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Passos N.65, Setembro 2005

CARTAS

Cartas

O dom da esperança
Esta é uma carta que um professor escreveu a alguns amigos, depois do suicídio de um aluno seu da quinta série
Na tarde de quarta-feira, recebi um telefonema: “Paolo se matou”. Não consegui dizer nada, além de rezar Veni Sancte Spiritus, por ele. Em seguida, um turbilhão de eventos e pensamentos veio à minha cabeça. No dia anterior, ele tinha feito uma prova de latim comigo... Como a realidade, às vezes, é dura: imediatamente fui encontrar-me com Rita, uma colega, e fomos na case de Paolo e ao hospital, onde a reza do terço acompanhou o momento do seu último respiro de vida. Como é profundo o abismo do coração, dizia a mim mesmo enquanto, pouco depois, olhava para a jovem beleza de seu rosto ferida pelo sinal recente da morte e, depois, junto aos meus alunos, perguntava-me “por quê?”, juntando à minha desproporção, o sofrido “Deus é quem sabe”. Logo depois, perguntava: “O que você fez, Paolo?”, aterrorizado pela violência do seu gesto tanto contra Deus, quanto contra a vida. Saí do cômodo onde Paolo estava e encontrei um tio seu que veio até mim e disse: “Olha, padre Giussani tem razão quando nos faz dizer: ‘se não fosse Teu, ó Cristo, me sentiria um nada’. Tornamo-nos amigos desta forma, por causa de Jesus. A frase “É preciso um poder infinito para ser essa misericórdia”, ressoa subitamente em meus ouvidos, enquanto penso no Cartaz de Páscoa deste ano, o qual leio todos os dias um pouco sonolento na cozinha da minha casa. É realmente preciso um poder infinito para perguntar não “o que fizeste?”, mas “tu me amas?”. Caminhando para casa com um amigo de Paolo no dia seguinte, a um dos que me haviam perguntado por que ele tinha feito aquilo, eu respondi que a pergunta, colocada dessa forma, não levaria senão à triste raiva por um enigma incompreensível. Disse-lhe que, talvez, a pergunta mais verdadeira seria: qual é o seu destino? Ou melhor, qual é o meu destino? A história destes três dias, de quarta à sexta-feira (quando foi realizado o seu funeral) foi, para mim, a realização sensível e concreta da resposta a esta pergunta, para mim! Para mim! A resposta ao que aconteceu não é uma teoria sobre a esperança e tampouco uma força titânica com a qual se tenta resistir à dor ou exorcizá-la, mas é Cristo presente. Não há outra possibilidade: ou Ele está realmente presente ou o que resta é o nada. Ou é concreto na história desta vida ou somos visionários que acreditam na ressurreição. Sem Cristo, resta o nada: como os meus colegas que se escondiam ou, como alguns companheiros de Paolo, que já investigavam sobre a responsabilidade do acontecido. Mas a mim, Cristo surpreendeu-me nestes dias porque está vivo: por meio da companhia do Movimento que me fez “estar” na realidade que se apresentava diante de mim, mesmo na sua dureza, e me fez entender, simplesmente pelo fato de “existir”, por meio da unidade com os outros professores do Movimento, que a verdadeira responsabilidade não é um acerto de contas, mas a consciência de que a realidade, esta realidade foi dada a mim, e me solicitou para me converter, para mudar a minha vida. “Onde estás?”, comecei a perguntar a Jesus desde o primeiro momento. Cristo existe e ressuscitou verdadeiramente. Eu percebi isso naquilo que suscitou e está suscitando nestes dias. Dentro da cruz deste fato, plantou a semente de um “novo início”, da Sua ressurreição, que é a Sua permanência viva e nova em todos os dias da vida. Disse aos jovens da classe de Paolo, nos três dias de convivência que tive com eles, que não estamos sós e que Ele está aqui. Não uma teoria sobre a esperança, mas “A” esperança que é a Sua doce presença. O real é inexoravelmente positivo porque Ele existe. E não só isso, mas Ele opera o renascer da vida. A vitória de Cristo é o povo cristão. É verdade! Isso se demonstra na sede inexaurível daquela presença que é documentada na amizade que tenho com alguns alunos, a sede de uma presença que enxuga as lágrimas e diz “não chore”. Esta é a esperança.
Luca

