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Passos N.118, Agosto 2010

RUBRICAS

Cartas

Voltar para casa,
com tudo aquilo que se é

Caríssimo padre Julián, aos cinquenta anos, participei pela primeira vez da peregrinação Macerata-Loreto. Tinha um monte de razões para ir, todas caracterizadas pela sugerida atenção às necessidades importantes para mim, minha mulher e meus filhos. Necessidades que, provavelmente, sempre tivemos, mas que só recentemente percebi que não poderia satisfazer – em última instância – sozinho. Já tinha preparado tudo para o sábado. Mas o Senhor é realmente imprevisível. Desde o início da manhã, aconteceram fatos graves na família, que balançou tudo: saí de casa muito irritado. Não podendo mais contar com a carona prevista, fui de metrô. Em uma estação encontrei duas freiras da ordem de Madre Teresa, com as quais comecei a falar sobre a peregrinação. Esse episódio já me surpreendeu e reconheci que meu eu já estava em movimento. Casualmente, uma delas me perguntou: “De onde vocês vão sair?”, “Da Igreja de Santa Maria Nascente”. Elas responderam: “Olha, este trem está indo para o outro lado”. Estava com tanta raiva que peguei a linha errada, mas Ele me pegou pelos cabelos. Telefonei implorando que me esperassem. E me esperaram. Não tenho vergonha de dizer que não sabia nem o que era a Santa Casa de Loreto, nosso destino final. Durante a viagem descobri tudo graças a um amigo. Diariamente, para ir ao trabalho, percorro a pé apenas dois trajetos: do elevador ao guichê e da garagem ao escritório. No total, menos de 200 metros. A minha inclinação à caminhada é, portanto, perto de zero e por nenhuma mulher – nem mesmo minha esposa, a quem amo muito – andei tanto. Mas desde que saí do estádio de Macerata entendi que nada nem ninguém poderia ter-me parado, exatamente porque o protagonista era eu, e porque possuía grandes problemas não resolvidos e numerosas necessidades não satisfeitas. Assim, aconteceu o milagre. Percorri, com meus amigos, o trajeto inteiro de 27 km, fazendo apenas uma breve pausa. Todas as vezes que me virei para olhar para trás a interminável fila de pessoas ao longo do caminho, pensei: “Todo esse povo é certamente a Sua presença visível e misteriosa, aqui, agora. Não são loucos...”. Escrevi a mão minhas intenções, nunca escritas antes, e finalmente cheguei à Santa Casa, onde pude ficar apenas cinco segundos. Mas foram o bastante, porque no fundo já tinha dado e recebido tudo. Quando voltei para casa, encontrei todos os meus problemas. Contei sobre a peregrinação, minha mulher me falou sobre os últimos acontecimentos e me pergunta: “Como você pode estar tão tranquilo?”. Eu fiquei quieto, certo de que Ele se mostrará. Talvez exatamente através de mim. Hoje é segunda-feira e não fui ao escritório, porque tenho dores pelo corpo todo. Mas o que importa? Estou feliz. E amanhã, o fato de eu estar mancando me ajudará a contar a todos aquilo que eu vivo.
Luca, Milão – Itália

Um Tu que me domina
Em junho de 2010, no friozinho de nossa cidade mineira, tivemos o privilégio de receber na Comunidade Palavra de Deus, Cleuza e Marcos Zerbini. Eles foram trazidos por padre Paulo Romão para um encontro com membros da Escola de Comunidade e demais convidados. Digo privilégio, pois testemunhos como os que ouvimos são verdadeiros sinais do amor de Deus pela nossa comunidade. A simplicidade e força de Cleuza aliada à docilidade e clareza de Marcos relatando todo o percurso de suas vidas e do “encontro” com o Movimento Comunhão e Libertação nos causou grande comoção. Eles pediram que vivêssemos com “verdade” a nossa relação com Cristo e falássemos da “verdade” encontrada, pois assim os outros verão. Depois, se irão nos seguir ou não isso não está em nossas mãos. Somente somos responsáveis pelo nosso “sim” a Deus. Quase podemos tocar o “Tu” que domina suas vidas. Comovidos, pedimos a Deus que aumente nosso desejo de segui-Lo, pois só assim não cairemos nas armadilhas da vida.
Amigos da Escola de Comunidade de São Lourenço – MG

