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Passos N.58, Fevereiro 2005

Oriente Médio / Entrevista com o arcebispo Pietro Sambi

A via-crúcis da paz
A esperança certa da Igreja

por Andrea Finessi

A paz na Terra Santa é cada vez mais urgente e, se ela acontecer ali, acontecerá em outras partes do mundo. A difícil relação entre terra e identidade dos povos e o muro que, para alguns, é de defesa e, para outros, significa apartheid (política de discriminação racial). A responsabilidade dos políticos e a ajuda dos peregrinos. Fala o arcebispo Pietro Sambi

Em Jerusalém, respira-se ares de mudança. É preciso que algo aconteça, algo que leve a uma paz que tarda em chegar, mesmo depois da eleição de Abu Mazen.
Em Notre Dame, sede da nunciatura, este ar traz a certeza e a força de alguém que encontrou nessa terra a clareza de uma identidade: “Quando cheguei aqui, era um jovem padre. Jesus Cristo, para mim, era como um fantasma que estava em algum lugar nas nuvens. O fato de caminhar sobre os lugares onde Jesus caminhou, de visitar as pedras e os lugares que exalam a sua pessoa, o seu ensinamento, os seus milagres, o seu sofrimento, morte e ressurreição, fez com que eu fizesse um encontro não com um cristianismo qualquer, mas com uma pessoa, Deus verdadeiro e homem verdadeiro, que se chama Jesus Cristo”. Essas são palavras do núncio apostólico, dom Pietro Sambi, que está recepcionando um grupo de peregrinos vindos italianos dizendo-lhes que com o simples “fazer-se ver” realizam “a maneira mais completa de sustentar a Igreja Mãe de Jerusalém”.

Excelência, aqui na Terra Santa, os cristãos estão realizando obras, fazendo intervenções e tomando iniciativas. Que perspectiva esses gestos podem ter?
Estamos diante de dois povos extremados psicologicamente por causa da falta de perspectivas de paz, abatidos pelas muitas vítimas nas famílias palestinas e israelenses, extremados também economicamente. A situação é mais grave na Palestina, que tem uma economia mais débil. Mas a pobreza também já chegou em Israel.
Nestes dias, ouve-se, de um lado e de outro, muitas palavras de boa vontade sobre a retomada do diálogo de paz. Também existem tomadas de posição muito precisas em nível internacional. Uma nova página foi virada. É uma oportunidade que não deveria ser abandonada. Abu Mazen foi eleito novo presidente da Autoridade Palestina. O primeiro ministro Sharon conseguiu constituir um governo de maioria. O conflito, que dura 56 anos e deixa atrás de si uma seqüela de ressentimentos e de falta de confiança recíproca, torna o caminho da paz muito íngreme. É necessário, também, o empenho e a criatividade da comunidade internacional na ajuda para a obtenção da paz. Se, na Terra Santa, for possível fazer com que as três culturas – judaica, cristã e muçulmana – aceitem-se, respeitem-se e colaborem, haverá paz em muitos outros lugares onde esses três povos têm influência. Foi dito justamente que a chave da paz no mundo se encontra em Jerusalém.
A Terra Santa – Israel e Palestina – enquanto extensão e número de habitantes não é muito significativa, mas, no entanto, no mundo fala-se dela quase todos os dias. A mensagem que parte daqui é de ódio, destruição e morte. Mas Deus escolheu essa terra para revelar-se, encarnar-se, salvar-nos; confiou a ela uma mensagem para a humanidade que é a do amor, da plenitude de vida e da fraternidade. Devolver à Terra Santa a missão que Deus lhe confiou significa reforçar as razões da paz no mundo. O primeiro passo a ser dado é a cessação da violência recíproca e o respeito pela vida humana.
Os cristãos, aqui, são poucos: somente 2% da população. Sua importância é em virtude da solidariedade que os cristãos do mundo inteiro mostram em relação a eles e, também, da capacidade do testemunho de unidade, de amor sem fronteiras e de fraternidade que é expressa nos comportamentos cotidianos em relação a todos. A peregrinação não é somente a melhor maneira para mostrar solidariedade à Igreja Mãe de Jerusalém e aos cristãos da Terra Santa, mas, também, um encorajamento à paz.

