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Passos N.66, Outubro 2005

IGREJA / ECUMENISMO

O milagre da amizade

Entrevista com Stanley Hauerwas, professor de Ética Teológica na Duke University de Durham, na Carolina do Norte. Ele é um dos maiores teólogos protestantes norte-americanos vivos. Ele abriu o congresso de Granada com uma exposição sobre a “Dissolução da Igreja”

Quais são, para o senhor, os fatores fundamentais dessa dissolução?
Quando falamos desse problema, da crise da modernidade, é importante lembrar sempre que se trata de um problema criado por nós mesmos. Nós carregamos as conseqüências de uma ferida aberta pela Reforma. Embora não seja correto identificar o período histórico anterior à Reforma como o momento da realização ideal do cristianismo – que talvez nunca existiu –, é evidente que nós sofremos com a ruptura da unidade. Durante muito tempo os cristãos pensaram que podiam seguir a Cristo e, ao mesmo tempo, matar-se mutuamente, e esse fato só podia, mesmo, ter efeitos devastadores. O efeito mais terrível dessa situação, na consciência religiosa contemporânea, é a privatização da fé, ou seja, a perda da idéia de que aquilo em que se crê é verdade. A separação entre fé e verdade é o primeiro fator da dissolução da Igreja. O resultado dessa separação é o individualismo típico do liberalismo pós-iluminista, que é essencialmente uma perda da memória, uma negação da história e da pertença a um povo como elemento decisivo para a definição do eu.

Em que sentido se pode falar, então, de uma redução do cristianismo?
Vendo o que é o protestantismo hoje, sobretudo na América do Norte, não posso deixar de pensar o seguinte: Deus está matando o protestantismo! Em outras palavras, pode-se falar, sem dúvida, de uma redução do cristianismo, que podemos sintetizar na expressão “gnosticização do cristianismo”. Isso implica, antes de tudo, na perda completa do sentido da fé como mediação, algo que chega até nós por meio de testemunhas e vive concretamente na comunhão da Igreja. Gnosticizar o cristianismo significa reduzi-lo a um conhecimento que pode prescindir da mudança de vida, isto é, do encontro com Cristo na
Igreja. É uma perda do verdadeiro sentido da eleição como modo de agir de Deus na história. Nessa situação, a
Igreja perdeu a confiança em sua linguagem, se retirou, não é mais capaz de nomear e conhecer a realidade humana em todas as suas dimensões, da ciência à política.

O senhor indicou como tarefa importante da Igreja o reapropriar-se da realidade e da amizade cristã como possibilidades concretas para uma retomada.
A amizade é, antes de tudo, uma correspondência de
juízo, não abstratamente. O juízo é uma forma de vida, é a sabedoria do particular. É um milagre que nós, vindos de contextos tão diferentes, possamos manter essa comunhão, um milagre que só é possível porque, de alguma forma, estamos todos enraizados na vida da Igreja. Como é possível que um texano como eu mantenha uma correspondência de juízo com o arcebispo de Granada?
É impossível! A amizade é uma unidade que se torna milagrosamente presente na vida e se expressa num juízo comum. E isso é obra do Espírito Santo.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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