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Passos N.100, Dezembro 2008

DESTAQUE - Trabalho

Partidos em jogo

por Giorgio Vittadini

Na atual crise financeira, o debate corre o risco de ficar apenas em nível econômico, enquanto muitos elementos levam a pensar que estão em jogo questões cruciais para aqueles valores que estão na base da convivência. De fato, muitos dos erros que estão na raiz dessa crise nascem de uma distorção do relacionamento entre o homem e a realidade. Pensou-se que o sistema financeiro pudesse gerar valor e riqueza, prescindindo de uma compensação real ligada a um valor de uso de bens e serviços, que somente pode gerar seu valor de troca sem especulação. Insistiu-se que os especialistas em finanças, quase novos alquimistas, pudessem responder magicamente ao no entanto justo desejo de melhorar as condições de vida de grandes camadas da população (por exemplo, através de financiamento imobiliário, crédito pessoal), superando o limite imposto pela realidade e pela efetiva capacidade pessoal e familiar de pagar os empréstimos recebidos.
Concebeu-se um desenvolvimento que pudesse prescindir do equilíbrio entre todos os fatores da individualidade da pessoa e da humanidade no seu complexo, da necessidade de preservar e incrementar seus laços religiosos, familiares, sociais e de respeitar o ambiente em que se vive. Os valores humanos foram considerados irrelevantes para a economia, mas hoje, descobriu-se que a conseqüência mais grave da crise financeira é uma perda generalizada de confiança (etimologicamente também na raiz do “dar crédito”, no sentido econômico), fundamental não só para a vida pessoal mas também para a economia real, para a possibilidade de investir, consumir e, inclusive, fazer transações econômicas e financeiras e para os relacionamentos entre os Estados. Há dez anos, em abril de 1998, Dom Giussani escreveu num jornal de circulação nacional que “o único deus real na sociedade de hoje é o dinheiro. No entanto, todo o poder em ato, na sua impotência, parece muitas vezes não oferecer nem mesmo um aceno de esperança para o povo. De modo que os homens, quando olham o horizonte, e também o céu, demonstram medo. E até os mais sábios do mundo, aqueles que passam por inspiradores da verdade do homem e do bem estar do povo, os gurus, não sabem o que fazer”.
A resposta a essa crise não pode limitar-se, portanto, às sacrossantas medidas para aquecer a economia, a uma confiança fideísta na capacidade de auto-regulação do mercado ou a uma intervenção do Estado que, se feita sem critério, incrementará o estatismo já tão pernicioso à capacidade de iniciativa e de agregação subsidiária dos homens.
Enquanto se buscam novos e mais adequados modelos econômicos, é preciso escutar a advertência contida no discurso que o Papa fez ao mundo da cultura, em Paris, onde ele disse que a economia não pode prescindir dos valores fundamentais do homem na sua integralidade. Um duradouro e equilibrado desenvolvimento econômico pode nascer somente do desejo de verdade, de justiça, de beleza, que mora no coração do homem e que nem mesmo a corrupção do seu limite e do seu pecado pode destruir. Esse desejo, educado durante séculos na experiência da Igreja, cultivado em realidades sociais e populares com alta conotação social, socialista ou liberal, gerou em nosso País um mundo de pequenas, médias e grandes empresas, com atenção à inovação e ao progresso, um desenvolvimento atento à caridade e à solidariedade, uma infinidade de famílias e realidades sociais capazes de se incumbirem de muitas necessidades pessoais e coletivas, uma democracia com alto índice de participação, um sistema no qual a saúde é estatisticamente tutelada como em poucos outros lugares do mundo.
Durante anos pensou-se que essa propensão religiosa ou ideal em âmbito econômico e social fosse algo do passado. Porém, a degradação presente em nosso País já antes da crise econômica é conseqüência do abandono dessa experiência ideal, pessoal e social. Hoje, ela é o nosso grande recurso para recomeçar, diante da crise, com renovada confiança e esperança.

(Artigo publicado no jornal Il Sole 24 Ore, dia 31 de outubro de 2008.)

 
 

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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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