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Passos N.117, Julho 2010

COLEGIAIS - VESTIBULANDOS | VOCAÇÃO

Escolher viver

por Silvia Guidi

Talvez esta seja a primeira pergunta importante que um jovem faz na vida: “Fazer universidade? Que curso?”. Traduzindo: “O que serei quando adulto?”. Para serem ajudados, novecentos vestibulandos se encontraram com Julián Carrón em Roma. Um amigo que os desafiou a serem homens, e a acertar as contas com outra pergunta, mais radical: “Para que serve o meu eu?”

“Há uma batalha em ato.” Impossível fugir deste desafio, porque até não escolher é, de fato, uma escolha, a vida não fica nos esperando. “Bom dia a todos. Vocês estão acordados?”, pergunta Julián Carrón, começando a falar. Quase todos estão acordados, neste início de manhã de domingo, na aula magna da Urbaniana, não grande o bastante para comportar todos (havia outras três salas conectadas via vídeo), mas cômoda o suficiente para se poder olhar no rosto, na escadaria que se estende sobre um dos panoramas mais belos de Roma. Todos chegaram antes da oração do Regina Coeli na praça com o Papa, depois de viagens longas e desconfortáveis. Mas todos silenciaram os celulares e pegaram papel e caneta para fazer anotações, escutando quem já trilhou um pedaço do caminho e deseja acompanhá-los.
Não é fácil se orientar, reconhecer os critérios com os quais escolher uma faculdade ou um trabalho, decidir que forma tomará materialmente o próprio cotidiano quando forem “grandes”. “Vou fazer Direito”, pensam Maddalena e Elisabetta. Emanuele, que como as duas jovens, estuda em um liceu clássico em Milão, já excluiu de suas opções seguir sua paixão pela música. Frutos de escolhas ponderadas, provavelmente. Perspectivas que depois, no fim do dia, mudarão. “Admito que entendi bem poucas coisas”, diz Elisabetta, “mas depois do encontro, coloquei tudo em discussão novamente. Porque foram introduzidos critérios diferentes dos meus. Que não dizem respeito à universidade, mas a toda a vida. Uma medida diferente daquela do mundo. E que leva em conta tudo aquilo que sou e desejo. É como se tivesse aumentado a pretensão”.
A maneira mais concreta para ajudar os jovens a não se deixarem esmagar pelas expectativas, próprias e dos outros, é lembrá-los da “majestade da vida”, para usar uma expressão cara a Testori, a grandeza de se colocar em jogo não apenas antes da universidade, mas em cada momento da existência. Assim, o canto inicial escolhido por Carrón e Franco Nembrini, responsável dos Colegiais, foi Parsifal, de Claudio Chieffo: “Parsifal não pare / e deixe que seja sempre / a voz de um Ideal / que lhe indique o caminho”.
“Não parar”, não é fácil como parece. Ninguém sonha em embrenhar a própria vida “na corte das almas pequenas / que repetem os gestos e não sabem entender”, mas a batalha é tão invisível quanto decisiva. Perseguir o cômodo, deixar-se modelar pela mentalidade do mundo, mas também seguir acriticamente os conselhos de muitos educadores intelectuais, normalmente sinceramente convencidos de quererem o bem dos jovens, mas não treinados a perceber o respiro vasto da totalidade. Tudo isso, no tempo, de modo quase imperceptível, encolhe a vida, bloqueia o crescimento da personalidade, entorpece o humano em um mundo de substituições fáceis e (pequenas) felicidades liliputianas, até que alguma coisa (uma canção, um rosto, o contragolpe de uma grande dor, ou de um grande amor) lembra ao coração sua grandeza originária. “Liliputiana” vem de Lilliput, país imaginário do romance Viagens de Gulliver, do escritor inglês Jonathan Swift (1667-1745), no qual os habitantes tinham apenas seis polegadas de altura.

