Muito foi dito e escrito sobre o caso da pobre Terri Schiavo, mas talvez valha a pena fazer mais uma consideração sobre um ponto que ainda não foi explorado sufi-cientemente. Terri Schiavo não só foi morta, e barbaramente, de fome e sede (embora com sedativos), mas também impediu-se que ela recebesse qualquer forma de caridade. Seu quarto era vigiado por policiais, que tinham a função de impedir que alguém entrasse ali para alimentá-la ou dar-lhe um pouco de água. Até crianças foram impedidas de entrar; elas tinham sido enviadas pelos pais com a esperança de que a lei fosse menos impiedosa com elas.
A lei, justamente! Predominou a lei, excluindo-se qualquer gesto de amor, mesmo o mais simples: dar de comer e de beber a quem precisa. Não se argumente que é improvável que adultos ou crianças com vasilhas de água consigam atender apropriadamente uma pessoa em estado vegetativo persistente. Eu também sei disso, mas é significativo que o gesto foi tentado por gente comum e impedido pelos “tutores da ordem”. Procurou-se tornar manifesto, com um ato simbólico, que a ordem, pela primeira vez numa sociedade livre, negou de forma veemente o direito do doente de ser amado. Os pais de Terri queriam cuidar dela, mas o Estado não permitiu. Os pais poderiam realizar uma coleta para garantir a assistência à sua filha. O homem mais poderoso do mundo, o presidente norte-americano Bush, estava com eles; o papa estava com eles; muitos, pelo mundo afora, estavam com eles. Muitíssimos teriam o maior prazer em contribuir. Não só a assistência a Terri não custaria nada ao Estado, mas o seu caso daria a oportunidade para se recolher uma montanha de dinheiro para ajudar outros doentes como ela.
Nada! A lei proibiu a gratuidade. De Terri foi tirada a vida. E para tirar-lhe a vida não se praticou uma violência contra a vida (não lhe foi disparado um tiro ou injetado uma dose de veneno), mas anulou-se a fonte da vida, deixou-se que a lei vencesse o amor, que uma fria e objetiva omissão fosse vitoriosa. Assim, o pequeno mundo de Terri foi arrebatado de dois mil anos de cristianismo, num país nascido como terra prometida para cristãos perseguidos, que colocaram Deus no centro da construção social, e cujo nome foi inscrito na própria moeda nacional.
Ficou muito claro para mim que sair do cristianismo quer dizer morte, morte da vida, daquilo que faz nascer, que a sustenta e a recupera. O mundo todo ficou sabendo dessa morte; por causa dessa morte, jornais e televisões deram grande ênfase ao caso de Terri; contra essa morte, milhões de pessoas viram com esperança o testemunho de João Paulo II. Quanto mais a sombra da morte pretende obscurecer tudo, tanto mais o espetáculo da vida se propõe de forma poderosa, ainda que meio confusa. Cristo, com a sua ressurreição, com o testemunho da sua Igreja, colocou dentro da confusão a semente da certeza: não tenhamos medo de amar e não permitamos que outros nos impeçam de fazê-lo.
* Giancarlo Cesana, médico e psicólogo, é professor de Medicina do Trabalho na Faculdade de Medicina da Universidade dos Estudos de Milão.
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