Andando pela cidade e pelos lugares da cristandade parece que entre as várias Igrejas existe quase um relacionamento de tolerância...
Se confronto aquilo que vi durante 30 anos com aquilo que vejo hoje digo, com prazer, que foram feitos progressos. No Natal e na Páscoa os chefes das Igrejas enviam uma mensagem comum a todos os cristãos da Terra Santa; foram elaborados documentos comuns sobre problemas que interessam a todos, como a emigração dos cristãos; em Jerusalém, o projeto de construção de uma mesquita do porte da Basílica da Anunciação em Nazaré; as conseqüências negativas do “muro de defesa”, etc. Quase todos os meses os chefes das Igrejas se encontram para tratar de assuntos de interesse comum. A Semana de Oração pela unidade dos cristãos envolve ativamente todas as Igrejas da Cidade Santa ainda como uma exceção.
O fato de que em Jerusalém – onde o Senhor instituiu a Igreja ardentemente desejando-a una, como carta credencial da Sua missão: “Para que todos sejam um, assim como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, para que também eles estejam em nós e o mundo creia que tu me enviaste” (Jo 17,21) – existam 13 Igrejas e cerca de 40 de diferentes denominações cristãs pode ser considerado um escândalo.
O orgulho e a sede de poder e de ter levaram à divisão. O que pode nos reconduzir à unidade é a fidelidade ao Espírito de Cristo no serviço ao Pai e aos irmãos, a humildade e a santidade de vida.

O senhor aludiu à responsabilidade dos políticos locais e da política internacional. Mas a política nestes anos enfraqueceu-se bastante por causa do fator religioso.
O conflito em ato é substancialmente pela posse da terra, embora não faltem motivações religiosas. As invasões israelenses nos territórios palestinos estão em grande parte situadas em lugares onde a Bíblia relata a presença de judeus no passado distante. Os extremistas muçulmanos servem-se da ocupação israelense de territórios palestinos para justificar o injustificável terrorismo, não raramente realizado em nome de Deus.
Israel tem um problema que vem desde 1948: a relação entre terra e identidade. Há quem diga: toda esta terra é nossa e devemos conquistá-la; e conseguem, inclusive, a adesão de uma consistente quantidade de não judeus; outros pensam: é melhor menos terra e uma maior identidade do povo judeu.
Israel tem o direito de existir em segurança e dentro das fronteiras internacionalmente reconhecidas, mas não é o caso atualmente, uma vez que existem as linhas de armistício. Mas os palestinos também têm direito a uma pátria própria e de viver em segurança e dentro das fronteiras internacionalmente reconhecidas. A possibilidade de paz passa pelo reconhecimento de dois Estados soberanos que vivam lado a lado em espírito de colaboração e através do reconhecimento das três religiões que consideram Jerusalém como Cidade Santa: a judaica, a cristã e a muçulmana.

Os israelenses estão construindo um muro para defender-se e isto parece contra o desejo de paz.
Israel tem o direito de se defender. Se alguém sente-se agredido tem o direito de reforçar as defesas da sua casa. O problema do muro é que foi construído não só em casa, mas invadindo o terreno de outros. Em Beit Jala o muro priva as famílias locais de oito milhões de m2 de terra. Do que viverão? Duzentas delas já deixaram a Terra Santa. Em Belém, o muro priva a população de sete milhões de m2. Mil pessoas já emigraram. Em Beit Sahour o mesmo muro elimina 1 milhão e 700 mil m2 de terra. Cento e cinqüenta famílias já deixaram o local.
Além disso, o muro rompe os laços familiares, sociais, culturais e religiosos. O Santo Papa, cujo amor pelo povo judeu e pelo povo palestino ninguém pode duvidar, disse muito sabiamente e no interesse de ambos: “a Terra Santa precisa de pontes, não de muros”.

Mas se o problema é a relação entre terra e identidade, como é possível a culturas diferentes viverem juntas?
Existem pessoas convencidas de que, para ser tolerante e favorecer o diálogo, é necessário não ter ou esconder a própria identidade a fim de evitar aspectos que cause desentendimentos com os outros. Essa é a verdadeira fraqueza da Europa nesta época. O diálogo a partir da não identidade é fútil em princípio porque não se dá conta da realidade que tem diante de si. O verdadeiro diálogo tem lugar entre identidades objetivas e precisas que decidem se conhecer por aquilo que possuem, respeitando-se naquilo que têm de diferente, colocando junto aquilo que têm em comum. Somente então o diálogo pode se tornar reciprocamente construtivo.

Na verdade, todos esperavam uma mudança depois da eleição de Abu Mazen, mas parece que as coisas estão bastante difíceis.
O próprio Abu Mazen, no primeiro discurso como novo presidente da Autoridade Palestina, disse: “A estrada que temos pela frente não será fácil. Não realizaremos as nossas aspirações com sonhos ou milagres, mas com um constante e incansável trabalho”. Um longo caminho começa sempre com alguns passos na direção certa: a cessação dos atos terroristas por parte dos extremistas palestinos e a cessação das incursões e da ocupação militar e israelense.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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