Um rosto diferente na dor
Em novembro, eu estava em Portugal realizando uma parte de minha tese de doutorado quando tive a notícia de que minha mãe estava com câncer e já estava com metástase. Eu só deveria retornar em dezembro, mas larguei tudo e voltei para cuidar dela. Ao vê-la, sem nenhuma perspectiva, não consegui enfrentar essa realidade e me enclausurei em casa. Não fazia mais nada, só cuidava de meu filho e rezava. Depois de muita oração, tomei coragem e resolvi voltar ao hospital. Já tinham se passado alguns dias, e ao chegar ao hospital, conheci Catarina, que também havia sofrido uma cirurgia para a retirada de um tumor. Tinha ido para cuidar de minha mãe, mas passei a cuidar das duas. Conversávamos e rezávamos juntas, e a companhia da Catarina, de certa forma, me ajudava frente àquela nova realidade. Dessa forma, eu começava a sentir, por meio dela, a presença do Senhor. Até que um dia, eu a vi com o Livro das Horas e pedi a ela que me ensinasse a rezar com ele. A partir deste dia, não perdemos mais o contato e, mesmo depois que ela saiu do hospital, continuamos a nos falar. Infelizmente, minha mãe veio a falecer em janeiro, mas foi no retiro de Natal do Movimento daquele mesmo ano que aceitei o convite da Catarina para ir ao encontro. Ao chegar lá, tive a certeza de que não passei aqueles dias no hospital por acaso. Eu e minha mãe tivemos a companhia de Cristo naquele hospital. E essa certeza, agora, é renovada a cada Escola de Comunidade, a cada encontro no movimento, nos cantos, nas palavras de padre Giussani, no dia a dia, na oração, no silêncio. Agradeço a Nossa Senhora por ter me fortalecido e ter me conduzido até aquele hospital. Agradeço ao Senhor, pela sua companhia em minha vida. Agradeço a padre Giussani por ter me ensinado a reconhecer a presença do Senhor cada vez mais viva em minha vida. Veni Sancte Spiritus, Veni per Mariam.
Gisela, Rio de Janeiro – RJ

O Cêntuplo, aqui e agora
Maria Luísa deixou o nosso meio no mês de outubro passado, aos 55 anos, depois de 21 anos de esclerose múltipla; Franca, há um pouco mais de um mês, 59 anos,por causa de um tumor. O falecimento destas duas amigas muito queridas, simples e grandiosas, quando o mistério da vida assumiu a forma de cruz: a experiência da dor e do cansaço deixou marcas e nos quis juntas, transformando-nos a todos nós do pequeno grupo da Fraternidade Santo André. Pequeno grupo, onde, ao redor de Maria Luísa e de seu marido, não se podia jogar conversa fora ou encarar alguém de maneira sentimental ou indagadora. Desejar isso, para mim e para os meus amigos, coincidiu com o seguimento do carisma de padre Giussani, com atenção vigilante a tudo aquilo que a vida do Movimento pouco a pouco propunha. Significava simplesmente olhar, ouvir e seguir a um Outro. E tem sido só essa fidelidade despretensiosa e apaixonada, a fonte continuamente renovada de uma afeição crescente entre nós, numa tentativa muito sincera de responder à necessidade do outro, numa alegria sem qualquer encenação, ainda que diante da enfermidade e da morte. Certamente tínhamos pedido o milagre da cura para ambas as nossas amigas; e o milagre aconteceu, como disse o filho Tomás, no funeral de Franca, na forma de “um amor que se tornou um rio caudaloso, uma gratuidade do outro mundo, já podendo ser usufruído neste mundo” que deixa, como certa, a “gratuidade de Deus, que se chama Misericórdia”. Uma enfermeira, muito admirada, quis saber de André como fazia para ter Maria Luísa em casa depois de tantos anos, visto que todos os maridos que conhecia abandonaram a mulher com a esclerose. Eu creio que exatamente isto seja o cêntuplo que se recebe aqui e agora. As nossas amigas doentes, que até o último instante participaram da vida da Fraternidade, aceitaram, conscientemente, a grande prova que lhes fora reservada, oferecendo dores e sofrimentos pelo padre Giussani, pelo Movimento e também por Carrón. E se via que não era uma palavra, aquele oferecimento fraternalmente proposto e acompanhado. Em segundo lugar, houve o testemunho de ambas as famílias: jamais queixosas, desesperadas ou raivosas. Havia, sim, uma união familiar forte, um amparo inteligente nos cuidados, uma liberdade ao pedir ajuda quando podia ser proveitosa; havia uma entrega serena ao desígnio bom que era verdadeiramente misterioso, mas real. As enfermidades de João Paulo II e de padre Giussani serviram de modo especial como ocasião de partilha e de exemplo. Afinal, o cêntuplo para cada um de nós foi o de poder compartilhar da vida de Maria Luísa e de Franca até onde foi possível, e sentir-nos acolhidos por elas com gratidão, apesar do pouco que pudemos fazer, fosse apenas um telefonema, uma visita relâmpago, uma hora de companhia ou algum bombom para a família. Poucos dias antes de morrer, enquanto eu a saudava, Franca me disse: “Sabe de uma coisa... eu não imaginava que a companhia pudesse ser tão fiel e intensa!”.
Elisa, Milão – Itália

