O mosteiro, lugar onde a manifestação de Cristo é mais visível. Entrevista com o padre Serio Massalongo, prior da comunidade dos monges da Cascinazza, em Milão
Padre Sergio sorri. E com razão. Pela janela, ele vê a cidade tomada por um sol maravilhoso. O céu é de um azul limpo e suave. Nessa beleza ele vê o eco daquela beleza de que se o investiu 30 anos atrás. Naquele tempo era ferroviário na unidade de Bolzano (norte da Itália), vinha de uma experiência política e sindical na qual se jogara de corpo e alma, mas sentia o deserto em torno de si. Até que um dia – não querido nem procurado – encontrou-se, de maneira totalmente ocasional, com o nascente grupo da comunidade de Comunhão e Libertação. Naquele dia sua vida, que já havia perdido qualquer fio de esperança, deparou-se com uma esperança totalmente imprevista. Nem é preciso dizer que, a partir daí, sua vida sofreu uma reviravolta. Hoje, padre Sergio Massalongo é prior da comunidade monacal do mosteiro de São Pedro e São Paulo, mais conhecido como Cascinazza. E com ele gostaríamos de retomar o fio condutor daquele discurso sobre a esperança, que ele há 30 anos vem diariamente experimentando.
O que faz da esperança uma experiência de vida e não uma aspiração ou uma pretensão?
A misericórdia de um encontro que salva todo o humano. Um encontro plenamente humano, onde se percebe a presença do divino, que o Senhor está aqui, está presente, e olha para mim. O que faz da esperança uma experiência de vida é a graça de deparar-se com o evento de Cristo, que toma toda a nossa vida e introduz um princípio novo de existência: tudo nEle subsiste!
Esse fato, reconhecido e acolhido, abre a vida, qualquer que seja o seu estado, para um olhar positivo, porque no fragmento do particular que se tem nas mãos aparece o início da realização final, tão desejada pelo coração. Portanto, a esperança não se apóia em uma ideologia humana, não é uma utopia. Apóia-se na certeza da presença de Cristo, tão presente que se torna incontrolável, capaz de transformar a vida e levá-la à sua realização.
Para mim, continua insuperável a síntese sobre a esperança expressa no Cartaz de Páscoa de CL de 1996: “A esperança é uma certeza no futuro por força de uma realidade presente. Por isso, é a presença de Cristo, tornada conhecida pela memória, que nos faz certos do futuro. E é possível um caminho sem parada, um tender sem limites, a partir da certeza de que Ele, assim como possui a história, irá se manifestar nela”. Se a esperança se apóia apenas nas forças humanas, torna-se utopia. Daí a rápida e fatal a passagem para a impaciência, para a arrogância, para a violência em todas as suas formas de expressão.
Qual é o contrário da esperança: o desespero ou a fuga da realidade?
Diz bem o Salmo 61,6-7: “Só em Deus repousa a minha alma, nEle está a minha esperança. Só Ele é a minha rocha e a minha salvação, meu rochedo de defesa, não poderei vacilar”. Só Deus pode ser o fundamento da esperança, o apoio do homem na busca da felicidade. São Bento nos recorda em sua Regra (4.4): “colocar a própria esperança em Deus”. Ele é fiel, e é capaz de cumprir as suas promessas, de levar a termo o que começou. Se, pelo contrário, a esperança não tem Deus por objeto, como bem máximo a que se aspira, se o homem confia em si mesmo, nas próprias forças, nas próprias capacidades, no próprio saber, ele não mais se abre para um horizonte infinito, prefere fechar-se num lugar apertado no qual a própria razão atrofia-se, mantém acorrentado o desejo e torna o homem frustrado. Então, alguns se refugiam no sonho, que é a tentativa de encontrar uma consistência a partir da própria imaginação. Isso dissolve o humano, e uma pessoa, embora vivendo na realidade, esta se afasta dele, e aí ele é conduzido para as várias formas de desespero, isto é, para o desencanto com a vida, por causa da impossibilidade de conseguir, sozinho, aquilo que deseja.
Esse erro de perspectiva é o pecado, é fruto da desobediência. A pessoa não aceita ser amada por Deus, e isso a torna incapaz de amar, a si mesma e aos outros. Desse modo, a pessoa é deixada sozinha com a sua negação. Claro, na medida em que a gente se dá conta disso, mete-se de joelhos e pede perdão; sempre é possível recomeçar. Por isso, São Bento nos exorta a “não duvidar nunca da misericórdia de Deus” (Regra 4,74). Porque o amor de Deus é maior do que todos os nossos pecados.
De que modo uma experiência como essa que vocês vivem é uma esperança para o mundo?
Uma vez, padre Giussani nos disse: “A comunidade cristã não tem saudade da vida monástica, mas anseia que Cristo se manifeste...”; e continuava: “Ora, onde a manifestação de Cristo é mais visível? Na vida monástica! Porque tudo, em nós, é função da edificação do Corpo de Cristo”. Tudo em nós existe para que Cristo seja visto, esteja presente dentro da organicidade da vida, de forma que se torne manifesto, no caos deste mundo, um início, um alvor de humanidade diferente, verdadeira, onde tudo se dirige para o fim último.
