, etc. Assim, erva daninha e grão caminham juntos neste bonito crescimento das vocações e os Bispos devem estar muito atentos no discernimento e não sentir-se simplesmente contentes por ter muitos sacerdotes futuros, mas ver quais são realmente as verdadeiras vocações, discernir entre a erva daninha e o grão bom.
Há contudo um certo entusiasmo da fé porque se encontram num determinado momento da história, isto é, no momento em que as religiões tradicionais obviamente se revelam não ser suficientes. E compreende-se, nota-se, que estas religiões tradicionais têm em si uma promessa, mas esperam algo. Esperam uma nova resposta que purifica e, digamos, assume em si tudo o que há de belo e liberta tais aspectos insuficientes e negativos. Neste momento de passagem onde realmente a sua cultura tende para uma hora nova da história, as duas ofertas – cristianismo e islã – são as possíveis respostas históricas.
Por isso existe naqueles países, num certo sentido, uma primavera da fé, mas naturalmente no contexto da concorrência entre estas duas respostas, sobretudo também no contexto do sofrimento das seitas, que se apresentam como a melhor resposta cristã, mais fácil, mais indulgente. Portanto, também numa história de promessa, num momento de primavera, permanece difícil o compromisso daquele que deve semear com Cristo a Palavra e, digamos, construir a Igreja.
É diferente a situação no mundo ocidental, que não é um mundo cansado da sua própria cultura, mas um mundo que chegou a um momento em que já não é evidente a necessidade de Deus, muito menos de Cristo e no qual, conseqüentemente, parece que o próprio homem poderia construir-se por si mesmo. Neste clima de um racionalismo que se fecha em si, que considera o modelo das ciências o único modelo de conhecimento, tudo parece ser subjetivo. Naturalmente, também a vida cristã se torna uma escolha subjetiva, portanto arbitrária e não mais o caminho da vida. Por isso torna-se difícil crer e se é difícil crer é muito mais difícil oferecer a vida ao Senhor para ser seu servo.
Sem dúvida isto é um sofrimento posto no nosso momento histórico, no qual geralmente se vê que as chamadas grandes Igrejas se apresentam moribundas. Assim é sobretudo na Áustria, também em outros países da Europa, e em menor medida nos Estados Unidos.
Ao contrário, crescem as seitas, as quais se apresentam com a certeza de um mínimo de fé e o homem procura certezas. E, portanto, as grandes Igrejas, sobretudo as grandes Igrejas tradicionais protestantes, encontram-se realmente numa crise muito profunda. As seitas têm a supremacia porque se apresentam com certezas simples, poucas, e dizem: isto é suficiente.
A Igreja Católica não está tão mal como as grandes Igrejas protestantes históricas, mas naturalmente partilha o problema do nosso momento histórico. Penso que não há um sistema para uma mudança rápida. Devemos ir além, ultrapassar esta galeria, este túnel, com paciência, na certeza de que Cristo é a resposta e de que no fim aparecerá de novo a sua luz.
Então a primeira resposta é a paciência, na certeza de que sem Deus o mundo não pode viver, o Deus da Revelação – e não um Deus qualquer: vemos como pode ser perigoso um Deus cruel, um Deus não verdadeiro –, o Deus que mostrou, em Jesus Cristo, o seu Rosto. Este Rosto que sofreu por nós, este Rosto de amor que transforma o mundo no mundo do grão que caiu na terra.
Portanto, nós mesmos devemos ter esta certeza profunda de que Cristo é a resposta e sem o Deus concreto, o Deus com o Rosto de Cristo, o mundo se autodestrói e cresce também a evidência de que um racionalismo fechado, que pensa que o homem sozinho poderia reconstruir o verdadeiro mundo melhor, não é verdade. Ao contrário, se não há a medida de Deus verdadeiro, o homem se autodestrói. Vemos com os nossos olhos.
Nós mesmos devemos ter uma renovada certeza: Ele é a Verdade e somente caminhando pelas suas pegadas vamos na direção justa e devemos caminhar e guiar os outros nesta direção.