Uma nova pessoa
Domingo próximo, serei madrinha de Batismo do Eduardo, o menino que conheci na casa de recuperação. Ele tem 15 anos e carrega um passado de um menino de rua que vivia de bicos, abandonado pela mãe que o teve aos 13 anos e cujo pai desapareceu, ninguém sabe se está vivo ou morto... Faz meses que visito o menino na casa de recuperação e nos tornamos amigos. Agora ele pediu o Batismo (na prisão trabalham os padres franciscanos) e ele lhes pediu que eu fosse a madrinha. O que eu admiro muito nele é que ele tem uma grande vontade de mudar. Ele me pergunta sempre se é bom e se pode mudar. Foi ele que pediu o Batismo e me impressiona o fato de que ele não sabe lá muita coisa do catecismo, mas está bem consciente de que pode mudar pela força de um Outro. O que ele mais repete é que ele quer ser uma nova pessoa. Como presente, ele quer chuteiras de futebol, porque, faz pouco tempo, ele joga num time, treina e joga fora da casa de recuperação e isso o deixa muito contente. É para mim uma graça poder aprofundar um conhecimento consciente sobre o Batismo, como tantas vezes Giussani nos falou com uma profundidade que não havíamos ouvido ainda.
Cristina, Quito – Equador

Lendo Passos
Caros amigos, sou um seminarista de Serra Leoa e trabalho na diocese de Makeni, no norte do país. As palavras que melhor descrevem o meu encontro com o movimento são as do padre Carrón: “A maravilha de encontrar uma presença que te corresponde”. Devo este testemunho ao meu bispo, dom Giorgio Biguzzi (um italiano nascido em Cesena) que, conhecendo o meu interesse pelas sérias reflexões filosóficas e teológicas, me sugeriu que eu lesse Passos. A partir daquele dia providencial, cheguei a conhecer algo mais importante a respeito da filosofia e da teologia. Descobri uma presença que é a razão da minha vida. Vivo em um país que mal acabou de livrar-se de um período de loucuras chamado guerra, que durou décadas e que agora está entrando em uma nova fase de desenvolvimento político, social e cultural. Por isso, esse encontro mudou o meu horizonte e, como resultado, a vida e as suas ressonâncias estão significando uma nova luz para mim. Face a face, diante dessa presença, não me escandalizo mais com as minhas limitações nem fico oprimido pela pobreza e pela desesperança do meu país. Ultrapassando tudo isso, consigo divisar a mão de Deus que chama a mim e ao meu país para renovar o que sucedeu no início. Tudo isso graças a vocês de Passos. Por meio de vocês, comecei a seguir o movimento não obstante a distância, sem medo ou hesitação e a identificar-me com o seu modo de pensar e de encarar as coisas. Nunca encontrei alguém do grupo de vocês. No entanto, quando leio a respeito de Samar e do maravilhoso trabalho que ela faz pelos órfãos de Betânia, a respeito de padre Mário e dos seus esforços para promover a instrução entre os mais pobres de Buenos Aires, a respeito dos membros dos Memores Domini e da sua decisão de viver e trabalhar por Cristo, a respeito das milhares de pessoas que se reúnem a cada ano em Rímini para os Exercícios Espirituais da Fraternidade, parece-me até que conheço vocês há muito tempo. Experimento, na verdade, o orgulho de pertencer totalmente a Cristo, e, ainda mais importante, sinto a presença do movimento até na sua ausência. O que encontrei foi a presença de Cristo por meio da presença da ausência do movimento. Aquela presença que o faz viver e compartilhar a vida com todos, por toda parte.
Aloysius, Serra Leoa