O sinal que torna visível a presença de Cristo é a comunhão entre nós, o milagre de uma unidade humanamente impossível, uma unidade ainda imperfeita, mas real. Poder encontrar um lugar assim pode reacender a esperança, no homem, de que a vida tem um sentido. O mosteiro diz que existe a possibilidade de se chegar à realização da própria humanidade! Diz que Cristo basta! Há um lugar onde o perdão e a misericórdia de Deus regeneram o humano. Esse lugar é a Igreja. Isso é o mosteiro.
São Bento também viveu num momento muito difícil da história. Como ele repropôs a questão da esperança aos homens do seu tempo?
São Bento teve a coragem da fé de responder “estou aqui” ao chamado de Deus. Está tudo aí! Toda a fecundidade de são Bento deve-se ao fato de ele ser um instrumento nas mãos de Deus. Entregando-se nas mãos de Deus, propiciou o renascimento de muitas pessoas. Não se tratava de fazer coisas extraordinárias, mas de ser ele mesmo, testemunhando, com a própria vida, que a salvação existe, é possível.
A partir da própria resposta a Cristo, nasce a possibilidade de realização de tudo e de todos. São Bento percebeu que lhe tocava essa responsabilidade, e não a deixou escapar. Desse “sim” a Cristo nasceu a paixão pelo humano; daí brotou uma cultura que fundou a Europa. Uma cultura onde todos os povos encontravam a sua unidade e o melhor de si na presença de Cristo.
Tudo isso era visto, embrionariamente, nos mosteiros, na vida comum dos monges. Pela beleza que essa unidade exprimia, entendia-se que o Mistério de Deus está presente na história.
Recentemente, um sacerdote, no pátio do nosso mosteiro, me disse admirado: “Que silêncio existe aqui!”. Eu me surpreendi, porque naquele momento não havia silêncio completo no ambiente. Ouvia-se o barulho de carros na estrada e dos tratores nos campos. Evidentemente, aquele sacerdote percebeu um outro tipo de silêncio, sentiu a razão pela qual estamos aqui: Jesus Cristo. Esse é um grito mais forte do que qualquer ruído.
Que nexo existe entre esperança e felicidade?
Se a esperança tem por objeto Deus, nós sabemos que Deus se fez homem para ajudar o homem a alcançar a própria felicidade. Cristo é o destino que se doa no presente, para ajudar o homem na caminhada para Deus. Por isso, crer em Cristo é um desejo pleno de confiança, de certeza, de segurança. Mesmo em meio à provação, à tribulação, permanece a certeza do prêmio, porque, como diz são Paulo, “sei em quem confio”.
Em que termos a obediência a uma regra e a oração incrementam e tornam mais verdadeira a esperança?
A felicidade é possível quando se cumpre a vontade de Deus. Como é que se sabe o que Deus quer de mim? Por meio da obediência ao que Ele me propõe, pela obediência à Regra, isto é, pela adesão à forma de companhia na qual o Cristo me coloca hoje. A obediência à Regra garante a estrada, liberta das ilusões, corrige os descaminhos, ajuda na retomada, sustenta na caminhada. Então, não é possível confiar na própria realização sem pedir continuamente a Cristo que a realize; isto é, sem oração, sem pedir, sem mendigar à comunidade a presença do Senhor. A oração só é possível diante de alguém que está presente! Dizia santa Teresinha do Menino Jesus: “O teu amor é a minha esperança, e eu quero arder nele”.
Um obstáculo que a experiência da esperança enfrenta é o tempo. Acontece de experimentá-la num encontro, mas é difícil que permaneça. Por quê? E o que pode sustentá-la?
Porque para permanecer no encontro original é preciso um movimento contínuo de conversão. Não se atinge o objetivo sem aceitar essa mudança; sem passar pela morte de Cristo não se chega à ressurreição. Se nós temos medo desse sacrifício, nós paramos e, assim, o objetivo se perde, se cristaliza. Deus está presente, mas não interessa mais.
"Quem não progride na seqüela de Cristo, retrocede. Quem diz estar em Cristo deve caminhar como Ele caminhou. Se perdemos o contato com Ele, por causa da preguiça, a caminhada se tornará mais difícil e cansativa. O nosso progresso não consiste em pretender ter alcançado a meta, mas em tender continuamente a ela". São Bernardo
O que é que sustenta essa tensão para a meta?
Antes de tudo, “um novo início” é sempre uma graça, é o acontecer de novo de uma Presença que se impõe e nos toca, nos desperta. Defrontar-se com uma realidade humana nova que torna presente a origem. A esperança, por isso, é sustentada por uma companhia na caminhada para o objetivo, uma companhia vivida, sofrida, que se torna nova todo dia. E é sustentada pela paciência. O tempo que passa, em vez de nos afastar, nos aproxima cada vez mais do ponto original do nosso ser. O tempo é o desvelar-se misterioso de uma plenitude já realizada. A paciência nos faz entrar nessa posse. Dizia um Padre da Igreja do quarto século, São Zenon de Verona, em um sermão sobre a paciência: “A paciência doa à pobreza a graça de caminhar contente, possuindo tudo, quando tudo suporta”, isto é, quando tudo é oferecido.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón