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Passos N.61, Maio 2005

IGREJA / BENTO XVI

Uma experiência extraordinária

por Alessandro Banfi

No testemunho do vice-diretor do canal de TV italiano Tg5, a surpresa diante da onda popular que “invadiu” Roma para a última homenagem ao papa João Paulo II, que pôs em movimento exigências e evidências originais

Os bárbaros invadiram Roma, com seus celulares na mão e a goma de mascar rodando entre os dentes, bonés coloridos e mochilas nas costas. Não falam, mal conseguem se expressar: a sociedade do consumo e da imagem tornou-os quase afásicos. Diante das câmaras, quando lhes pedem uma opinião, repetem os slogans da mídia: “o papa é um personagem importantíssimo, um grande e verdadeiro amigo dos jovens...” Se lhes pedem que motivem os slogans, refugiam-se num “não é possível expressá-lo”, “não consigo dizer o que sinto”. Ficam horas na fila e, depois, com a câmara do celular, tiram a foto de um corpo que, no momento, é a imagem mais repetida nos jornais, na TV, na internet... Frente a eles, lembro destes versos de Pier Paolo Pasolini:

Ó infeliz geração
Chorarás, mas de lágrimas sem vida
Porque talvez nem sequer saberás
Retomar algo que, não o possuindo,
Também não o perdeste.
(Oh sfortunata generazione/ Piangerai, ma di lacrime senza vita/ Perché forse não saprai neanche riandare/A ciò que non avendo avuto non hai neanche perduto)

Essa juventude das homenagens póstumas a João Paulo II, na Basílica de São Pedro, não escapa da repetição das fórmulas, uma geração expropriada da linguagem, da tradição, talvez até do pensamento...


Sem Cristo depois de Cristo
Mas esse modo de ver as coisas, embora sendo preciso e verdadeiro, corre o risco de não compreender em profundidade – e se tornar, por sua vez, um esquema rígido – uma ideologia pós-ideológica. Ficamos admirados ao observar bem esses jovens, procurando entender essa horda que se dirige a Roma, não como que se fosse para um funeral, mas antes para um concerto, para um encontro, para uma festa, . Eles não são a geração a que aludia Pasolini, mas os filhos dessa geração. A primeira “sem Cristo depois de Cristo”. E diante dela é errado recuar, não é realista, não é humano. Humano é olhá-la de frente, valorizá-la, amá-la.
Os bárbaros do bem-estar e da indiferença religiosa. É verdade, comunicam-se quase que sem palavras, por meio das roupas, da música, dos “torpedos”... As palavras que usam, não aprenderam com ninguém. Outro tipo de beleza não conhecem. Tal como os bárbaros.
Mas foram alcançados por um anúncio muito poderoso, ficaram impressionados pelo menos com o pressentimento de um outro tipo de felicidade, de uma Presença totalmente diferente. Justo eles que, como seres afásicos, são destituídos de profundidade, mas foram levados a sério por alguém que, embora velho e cansado, mas forte e também “midiático”, não teve medo de usar a linguagem deles, deu crédito às suas exigências mais verdadeiras e despertou neles o vislumbre da consciência do destino, gritou-lhes que a vida é Jesus Cristo. O que esses jovens entenderam? O que guardaram dessa mensagem? O que guardarão dela para as suas vidas? Isso não sabemos. O simples fato de fazer essas perguntas, agora, soa como uma pretensão própria de quem acha que possui alguma coisa. Nós, os católicos que sabemos tudo! Quase um rancor de quem diz: mas como, onde estavam esses selvagens quando fazíamos nossos encontros, nossas missas, nossos catecismos, nossas missas dominicais?

O anúncio de um fato vivo
Há um modo de criticar a selvageria dos milhões de jovens que invadiram Roma que é uma forma de acusá-los, ou ao papa Wojtyla por ser midiático demais. Observações que significam duvidar da força da Graça e do senhorio de Deus sobre a história.
É paganismo, certamente. Paganismo de 2005. Mas a pergunta despertada pela presença deles continua de pé. Como no início, a Igreja, assim como existe pela Graça de Deus, deverá também acostumar-se a convertê-los, cuidando mais do anúncio do fato cristão, das raízes da esperança cristã, da pessoa de Jesus Cristo, do que da conservação dos ritos ou da coerência dos crentes.
Os bárbaros talvez sejam grosseiros e primitivos, ainda que tecnológicos (suas mensagens são todas expressas num vocabulário de 50 palavras, no máximo); não conhecem a tradição, não conhecem a beleza, sequer dominam as palavras para dizer o que sentem. Têm ritos bárbaros e irracionais, como as fotos que batem, os eventos midiáticos que “curtem”, os coros que criam nos estádios. Mas suas exigências e evidências originais foram postas em movimento, ao menos por um instante, por João Paulo II. Talvez estejam prontos para uma nova evangelização, que não lhes apresente uma moral sem encanto, mas o anúncio de um fato vivo e presente, atraente.
Digamos sem arrogância: não temos medo deles.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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