Estudar bem longe
Tenho quatro filhos músicos. O terceiro, Emanuele, este ano está morando longe de casa para freqüentar um curso em Pescara, para ser acompanhado por seu mestre de violino que reside naquela cidade. No final do semestre, voltou para casa para descansar por alguns dias, mas teve de partir de novo muito rapidamente. Antes de ir embora, estava triste pela separação e o cansaço que o dominava. Eu entendia que as palavras serviriam bem pouco e por isso lhe entreguei um artigo de Vittadini publicado na Passos de junho (in Passos 62, p. 15; nde). E agora, veja o que ele me escreveu: “Querida mamãe, pensava naquilo que me disse, mas principalmente pensei no meu futuro. Já que eu chorei porque senti ao deixá-los, surgiu-me uma dúvida: ‘E se o violino não me der uma recompensa que dele espero? E se esse grande desgaste esbanjar o meu tempo?’. Reli o artigo e me marcou profundamente porque me fez tornar consciente do que estou fazendo. Estou indo ao encontro desse período de estudo e de ‘isolamento’ de uma maneira que eu não tinha jamais feito antes, com uma razão. A razão é que tudo aquilo que faço ofereço-o a Maria que é o nosso exemplo e a nossa esperança. Porque é ela que não permite que eu faça em vão o estudo, mesmo que um dia eu não seja violinista. Cada instante oferecido a Nossa Senhora transforma-se em um instante já ganho na vida. Estou mais consciente com relação a mim mesmo, com relação àquilo que estou fazendo. Eu me entrego a um Outro com a certeza de que tudo aquilo que acontece comigo é para o bem da minha caminhada e que Jesus me ajuda e está presente, e é a minha vida. Espero que este seja o caminho certo, mesmo porque a música é bonita demais! E é a maneira que melhor exprime o meu ser”.
Cecília, Vieste – Itália

“Agradeçamos a Deus por este Papa, a quem desejamos servir com toda a nossa pessoa”

Este é o texto da mensagem que o padre Julián Carrón, presidente da Fraternidade de Comunhão e Liberdade, enviou a todos os amigos do Movimento logo depois de ter sido recebido em audiência pelo Papa Bento XVI, no Palácio Apostólico de Castel Gandolfo, na manhã de 26 de agosto de 2005:

Caros amigos, precisamente na manhã de hoje, tive a graça de ter sido recebido pelo Santo Padre, acompanhado por padre Pino e por Giancarlo Cesana. O Papa se mostrou muito interessado na nossa experiência em todas as suas expressões, em particular nos aspectos educativos. Ele também está acompanhando, com grande interesse, o Meeting de Rímini, e explicitamente solicitado, Bento XVI nos disse estender uma calorosa saudação a todos quantos participaram desse evento. Vamos agradecer a Deus por este Papa, a quem desejamos servir com toda a nossa pessoa.

Padre Julián Carrón
26 de agosto de 2005.


Poesia
Te procuro,
Senhor das montanhas
o sol
na verde escalada
parava
e solitário se debruçava
sobre ela
Naquele momento
tudo mais real parecia
e no mais recôndito
te sentia
vizinho
tão próximo
que qualquer abismo
parecia
não ter
nenhuma
distância
Giovanni Colciago,
Carate Brianza, Milão – Itália

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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