O primeiro ponto da minha resposta é: em todo este sofrimento não se deve perder a certeza de que Cristo é realmente o Rosto de Deus, mas devemos aprofundar esta certeza e a alegria de a conhecer e, desta forma, sermos realmente ministros do futuro do mundo, do futuro de cada homem. E devemos aprofundar esta certeza numa relação pessoal e profunda com o Senhor.
Porque a certeza pode crescer também com considerações racionais. Realmente me parece muito importante uma reflexão sincera que convença também racionalmente, mas se torna pessoal, forte e exigente devido a uma amizade vivida pessoalmente todos os dias com Cristo.
Por conseguinte, a certeza exige esta personalização da nossa fé, da nossa amizade com o Senhor e assim crescem também novas vocações. Vemos isto na nova geração depois da grande crise desta luta desencadeada em 1968 onde parecia realmente ter passado a era histórica do cristianismo.
Vemos que as promessas de ‘68 não se mantêm e renasce, digamos, a consciência de que há outro modo mais complexo porque exige estas transformações do nosso coração, mas mais verdadeiro, e assim surgem também novas vocações. E nós mesmos também devemos encontrar a fantasia para ajudar os jovens a encontrar este caminho para o futuro. Este aspecto também foi realçado no diálogo com os bispos africanos. Apesar do número de sacerdotes, muitos estão condenados a uma solidão terrível e moralmente muitos não sobrevivem.
Portanto, é importante ter à sua volta a realidade do presbitério, da comunidade de sacerdotes que se ajudam, que estão juntos num caminho comum, numa solidariedade, na fé comum. Também isto me parece importante porque se os jovens vêem sacerdotes muito isolados, tristes, cansados, pensam: se este é o meu futuro não é para mim. Deve criar-se realmente esta comunhão de vida que demonstra aos jovens: sim, este pode ser um futuro também para mim, assim posso viver.
Prolonguei-me demais. Sobre o segundo ponto, mesmo se em parte, parece que já disse algo.
É verdade: ao povo, sobretudo aos responsáveis do mundo, a Igreja parece uma coisa antiquada, as nossas propostas não parecem necessárias. Comportam-se como se pudessem, ou quisessem viver sem a nossa palavra e pensando sempre que não precisam de nós. Não procuram a nossa palavra.
Esta é uma verdade que nos faz sofrer, mas também faz parte desta situação histórica de uma certa visão antropológica, segundo a qual o homem deve fazer as coisas como disse Karl Marx: a Igreja teve 1800 anos para mostrar que teria mudado o mundo e não fez nada, agora nós fazemos sozinhos.
Esta é uma idéia muito difundida e apoiada também com filosofias e assim se compreende a impressão que muitas pessoas têm de que é possível viver sem a Igreja, a qual parece pertencer ao passado. Mas torna-se sempre mais evidente que só os valores morais e as convicções fortes dão a possibilidade, também com sacrifícios, de viver e construir o mundo. Não se pode construir um mundo mecânico como propôs Karl Marx com a teoria do capital e da propriedade, etc.
Se não existem as forças morais nos corações e não há disponibilidade para sofrer também por estes valores não se constrói um mundo melhor, ao contrário, o mundo piora dia a dia, o egoísmo domina e destrói tudo. E vendo isto, surge de novo a pergunta: mas de onde provêm as forças que nos tornam capazes de sofrer também pelo bem, pelo bem que faz mal antes de tudo a mim, que não tem uma utilidade imediata? Onde estão os recursos, as nascentes? De onde vem a força para dar continuidade a estes valores?
Vemos que a moralidade como tal não vive, não é eficiente se não tem um fundamento mais profundo em convicções que dão realmente certeza e também força para sofrer porque, ao mesmo tempo, fazem parte de um amor, um amor que no sofrimento cresce e é substância da vida. De fato, no final, só o amor nos faz viver e o amor também é sempre sofrimento: matura no sofrimento e dá a força para sofrer pelo bem sem me levar em consideração neste meu atual momento.
Parece-me que esta consciência cresce porque já se vêem os efeitos de uma condição na qual não se encontram as forças que provêm de um amor que é substância da minha vida e que me dá a força de conduzir a luta pelo bem. Também neste aspecto, evidentemente, devemos ter paciência, ter uma paciência ativa para fazer as pessoas compreenderem que precisam disto.
