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Passos N.118, Agosto 2010

IGREJA - MISSONÁRIAS DA CARIDADE

As pérolas reencontradas

por Paola Bergamini

Há um século nascia Madre Teresa de Calcutá, a freira pequenina que deu vida a uma obra imponente, baseada em Cristo e no acolhimento. Conhecemos uma de suas casas, para ver como homens rejeitados por todos são acolhidos e tratados “como se trata um tesouro”

“Lembre-se de deixar os sapatos do lado de fora da capela”, me sussurra Marina. São 6h15 da manhã. Com o olhar, procuro a capela. São todas iguais as portas que dão para o corredor, praticamente a céu aberto, desse ex-galinheiro doado em 1974 pelos beneditinos da igreja vizinha de São Gregório às irmãs Missionárias da Caridade, em Roma. No dia 26 de agosto é o centenário do nascimento de Madre Teresa e, por isso, fui com minha amiga Marina Ricci, que já conhecia as irmãs, visitar este convento de Roma, onde elas fazem acolhimento. Eu tinha lido artigos e livros, e achava que já sabia o que iria encontrar...
Sigo pelo corredor, tiro os calçados e entro na capela. É um quartinho com o chão forrado por carpete. Algumas cadeiras, o altar, o sacrário. Na parede, ao lado do crucifixo, a escrita “I thirst” (Tenho sede). Nada mais. Tudo lindo, muito limpo, essencial. As irmãs entram em silêncio, tomam o livro de orações e se sentam no chão. Vestem o sári branco bordado de azul, escolhido por Madre Teresa porque era o que usavam as mulheres de Calcutá que varriam as ruas, as últimas dentre as últimas, servindo os mais pobres dentre os pobres. A Santa Missa e as orações são em inglês, a língua oficial da Ordem. São irmãs vindas do mundo todo. Enquanto mentalmente me arrependo de nunca ter querido aprender de modo decente a língua inglesa, a irmã ao meu lado me passa um livro e indica a página certa para que eu possa acompanhá-las. Ela me acompanha pacientemente o tempo todo.

Roma como Calcutá. No final, lá fora, espera-nos irmã Maria Pia, italiana, responsável por doze conventos na Itália. Já havíamos conversado por telefone. Ela mostrou-se um pouco arredia à ideia: “Os jornais em geral deturpam o que dizemos e fazemos. Não entendem. Não somos feitas para falar. Nós conhecemos Passos, alguém fez a assinatura da revista para nós e apreciamos Dom Giussani. Mas não quero entrevista. Poucas fotos. Você ficará conosco”. Não me pareceu um bom começo. Agora estamos ali, face a face. Ela abraça Marina e pergunta do seu filho adotado em Calcutá. Eu estendo a mão. É tão pequena que parece uma criança. Há trinta anos está na Ordem; tinha 27 quando decidiu ingressar, porque “eu tinha lido um livro sobre Madre Teresa. Eu trabalhava como secretária e vivia tranquila, então o Senhor me chamou”. Poucas palavras e um sorriso, que transmite paz, mas não nos deixa tranquilos. Depois, leva-nos para um cômodo onde está preparado um café da manhã. E ela não me queria... Marina me diz: “Elas são assim! Cada coisa tem que ser feita até o fim. Com todo cuidado”. Depois me saúda e vai trabalhar. Por volta das oito horas, algumas irmãs começam a sair para a rua, de duas em duas. Explica irmã Maria Pia: “Algumas vão encontrar famílias ou pessoas indigentes, outras vão resolver problemas administrativos em nome de algum ancião que hospedamos. Agora vamos ao centro de acolhimento. É logo ali, anexo à igreja de São Gregório”. Caminha rápido, com passos curtos, como se não quisesse perder tempo. Passamos por um portão e uma mulher vem ao nosso encontro: “Irmã, é hoje que vocês dão roupas?”. “Sim, daqui a pouco. Toda terça-feira doamos roupa para os ciganos. No domingo, pacotes de alimentos para famílias necessitadas”. “Quem doa?”. “A Providência, que nunca deixou faltar nada. O povo nos conhece e espontaneamente nos traz roupas e tudo aquilo de que precisamos”. E sorri. Na casa há cinquenta homens, que as irmãs encontraram na estação ferroviária ou nas ruas em situação de indigência. Pessoas sem morada e que não possuem mais nada. Em Roma é como em Calcutá. Quando entramos, eles nos saúdam. “São eles que decidem vir. Nós os lavamos, damos de comer, preparamos a cama deles, cuidamos da sua saúde. Alguns ficam poucos dias, depois vão embora; um dia voltam. Outros estão aqui há meses, anos. Muitos são alcoólatras, alguns têm problemas mentais. Quando possível, procuramos encontrar seus familiares; se forem clandestinos, procuramos regularizar sua situação. Mas em geral têm dificuldade de lembrar até do próprio nome. Temos poucas regras, mas são respeitadas”. Dentro, tudo é limpo, organizado, como no convento. Chego no momento do café da manhã. Antes, rezam. Uma irmã lê um trecho do Evangelho e depois comenta: “Vocês são pérolas que o Senhor recolheu. Vocês, nós todos somos amados e acariciados por Ele”. Penso que normalmente, quando os encontramos nas ruas, procuramos desviar, temos medo deles. Aqui, porém, são tratados como pérolas, com dignidade e decoro: um tesouro precioso. Porque pertencem a Ele. Agora entendo o episódio que Dom Giussani gostava de lembrar relativo a Madre Teresa. À pergunta “Madre, quais são as motivações das irmãs para fazer tudo o que fazem?”, ela respondeu: “Amam Jesus. Transformam em ações vivas esse amor. Servir os mais pobres dos pobres não é a nossa vocação; a nossa vocação é pertencer a Cristo”.
Caminhamos pelos corredores, enquanto as irmãs lavam, limpam. Quase não há barulho. “Há muitos voluntários que vêm aqui nos ajudar. Inclusive médicos que oferecem seus serviços gratuitamente. Nos hospitais nos conhecem e nos ajudam”, continua irmã Maria Pia. No quarto dos remédios, uma senhora preenche formulários. Explica: “Procuro a assistência pública para os que têm direito a ela. Faz muitos anos que ajudo as irmãs, todos os dias. Não posso faltar”. Irmã Maria Pia sorri.

