A devoção dos baianos a Nossa Senhora originou na cultura popular três invocações à Mãe do céu: Nossa Senhora da Escada, Nossa Senhora da Conceição da Praia e Nossa Senhora da Boa Viagem
Nossa Senhora é uma presença que acompanha o povo baiano desde a fundação da cidade de Salvador, em 1549, pelas igrejas, imagens, orações e personalidades que não dissociavam a vida da fé. A sua presença vai se afirmar nas muitas invocações que lhes foram dadas durante estes séculos. Aqui apresentamos três dessas invocações de Nossa Senhora que acompanham o povo baiano até os dias de hoje: Nossa Senhora da Escada, da Conceição da Praia e Nossa Senhora da Boa Viagem. Essas invocações duram no tempo e revelam a sua proximidade com os variados aspectos da vida cotidiana das pessoas, desde os doentes que procuram repouso em suas igrejas até os viajantes que faziam o percurso pelo mar, arriscando a própria vida em meio às aventuras da navegação.
Nossa Senhora da Escada
No Subúrbio Ferroviário de Salvador, no bairro de Escada, em Itacaranha, há uma pequena ermida dedicada a Nossa Senhora da Escada, de devoção muito antiga. A igreja está implantada no alto de uma colina de onde se descortina bela visão da Baía de Todos os Santos em seus tons azulados e verde-esmeralda. Antigamente, abaixo da igreja, existia uma ladeira que levava os fiéis ao mar, local onde desembarcou em 1638 o príncipe holandês Maurício de Nassau para invadir a cidade de Salvador. Atualmente passa no local uma linha férrea. A data da construção original remonta ao século XVI, como capela de Lázaro Arévolo (Argôlo), dono das terras onde hoje se localizam diversos bairros do Subúrbio, depois entregue aos jesuítas, sendo considerada uma das igrejas mais antigas da Bahia.
Em 1566 essa igreja recebeu a visita do padre José de Anchieta (1534-1597), ainda jovem, quando este chegou a terras brasileiras por motivos de doença, tentando recuperar a saúde. A sua estada na Igreja de Nossa Senhora da Escada é uma mostra da função do lugar como restaurador das energias e de saúde por sua proximidade com o mar, o clima ameno e a beleza da área suburbana no século XVI. José de Anchieta é um dos padres jesuítas que mais oferecerá versos de louvor e afeto a Nossa Senhora, como podemos encontrar nos diversos poemas e autos escritos nas mais diversas línguas, inclusive em tupi, como este:
“Nde po guýribo pabê
Toroñenóng orojúpa.
Nde membýramo orokúpa,
Ybaté torobase,
Aujérama nde rausúpa”.
(Tradução)
Em tuas mãos todos
Repousemos tranqüilos.
Guardando-nos como teus filhos,
Ao céu chegaremos,
Amando-te eternamente.
(in Poesias, José de Anchieta. Transcrições, traduções e nota de M. de L. De Paula Martins. Edusp, São Paulo 1989, p. 611.)
A escultura de Nossa Senhora da Escada é uma imagem barroca do século XVIII, onde Nossa Senhora carrega nos braços o Menino Jesus, um rosário de madeira e tem aos pés uma escada de madeira, simbolizando a intercessão, ou seja, a certeza de que por meio dela chegamos ao seu Filho Jesus Cristo. Sua festa é no segundo domingo de setembro.
Padroeira do Estado da Bahia
A devoção a Nossa Senhora da Conceição da Praia data de 1549, quando chegou à Bahia o primeiro governador geral Tomé de Sousa, sendo Nossa Senhora da Conceição o nome da nau capitânia que o trouxe ao Brasil. A igreja e a imagem foram trazidas de Portugal. A igreja, de maneira impressionante, foi pré-fabricada em Portugal e construída (ou montada) na área do Comércio de Salvador, bem à beira da praia, daí o nome da devoção. Ela é considerada uma das mais belas e imponentes igrejas de Salvador, dominando a paisagem da Cidade Baixa, nas proximidades do Elevador Lacerda, que faz a ligação entre a Cidade Baixa e a Cidade Alta, cuja inauguração, há mais de um século, coincidiu com a data da festa de Nossa Senhora da Conceição.
A sua festa acontece no dia 08 de dezembro e é feriado estadual. A festividade integra o ciclo de festas da Bahia, para onde acorre o povo católico na celebração das missas e a procissão que percorre as ruas do comércio de Salvador. Ao redor da festa muitas barracas são montadas com comidas típicas, bebidas, jogos e outras diversões. Existe uma pequena capela da primitiva igreja dentro da grande basílica. A atual igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia é a terceira construção e data de 1739/1773. Essa pequena capela foi construída antes da chegada de Tomé de Sousa e está à mostra, dentro as antigas estruturas seculares.
Como em outras festas populares da Bahia, a festa de Nossa Senhora da Conceição da Praia reúne um grande número de fiéis que vão agradecer e pedir a proteção materna da padroeira do Estado, em várias missas durante o dia. Debaixo de um sol intenso as pessoas acompanham a procissão com fervor e devoção, levando flores e cantando. Interessante perceber que as festas religiosas da Bahia têm a peculiaridade de promover no seu entorno diversas apresentações de capoeiristas e sambas de roda que vão se formando espontaneamente próximos às barracas com nomes pitorescos e suas pinturas decorativas, vendendo comidas típicas da Bahia.
Nossa Senhora da Boa Viagem
Salvador é uma cidade cercada pelo mar, sua principal fonte de renda e meio de transporte durante muitos séculos. Por este motivo vamos encontrar a presença de Nossa Senhora como guia e proteção daqueles que se aventuravam nos séculos passados nas travessias marítimas com suas naus e saveiros (barcos que traziam materiais de construção e alimentos do Recôncavo). O título da invocação dada a Maria é Nossa Senhora da Boa Viagem, padroeira dos Navegantes e protetora dos pescadores e dos navegantes, homens do mar. A festa acontece em 1o de janeiro, com procissão marítima dedicada a Nossa Senhora da Boa Viagem e ao Nosso Senhor Bom Jesus dos Navegantes. A procissão segue pelo mar até a Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia no dia anterior,
31 de dezembro, e retorna no dia 1o de janeiro, com as duas imagens na
Galeota Gratidão do Povo, uma embarcação centenária construída para conduzir as imagens.
Na igreja homônima, construída em 1712, encontramos diversos ex-votos em azulejos portugueses (1743-46) que primam pela singularidade histórica e pela riqueza documental ao mostrar a presença de Nossa Senhora a guiar e salvar do naufrágio diversas naus e navegadores. Numa dessas imagens ela tem em um braço uma caravela e no outro um barrete a indicar o caminho marítimo mais seguro aos viajantes. A igreja está localizada na Cidade Baixa, em Itapagipe, na área onde se encontram outras importantes igrejas baianas como Nossa Senhora do Monte Serrat, Nossa Senhora da Penha e a Basílica do Senhor do Bonfim.
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