E mesmo se não se convertem imediatamente, pelo menos se aproximam daquele grupo que, na Igreja, tem esta força interior. A Igreja sempre conheceu este grupo forte interiormente que transmite realmente a força da fé e pessoas que se afeiçoam e se deixam guiar, e desta forma participam.
Penso na parábola do Senhor sobre o grão de mostarda tão pequenino que depois se torna uma árvore frondosa na qual até os passarinhos do céu nela encontram lugar. Diria que estes passarinhos podem ser as pessoas que ainda não se convertem, mas pelo menos pousam na árvore da Igreja. Fiz esta reflexão: no tempo do iluminismo, no momento em que a fé estava dividida entre católicos e protestantes, pensou-se que seria necessário conservar os valores morais comuns dando-lhes um fundamento suficiente. Pensou-se: devemos tornar os valores morais independentes das confissões religiosas, de modo que eles vigorem “etsi Deus non daretur” (ainda que Deus não existisse).
Encontramo-nos hoje na situação contrária, a situação inverteu-se. Não são realçados os valores morais. Só se tornam evidentes se Deus existe. Portanto, sugeri que os leigos, os chamados leigos, refletissem se para eles hoje não é válido o contrário: devemos viver “quasi Deus daretur” (como se Deus existisse), mesmo se não temos a força para crer devemos viver sobre esta hipótese, caso contrário o mundo não funciona. Parece-me que este seria um primeiro passo para se aproximarem da fé. Vejo em tantos contatos que, graças a Deus, aumenta o diálogo pelo menos com parte do laicismo.
Terceiro ponto: a situação dos sacerdotes que se tornaram poucos e devem trabalhar em três, quatro e, por vezes até em cinco paróquias e estão cansados. Penso que o Bispo, juntamente com o seu presbitério procura os meios melhores. Quando eu fui Arcebispo de Mônaco, na Alemanha, tinha criado este modelo de funções só da Palavra sem sacerdote, para manter a comunidade presente na própria igreja. E disseram: cada comunidade permanece tal, e onde não há sacerdote fazemos esta Liturgia da Palavra.
Os franceses encontraram a palavra adequada para estas Assembléias dominicais “na ausência do padre”, e depois de um certo tempo compreenderam que isto também pode não dar certo porque se perde o sentido do Sacramento, há uma protestantização e, afinal, se há só a Palavra, também eu a posso celebrar em minha casa.
Recordo quando fui professor em Tubinga, o grande exegeta Kelemann, não sei se conheceis o nome, aluno de Bultmann, que era um grande teólogo. Mesmo sendo protestante convicto, nunca foi à Igreja. Dizia: eu posso meditar em casa as Sagradas Escrituras.
Os franceses transformaram um pouco esta fórmula “Assembléia dominical na ausência do padre” na fórmula “Assembléia dominical na espera do padre”. Isto deve ser uma expectativa do sacerdote e diria que normalmente a Liturgia da Palavra deveria ser uma exceção do domingo, porque o Senhor quer vir corporalmente. Mas esta não deve ser a solução.
Foi instituído o domingo, porque o Senhor ressuscitou e entrou na comunidade dos apóstolos para estar com eles. Desta forma compreenderam que não é o sábado o dia litúrgico, mas o domingo no qual o Senhor quer estar sempre de novo corporalmente conosco e alimentar-nos com o seu Corpo para que nós mesmos nos tornemos o seu corpo no mundo.
É preciso encontrar o modo de oferecer a muitas pessoas de boa vontade esta possibilidade. Em Mônaco dizia sempre – mas não conheço a situação aqui, que certamente é diversa – que a nossa população é incrivelmente móvel, flexível. Os jovens fazem mais de 50 km para ir a uma discoteca, por que também não podem fazer 50 km para ir a uma igreja? Eis que esta é uma coisa muito concreta, prática, e não ouso dar receitas. Mas deve-se procurar dar ao povo um sentimento: tenho necessidade de estar junto com a Igreja, de estar junto com a Igreja viva e com o Senhor!
E assim, dar esta impressão de importância e se eu o considero importante, isto também gera as premissas para uma solução. Mas concretamente devo deixar a questão aberta, Excelência.
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