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Passos N.64, Agosto 2005

BRASIL / SITUAÇÃO POLÍTICA

A bandeira da esperança não caiu

por Filippo Santoro*

Propomos a leitura do artigo de dom Filippo Santoro, Bispo de Petrópolis, publicado no Jornal do Brasil de 9 de agosto de 2005, p. A-12. Um juízo claro e uma ajuda para o posicionamento de cada um sobre a situação política do Brasil neste momento

As notícias destes meses sobre a corrupção no Brasil estão se tornando rotina e nasce a grande suspeita de que tudo seja encoberto e não dê em nada. O fato que está suscitando escândalo, porém, não é apenas o espetáculo da corrupção, mas que esta corrupção, por admissão do próprio presidente da República, investe o partido que tinha feito da ética a sua bandeira. Ao longo dos anos foi construída uma ideologia que reconhecia no PT o instrumento do sujeito histórico da libertação do Brasil, a partir dos pobres. Foi elaborada uma utopia que contava com a pureza cristalina dos membros e dirigentes do partido, com o uso constante e instrumental da bandeira da ética. Para muitos ideólogos, sobretudo os de origem marxista, era ético e justo o que servia à conquista e à manutenção do poder.
Uma parte da Igreja apoiou este projeto ideológico que se baseava na luta dos pobres, na colaboração de intelectuais radicais e no mundo do sindicato. Neste processo, esqueceu-se totalmente o limite radical do homem, o pecado original, que atinge indistintamente a todos e, por isso, todos precisam de um redentor. O Senhor é a presença do ‘’novo’’ no meio da realidade; os pobres e os simples são aqueles que com maior facilidade o reconhecem. A novidade é a presença, não o projeto ideológico.
Dois anos de poder revelaram que muitos dos líderes deste partido que alcançou o governo do país não são puros e caíram nos mesmos erros do poder burguês que violentamente atacavam. A ética foi violada de forma espantosa. Na realidade, todo partido e todas as pessoas têm em si esta ferida profunda do mal e ninguém pode se dizer ‘’sem pecado’’. Cada partido faz o que pode, tendo presentes os ideais que o inspiram. O que causa espanto é a autoproclamação do partido da ética, dos puros. Foi declarado constantemente ‘’não podemos errar’’. Nas coisas humanas, o erro é uma possibilidade cotidiana, que não deve ser justificada, mas que temos que admitir.
Caiu a bandeira da ética do PT; mas de forma alguma caiu a bandeira da esperança, que depende do valor indestrutível da consciência pessoal, aberta ao bem e contrária ao mal. Especificamente na experiência cristã, a esperança depende da presença no meio de nós de Cristo Libertador, vivo na comunhão de seus amigos e que é uma novidade também em relação às legítimas batalhas dos pobres.
Para a ação política dos católicos, é decisiva a orientação dada pela doutrina social da Igreja, e esta escolhe os partidos que mais respeitam e oferecem a possibilidade de traduzir a sua identidade em ações concretas, visando o bem-comum e o amor preferencial, ainda que não exclusivo, pelos pobres. Por isso, é legítimo o pluralismo na ação política. Toda tentativa de presença política é sempre uma tradução limitada e parcial da riqueza da mensagem do evangelho.
Nas circunstâncias presentes, é tarefa de toda a sociedade civil e especificamente da Igreja católica e das várias religiões colocar toda a devida ênfase na questão ética, não apenas recolhendo o grito de indignação que sobe da sociedade, mas indicando os fundamentos verdadeiros da ética. Se não existem pontos firmes de referência para a consciência moral como posso dizer que o roubo, o mensalão e a corrupção são errados? O alimento primeiro da crise ética, que alcançou proporções espantosas, é a “ditadura do relativismo’’ da qual fala Bento XVI.
A esperança continua viva por força do valor da consciência moral que está aberta ao infinito, ao absoluto que constitui o critério de juízo para as nossas ações e para qualquer organização política. Em muitas pessoas esta esperança está muito viva. Como esquecer o imenso trabalho de entidades civis e religiosas, das comunidades, das paróquias, dos movimentos eclesiais, e de tantas pessoas de reta consciência, de líderes comunitários e de pessoas simples que, a partir de uma fé viva, constroem pequenas e grandes obras educativas e de solidariedade?
Será também necessária uma reforma do Estado e das instituições, começando pela reforma política, indicando uma agenda de prioridades. Este grande trabalho, porém, terá êxito se sustentado pela esperança de todo um povo que, a partir de suas convicções mais profundas e da presença no seu meio do significado da vida, torna mais humana a nossa morada. Esta esperança não decepciona.

*Dom Filippo Santoro integra a Comissão Episcopal de Doutrina da CNBB

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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