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Passos N.63, Julho 2005

CINEMA / MENINA DE OURO

Eutanásia e qualidade de vida

por Dalton Ramos*

Nos dias de hoje a lógica hedonista do mundo faz com que muitos acreditem que não seria uma vida digna de ser vivida aquela que não é mais capaz de conseguir provar o prazer. Ao hedonismo se junta uma postura utilitarista e aí a “qualidade de vida” é interpretada como eficiência econômica, consumismo desenfreado, beleza e prazer da vida física, esquecendo as dimensões mais profundas da existência, como são as interpessoais, espirituais e religiosas.
Sabe-se que muitas vezes o pedido da eutanásia vem do próprio paciente, normalmente portador de uma doença incurável. O que explica esse pedido é a existência de um quadro de dor física, neurológica, ou ainda um sofrimento, um quadro depressivo que impede que o paciente consiga enxergar algo de positivo ao seu redor. Pode ser até mesmo o esgotamento do projeto de vida, quando o indivíduo está convencido de sua inutilidade, acreditando que a morte seja a única saída.
Para os quadros de dor física existem tratamentos médicos possíveis. Para os outros sofrimentos, psicológico e de perda de sentido, problemas mais complexos porque são sintomáticos de toda uma história de vida, também existem tratamentos, não só os oferecidos pela Psicologia, mas todas as ações que visem amparar o doente e ajudá-lo a resgatar o sentido e o valor da vida, regatar o que vem a ser verdadeiramente “saúde”.
O Papa João Paulo II, poucas semanas antes de morrer, dirigiu a Pontifícia Academia Para a Vida uma mensagem onde lembra que quando falamos de saúde desejamos fazer referência a todas as dimensões da pessoa, na sua unidade harmônica e recíproca: a dimensão corpórea, psicológica, espiritual e moral.
Esta última dimensão, a moral, não pode ser descuidada, ainda segundo o Papa. Cada pessoa tem uma responsabilidade a respeito da própria saúde e daquela de quem ainda não alcançou a maturidade ou já não tem a capacidade de administrar a sua própria saúde. A circunstância em que se encontra a pessoa doente não é um problema só dela ou de seus parentes próximos a quem caberia, então, “autonomamente” decidir pela vida ou pela morte. A circunstancia de sofrimento em que se encontra um de nossos irmãos é um desafio para todos. É um dever de caridade amparar o doente e seus familiares.
O que distingue cada criatura humana, a sua “qualidade essencial” é o fato de ter sido criado à imagem e semelhança do próprio Criador. A pessoa humana é constituída de uma unidade de corpo e de espírito e por esse motivo ela possui por essência uma dignidade superior às outras criaturas visíveis, vivas e não-vivas. Essa é a “qualidade” e “dignidade” do ser humano que existe em cada momento da vida, desde o primeiro instante da sua concepção – o exato momento da fecundação –, até à morte natural. E essa “qualidade” e “dignidade” realiza-se plenamente na dimensão da vida eterna.
Um outro aspecto importante para um correto entendimento da expressão ”qualidade de vida” é que a partir desse reconhecimento do direito à vida e da dignidade peculiar de cada pessoa, a sociedade deve promover, em colaboração com a família e com os outros organismos intermediários, como as Igrejas em suas ações pastorais, as condições concretas para desenvolver de maneira harmoniosa a personalidade de cada homem, em conformidade com as suas capacidades naturais. Devem existir condições sociais e ambientais adequadas, oferecidas a todos os homens, qualquer que seja o país em que vivam.
Uma implicação prática disso, quando se fala de eutanásia, é o dever dos órgãos estatais, responsáveis pelo financiamento e implantação das políticas de atenção a saúde, de oferecer os “cuidados paliativos”, que são os recursos técnicos (equipamentos e medicamentos) e humanos (equipe de saúde – médicos, enfermeiros, psicólogo, assistente social, etc.), para atendimentos hospitalares e/ou domiciliares, que garantam os cuidados devidos a uma pessoa doente de forma a ampará-la em todas as suas dimensões de saúde, incluindo a valorização da dimensão espiritual.

* Livre-Docente. Professor de bioética da USP, Membro Correspondente da Pontifícia Academia Para a Vida – Vaticano.

 
 

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