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Passos N.61, Maio 2005

EXPERIÊNCIA / O MOVIMENTO HOJE

Terra Santa
Em Betânia, entre as crianças de Samar

por Andrea Finessi

Ela é palestina e cristã. Na sua “casa”, mais de uma centena de crianças órfãs aprendem a perdoar e um grupo de mulheres palestinas procura refazer a vida. Há também a padaria, onde se ganha algum dinheiro e são criados empregos

Eu passo por este mundo uma vez só. Se há um bem que eu possa fazer, uma gentileza, uma ação, fazei, ó Deus, com que eu a faça agora, porque uma outra chance eu não terei.”
São as palavras que Samar repete sempre para si mesma. Ela se expressa comigo em italiano, língua que aprendeu com os muitos amigos da Itália.
Samar Sahhar é palestina, vive em Betânia desde 1971, quando os seus pais se mudaram de Jerusalém. Há 30 anos dirige um orfanato, uma obra iniciada por sua família, que alugou um cômodo, muito velho, usado para abrigar as ovelhas. Pôde, assim, acolher dez crianças, e enquanto seu pai dizia “só dez, não mais do que isso!”, o serviço social israelense continuava a mandar-lhes outras crianças. Depois, a compra de um terreno e a construção de uma casa nova, abrindo-se assim a possibilidade de acolher também crianças palestinas. “Foi a realização de um sonho.” Para Samar, não há diferença na origem: “Em que língua chora uma criança?”, era a resposta dos seus pais, quando perguntados como é que eles, cristãos, cuidavam de tantas crianças muçulmanas.
Hoje a sua “casa” em Betânia está cheia de crianças, que, enquanto comem, nos olham com olhos atentos e curiosos. Crianças que procuram se aproximar, pois querem que as tomemos pelas mãos ou as carreguemos no colo. São órfãs. Samar tornou-se a mãe de todas elas.

Espaço para todos
“Aqui na Terra Santa, onde Jesus demonstrou todo o seu amor, onde viveu, é uma pena que esteja acontecendo essa guerra. Estamos sempre procurando pessoas que possam dar-se as mãos para construir um futuro neste mundo. Há espaço para todos”, e entre essas pessoas ela escolheu as mais inocentes. Crianças que depois se tornam adultos e têm consciência do que Samar lhes transmitiu. Um deles ficou particularmente gravado na memória dela: “Um rapaz que cresceu aqui foi para o Líbano e lhe foi pedido que matasse alguns cristãos. A resposta foi: ‘Como posso matar cristãos, se as pessoas que me amaram foram justamente eles, que são a minha família de Betânia?!’”. Samar põe-se a pensar: “Eles continuam a seguir a nossa história, com o desejo e a curiosidade de ver as coisas tais como elas são”.
É uma grande responsabilidade: ela cuida de 72 meninos e 31 meninas, que vivem em estruturas separadas. Depois do orfanato masculino nasceu uma casa feminina, a partir da necessidade de ajudar as meninas e as mulheres, porque em toda a Palestina não existem estruturas de acolhimento para elas. “Comecei hospedando as irmãs dos meninos que já estavam aqui, mas também as mulheres que precisavam de uma casa. Criei uma nova estrutura e lhe dei o nome de ‘Lázaro’, porque peço sempre a Deus que dê de novo a vida a essas mulheres, do mesmo modo que Jesus fez com Lázaro”.

A menina na igreja da Natividade
Um dia três freiras, enquanto caminhavam por Belém, encontraram uma menina presa numa gruta. Parte do corpo dela estava queimado. Foi levada para um hospital e lá ficou por mais de um ano, até ser curada, depois de diversas plásticas. “Hoje tem 30 anos, e pela primeira vez vai à escola. Não queria ir, e agora é uma das mais competentes. O boletim do primeiro semestre é um dos melhores. Agora está aqui entre nós a sua irmã, também ela inteiramente queimada pela mãe. Há pouco tempo, fomos a Belém, à igreja da Natividade, e eu lhe disse: ‘Vá até Jesus e peça-lhe alguma coisa’. Na volta, me disse: ‘Pedi a Ele a graça de perdoar minha mãe’. Samar fica um instante em silêncio e, depois, com o sorriso de quem continua a se comover com essa criança: “Ela recebeu golpes na cabeça, perdeu todos os dentes e tem dificuldade para comer. Esse é um milagre: essa criança pedir que sua mãe seja perdoada, depois de tudo isso!”.

O pão na garagem
A história de Samar é, de fato, rica em milagres. Um deles é a padaria, “a maior de Belém”. A idéia é conseguir dinheiro para o orfanato, dar de comer às crianças e oferecer oportunidade de trabalho para alguns palestinos.
Samar assina um contrato de 75 mil dólares com um israelense de Tel Aviv pela compra das máquinas. “Eu estava sem dinheiro e tinha medo de acabar presa, mas no final tudo foi pago, e por isso agradeço a Deus”. O aluguel de um espaço grande na rua principal era muito alto, um dinheirão. Por isso escolheu uma garagem num lugar bastante isolado. Ela relata: “Eu a aluguei e a reformei, para transformá-la numa padaria. Todo mundo me achava louca e diziam que a coisa não ia funcionar. Para minha surpresa, quando levantamos as paredes, a rua que passa na frente da padaria tornou-se a rua principal da cidade! Alguém veio até mim e perguntou admirado: ‘Mas você está trabalhando com o Sharon?!’. E eu respondi: Estou trabalhando com Jesus, muito mais poderoso que ele. O israelense de quem comprei as máquinas não queria vir montá-las em território palestino. Depois de muita insistência, afinal se convenceu: ‘Nem por um milhão de dólares eu viria, mas para você, Samar, tudo bem! No final dos trabalhos houve uma festa, o almoço num restaurante em Betânia. Fizeram mesmo um sacrifício para participar. Ali havia trabalhadores muçulmanos, judeus e cristãos. Comemos juntos e isso também foi um belo testemunho para todos os meus meninos”.

Gerar para o significado da vida
Também o fato de ser mãe de tantas crianças é um grande graça. Samar vive, desde 1971, uma experiência de virgindade, “para viver melhor a maternidade com as crianças”, diz ela. É a experiência dos Memores Domini, que marcou a sua vida em 1994, e da qual passou a fazer parte sob a orientação de padre Giussani. Assim, aprendeu que gerar a vida é “gerar para o significado da vida”, como faz um verdadeiro pai. Samar se comove ao falar da sua “maternidade”. “Sentia que estas crianças sem mãe, sem pais, me convidavam a estar com elas, a dar continuidade ao trabalho iniciado por meus pais. Com todo o coração. Eu os chamo de meus filhos. Somos como que uma família, jamais nos consideramos algo diferente disso. Em Betânia, neste lugar, eu senti minha vocação para ser mãe”.
Uma palestina cristã, mãe de uma centena de crianças, uma mártir. E justamente esse testemunho de caridade e a sua própria presença nesta terra são um sinal de paz e de mudança para todos os filhos que gerou.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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