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Passos N.63, Julho 2005

EUROPA - ENTREVISTA COM BRONISLAW GEREMEK

A União vista de Vístula

por Luigi Geninazzi

Os resultados dos referendos na França e na Holanda, contrários ao desenvolvimento do processo de unificação europeu, são expressões de um temor em relação à ampliação para o Leste. Mas também ocasião para voltar à mesa e se rediscutir “a Europa que queremos”. As palavras críticas do historiador e eurodeputado polonês Bronislaw Geremek

A Europa, já se disse, não é mais um sonho. Mas qual o significado da oposição que ainda se encontra à sua unificação? Fizemos a pergunta a Bronislaw Geremek, historiador polonês de fama internacional e militante do Solidarnosc da primeira hora, que foi conselheiro de Walesa e, depois, ministro do Exterior no final dos anos 90. Intelectual e político, Geremek é considerado um dos mais dignos representantes da nova Polônia, ligada à tradição européia e aos valores da democracia ocidental. Desde junho de 2004 é deputado do Parlamento europeu, membro do grupo da Alde, a Aliança dos liberais e democráticos pela Europa.

Professor Geremek, muitos observadores viram no duplo “não” ao Tratado constitucional da UE, por parte da França e da Holanda, uma espécie de rejeição popular à ampliação para os países do Leste, ocorrida no ano passado. Isso é verdade?
Temo que na Europa ocidental não tenha sido bem entendido o significado da ampliação para os países ex-comunistas. A operação aconteceu num clima de indiferença e de ignorância dos dados reais. O termo ampliação é muito redutivo. Seria preferível falar de reunificação do continente, um fato histórico de importância enorme para os destinos da Europa e do mundo. Em vez disso criaram-se mitos que não têm nada a ver com a realidade, porque não há nenhuma invasão da mão-de-obra do Leste. Eu creio, porém, que a questão seja mais profunda e vá além do problema da ampliação.

O que seria?
Na minha opinião, o referendo na França e na Holanda marca uma atitude de hostilidade em relação a algo que foi percebido como um perigo externo, como o fenômeno da globalização, e expressam uma nítida desconfiança na capacidade das instituições européias de enfrentá-la. O “não” ao Tratado constitucional deve ser levado muito a sério: não é simplesmente uma reprovação às disposições e aos mecanismos previstos para o futuro, é uma rejeição à União Européia tal como ela existe atualmente.

Que influência terá o voto negativo da França e da Holanda sobre os novos países membros da UE, que já eram bastante céticos em relação à Constituição européia?
Esse não era, certamente, o texto com que sonhávamos. Pessoalmente, considero-o um instrumento não desprovido de alguma utilidade, mas há grandes lacunas, a começar pela ausência de referência às raízes cristãs do continente, algo que muito nos preocupa. Apesar de tudo, 60% dos poloneses, até há pouco tempo, eram favoráveis ao Tratado constitucional europeu. Curiosamente, a classe política é que era mais hostil a ele, não a sociedade. Mas, depois dos referendos na França e na Holanda, as pesquisas de opinião indicam uma mudança de tendência: o “sim” ao Tratado caiu para menos de 50%, e continua a cair.

A União Européia parece ter chegado a um ponto morto. Como fazê-la reviver?
A reprovação ao Tratado constitucional pode se tornar a ocasião para reintroduzir o debate sobre a Europa que queremos. Devemos romper com a mentalidade estatística de que se alimenta a política comunitária: quantos votos cabem a um país, quanto se paga, quanto se recebe, e por aí afora. Há um problema urgente que afeta a todos e é a reforma do sistema econômico e social. A União Européia deve ser capaz de dar uma resposta a coisas que são objeto das conversas familiares e afetam a vida quotidiana. Não é admissível que as questões do trabalho, da família, do desenvolvimento demográfico, sejam deixadas para cada país. São esses os problemas que preocupam os cidadãos europeus. O futuro da UE não pode ser uma simples continuação do projeto europeísta dos anos 50. Há desafios novos que exigem uma radical mudança da nossa cultura política.

Terminou a aliança franco-alemã, vista como motor da unificação européia?
O papel exercido pela França e pela Alemanha no processo de integração européia é evidente. Como historiador, gosto de imaginá-lo como uma continuação daquilo que aconteceu nos tempos de Carlos Magno, em que o império se apoiava no eixo franco-alemão. Depois veio a dinastia dos Ottoni, que tinham uma outra idéia de Europa. Em particular, Ottoni III estava convencido de que a Europa latina tinha que incluir também a eslava. Mil anos depois, estamos diante do mesmo problema. Com a ampliação para o Leste, ocorrida em 2004, a União Européia se encontra numa situação totalmente nova, o seu quadro geográfico ficou mais claro e agora se trata de organizá-lo internamente. O motor franco-alemão não funciona porque o carro não é mais o mesmo. Quem o dirige tem que perceber isso.

O filósofo Jan Patocka, expoente do dissenso sob o regime comunista, disse que a Europa tem a ver com o zelo pela alma. Vale também para a União Européia?
Certamente. Devemos voltar a nos perguntar sobre questões fundamentais da construção européia: por que queremos viver juntos e como pensamos continuar a fazê-lo? As razões não são puramente econômicas ou políticas: somos uma comunidade histórica que tem algo a dizer ao mundo.

 
 

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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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