“Você está feliz?”. No último andar está o escritório da postulação – Madre Teresa foi beatificada por João Paulo II no ano 2000 –, onde são recolhidos e arquivados os testemunhos e materiais de todo tipo do processo de canonização. Aí trabalha irmã Elias. Exatamente o contrário da minha acompanhante. De origem austríaca, alta, é um rio transbordante. Mas por que o nome Elias? “Nós escolhemos o nome que vamos assumir. Elias é uma bela figura, não é? Eu me identifico com ele”. Mas por que fez essa escolha? “A minha família não era praticante. No início, quando percebi que essa era a minha vocação, tentei resistir. Cheguei a dizer: ‘Jesus, não posso, é demais para mim’. Mas Deus é fiel. Para sermos felizes, basta seguir a vontade de Deus”. E assim já disse tudo. Ela é ajudada por Marino. Não é um voluntário, mas um hóspede da casa. Quando as duas irmãs se afastam, ele me conta: “Na vida cometi muitos erros e, assim, cinco anos atrás, acabei no dormitório da Rua Rattazzi (estação ferroviária Términi), onde conheci as irmãs. Vim para cá e depois fui embora. Agora não quero mais sair daqui. Aqui estou bem. Ajudo como posso. As irmãs têm uma alma que a gente não consegue descrever. São únicas. Quando ficam bravas, é para o nosso bem. Como as mães. Eu digo isso: quem não tem mãe, aqui encontra uma”. Irmãs como mães. A maternidade é um abraço que você pode doar, se foi amado: a pérola reencontrada.
É hora do almoço. Descemos ao refeitório. Depois de alguns minutos eu estou ajudando a escorrer o macarrão. Ninguém me pediu, mas eu não podia ficar ali sem fazer nada. Os hóspedes também ajudam no que podem. Não há confusão. Uma irmã aproxima-se de um hóspede e adverte, com voz firme: “Já faz dois dias que você não come verdura. Isso não é bom”. Alguns riem, não escapa nada. No final, alguns assumem a lavagem dos pratos e talheres. Ninguém lhes pediu nada. Paro na cozinha para conversar com uma irmã. É africana. Em meu inglês sofrível, pergunto se é feliz. E ela: “Sim! E você?”. “Sim”. “Por quê?”. Não esperava a pergunta dela. “Porque... eu sou mãe”, balbucio. Ela sorri e a irmã ao lado vai me traduzindo o que ela diz: “Você também tem um talento: escrever. Foi o Senhor quem lhe doou isso. Sabe, até um tempo atrás eu estava no Cazaquistão. Conhece padre Edo? Com os jovens do Movimento vinha nos ajudar”. Sim, conheço. Esta é a caritativa que fazem ali.
Com irmã Maria Pia volto ao convento para o almoço. Ela me conta que em Roma há outras cinco casas. Pergunto se ela conheceu Madre Teresa. “Sim. Quando vinha a Roma, era como uma de nós. Servia como nós. Uma vez, ela já velhinha, quis nos acompanhar em nosso giro pela cidade. Chovia. Estávamos preocupadas, não queríamos que ela se cansasse. A certa altura, descendo as escadas do metrô, estava carregando as sombrinhas de todas, para que a gente ficasse com as mãos livres”.
Eu almoço numa salinha forrada de cartazes com as fotos de crianças que foram adotadas. Cerca de duas mil. Há algum tempo chegou a proposta de excluir a cláusula que exigia o casamento religioso dos casais que as procurassem para adotar uma criança. Decididas, não quiseram nem discutir o assunto. Dificuldade superada. Como sempre.