Nexo com o todo. O ideal nos convida a lutar contra esta redução sempre a espreita. O drama, neste período da vida, é que a própria vida obriga a escolher. Mas a primeira questão não é nem mesmo o que escolher. Primeiro, vem a questão: para que vale a pena viver? “‘O homem caminha quando sabe bem onde ir’. Dom Giussani nos ensina: ‘Só na clareza e na segurança o homem encontra energia para a ação’.” “Por que eu existo? Para que serve o meu eu?”, perguntava-se, ainda, Dom Giussani. “A primeiríssima decisão é levar a sério esta pergunta”, comenta Carrón. Bloqueá-la significa matar a natureza do homem, bloquear o ímpeto da vida. “Imaginemos que um pedaço de qualquer coisa, por exemplo, a roda de um carro, se perguntasse: ‘Qual é a minha utilidade? O que estou fazendo aqui?’. Ela só poderia entender isso dentro de um relacionamento, no seu nexo com todo o carro, porque cada pedaço do real pode ser entendido no seu nexo com o todo.” O que sou chamado a fazer? Descobrir de que maneira posso ser útil ao mundo é o caminho para a minha felicidade, minha realização. Não perco, mas conquisto a mim mesmo. O serviço ao mundo é a realização de si, mesmo se a mentalidade na qual estamos imersos nos sugere o contrário. “Entender isso é fundamental, porque muitos acham que a única modalidade de realizar a si mesmos seja se auto-afirmar e, por isso, depois, acabam sozinhos em um esconderijo perguntando-se que sentido tem a sua vida”, continua Carrón. O esconderijo pode ser também um lugar ao sol, confortável e de sucesso. É a mesma, velha armadilha, o sonho de se tornar mais parecido com outros que têm alguma redução da medida do homem, quer se trate de um rito esotérico para iniciados ou de uma conta bancária com muitos zeros.
“Parsifal, é preciso lutar / é preciso procurar onde está / o Ponto Fechado entre as ondas do mar / esta ilha existe...” Parsifal precisa lutar para lembrar a grandeza da sua vida e seguir o chamado que nasce das coisas e das pessoas que encontra. Um chamado que, escrito com letra maiúscula, torna-se sinônimo de vocação. E se exprime em uma pergunta, radical: “Como eu”, com tudo aquilo que sou, “posso servir mais ao reino de Deus?”.
Para responder, Carrón retoma os três critérios indicados por Dom Giussani. Primeiro: as inclinações e os dotes naturais. Ou “capacidades, desejos, ímpetos, um determinado temperamento. São dons preciosos que devemos colocar a serviço de algo outro”. Sem censurá-los, porque o maior erro que se pode cometer é a “desconfiança em relação às próprias inclinações, ao gosto, ao prazer enquanto algo autêntico, algo natural”. O Mistério nos chama através disso, dentro da carne. “Plasma-o dentro de nossas entranhas para nos dizer a quê nos chama, porque foi Ele que nos fez assim.” Por isso, o segundo critério são “as circunstâncias inevitáveis”: o fator “mais amigo”, porque nos indica de maneira mais clara o caminho a seguir. Sem ficarmos bloqueados em um lamento, enclausurados em uma expectativa particular – como querer ir às Olimpíadas depois de um acidente que lhe deixou aleijado – ou fechados no sonho de alcançar um objetivo, mas olhando com atenção e curiosidade “como o Senhor fará para me conduzir à felicidade através da minha deficiência”. Terceiro: a necessidade social. “Do mundo e da comunidade cristã.”
É usando de tudo isso que podemos acertar as contas com “as duas questões fundamentais a serem decididas”: a vocação como estado de vida e a escolha da profissão. Levando em conta um fato: a vocação “não pode ser uma ‘criação’ nossa”. É um Outro que a decide. Mas é “algo que se reconhece”, um reconhecimento. “Precisamos reconhecer aquilo para o qual fomos destinados.” Somos livres para aderir ou não, para nos educarmos a uma atenção constante aos sinais da realidade ou para nos deixar levar pela anestesia cheia de coisas a fazer na qual todos vivem. A concepção moderna da vida está muito distante disso, todos os desejos “grandes”, tudo aquilo que tem o respiro da totalidade é visto como um exagero, um fanatismo, um extremismo perigoso.

Companheiro de caminho. “E, ao contrário, aquilo que nos dizemos é algo que dá respiro”, conta
Maddalena. “Chegamos a pensar que é melhor fazer Medicina porque não há necessidade de advogados. Mas porque olhamos realmente o que conta para você na vida.” “Eu também voltei a considerar a música como uma possibilidade”, diz Emanuele. “Tinha decidido que, no fundo, não era importante. Porém, foi como se Carrón me dissesse: ‘Para mim, aquela sua paixão é importante’”. “Então, estávamos diante de alguém que nos levava em conta mais do que nós mesmos”, comenta Maddalena. Por outro lado, padre Carrón prometeu, na sua mensagem no Tríduo Pascal dos Colegiais: “Sou companheiro de vocês nesse caminho”. Um abraço de alguém que, diz Maddalena, “é claro que nos quer bem”. Os novecentos jovens tinham isso nos olhos naquela manhã. Os mesmos que, pouco depois se dirigiam, alegres, para a Praça São Pedro para o encontro com o Papa. E para uma vida de “gente grande”.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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