Contigo, sempre. Às 14h40, na capela, há a recitação do terço e a adoração do Santíssimo. Vou para lá também. Irmã Elias me passa a folha com as orações. Balbuciando, sussurrando, para não dar vexame, repito a Ave-Maria. Vêm à minha mente as palavras de Madre Teresa que li em algum lugar: “Em certos momentos, não posso fazer mais do que repetir mecanicamente a Ave-Maria”. Os cantos, diferentes daqueles que estou acostumada a ouvir, têm uma delicadeza infinita. São sussurrados. Observando-as, entendemos para Quem fazem tudo o que fazem. Que esses são os momentos fundamentais da sua jornada. É algo tão evidente que dispensa explicação. E eu, impertinente, pergunto a irmã Maria Pia: “O que Cristo é para você?”. “Não respondo a essa pergunta. Se quiser, escreva os nomes das pessoas que deseja que rezemos por elas nos próximos dias. E depois está na hora de você partir”. Pela primeira vez me chama de você. Ela me acompanha à porta, onde há uma imagem de Cristo com a escrita: “I am with you always” (Eu estou sempre contigo). Depois, me dá um forte abraço. Cristo, para ela, é tudo.




De Skopje a Calcutá

1910 Dia 26 de agosto, Agnes Gonxha Bojanxiu, a futura Madre Teresa, nasce em Skopje, na Albânia.

1928 Ingressa no noviciado das irmãs de Loreto, na Casa Mãe da Congregação em Rathfarnham, na Irlanda.

1929 Dia 6 de janeiro chega a Calcutá (Índia).

1937 Pronuncia os votos perpétuos: de agora em diante passará a se chamar Madre Teresa, nome que escolheu em louvor a Santa Teresa de Lisieux.

1946 Dia 10 de setembro ouve pela primeira vez a voz de Cristo, que lhe revela o chamado dentro do chamado. Padre Van Exem, seu diretor espiritual, convida-a a escrever tudo o que está acontecendo com ela, para depois comunicá-lo ao arcebispo diocesano Ferdinand Périer.

1948 Madre Teresa pede oficialmente à Santa Sé licença para sair da Congregação de Loreto para criar a Ordem das Missionárias da Caridade.

1950 Dia 7 de outubro a Congregação das Irmãs Missionárias da Caridade é reconhecida oficialmente pela Arquidiocese de Calcutá.

1952 - 1959 São inauguradas a casa dos moribundos, a casa das crianças, o centro para leprosos em Calcutá, e a casa da Congregação na capital Delhi.

1965 Dia 1º de fevereiro Paulo VI assina o reconhecimento pontifício da Congregação. Em julho, é aberta a primeira comunidade no exterior, na Venezuela.

1979 Dia 10 de dezembro recebe o Prêmio Nobel da Paz.

1994 Dia 3 de fevereiro discursa no National Prayer Breakfast, em Washington (EUA), diante do presidente Clinton, onde fala com veemência contra o aborto.

1997 Dia 5 de setembro Madre Teresa morre em Calcutá. Os funerais de Estado acontecem dia 13 de setembro.

2003 Dia 19 de outubro João Paulo II a proclama Beata.

 
 

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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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