O mistério de uma criança
transformou nossos dias

Caro padre Carrón, sou anestesista. Há cerca de três semanas, chegou ao pronto socorro uma senhora no sétimo mês de gravidez com dores atrozes. Depois de uma série de exames, o diagnóstico: metástase difusa. A doença estava tão avançada que não havia possibilidade nem mesmo de uma terapia paliativa. Em algumas horas precisamos fazer uma cesariana. Nasceu uma menina. A senhora foi levada para a UTI. Durante toda a luta no pronto socorro e na sala de operações percebi que uma colega ginecologista estava particularmente envolvida emocionalmente, chorando escondido. Acho que eu também, como ela, preciso de companhia para estar diante de tudo isso e que na minha vida, quando alguém me deu a mão foi sempre mais fácil. Disse a ela: “Quer ir comigo à UTI, amanhã, para lhe fazer a visita?” Ela me disse que sim. No dia seguinte, assim como todos os dias, fomos fazer as visitas. Demos à menina uma medalhinha de Nossa Senhora. A mãe foi transferida para a nossa ala e eu fiquei com ela e seus familiares. Interessava-me estar ali e fazer companhia, assim como Jesus veio fazer companhia à minha dor. Estavam todos desnorteados. Eu fiquei ali, disse quem era à mãe e aos parentes, e rezei invocando o Espírito Santo. Uma manhã, recebi uma mensagem do marido me avisando que a senhora tinha sido transferida, “assim, você não faz uma viagem desnecessária”. Eu e minha colega continuamos indo visitá-la. Suas condições pioram. O relacionamento com a família se torna mais próximo. Sua mãe chora e se desespera revoltando-se com Deus. Eu choro e digo que é um Mistério, que o próprio Deus enviou seu Filho para a cruz, mesmo podendo salvá-Lo e que, diante do Crucifixo, diante de um Deus, homem como nós, que experimentou a mesma dor, a única coisa que podemos fazer nos ajoelharmos e abraçá-Lo. Uma tarde, recebi um telefonema avisando que a senhora tinha morrido. Fomos à casa deles. Entramos. Começamos a chorar e eu disse à mãe: “Quer rezar o terço?”. “Sim, reze você. Eu não consigo”. Ficamos com eles aquele dia e todos nos acolheram como parte da família. Dois dias depois, o marido me telefonou perguntando se poderíamos nos encontrar. Estava no hospital e queria visitar sua filha. Fizemos a visita juntos, eu, ele e minha colega e, desde então, a visita a menina tornou-se um compromisso cotidiano para os três. Ele veio jantar em minha casa, lhe apresentei meu marido e meus amigos, também veio à “Festa das Crianças”. Os familiares da Puglia entram em contato comigo periodicamente, uma prima veio com a família à festa e estamos organizando um jantar. Sem fazer nada, muitas coisas se movem em volta de mim, e é tudo uma superabundância.
Viola, Bolonha – Itália

Um encontro fascinante
Foi por meio de padre Julián de La Morena que surgiu o convite de ir ao Paraguai passar o final de semana no qual o arquiteto Etsuro Sotoo, responsável pela Sagrada Família de Barcelona, estaria visitando as obras de padre Aldo. Aceitei, pois os convites de Julián não costumam trair meu desejo de algo maior. Como sou formada em Artes Plásticas, esperava encontrar uma figura típica do ambiente artístico, mas os dias em que estive ali não foi de encontro com um artista somente, mas com um homem. Pude acompanhá-lo durante os dois dias aos encontros e visitas às obras de São Rafael, e me via impactada não somente com a sua sensibilidade, mas com uma pessoa profundamente atraída pela realidade. Isso me impressionou, porque esta pessoa tem um coração muito presente. Era evidente que seu eu é vivo, tão presente que foi impossível eu não olhar a mim mesma. Estou muito agradecida, pois percebo uma caridade dele para comigo ter seu eu presente, pois me devolveu a mim. Esta foi a novidade. Durante as horas dos dias, por onde ele passava, com quem se encontrava, ou quem lhe procurava, lhe despertava uma atração. Um homem assim fiel ao que é despertado em seu coração é um homem apaixonante. Também foi muito comovente a forma como me acolheram, não só Sotoo, mas os amigos que o acompanharam durante o final de semana. Eu particularmente não fui para encontrar com amigos próximos, mas me via em casa, e em nenhum momento me senti sozinha. Quem é capaz de dar-me uma nova casa, fora de casa? Quem nos une dessa maneira? O que aconteceu é que acompanhando Sotoo eu também segui me enamorando pelo que encontrei nesses dias no Paraguai, pelo que vi e pelas pessoas que encontrei. Volto ao Brasil com a certeza de que minha vida é para ser doada, entendo especialmente com mais clareza a que sou chamada.
Débora, São Paulo – SP

Uma experiência educativa
No último dia 11 de junho, nas escolas da Secretaria de educação do Distrito Federal, aconteceu um dia voltado para avaliação pedagógica do primeiro semestre. Eu, como Supervisor Pedagógico, sou o responsável para fazer com que esse dia seja proveitoso. Preparei slides, música e ambientes para que este gesto fosse uma coisa pautada pela beleza, o que aprendi com Dom Giussani. Como nosso planejamento inicial estava em dia, e as questões relacionadas com os alunos estavam bem encaminhadas, pensei em fazer desse dia uma ocasião para que toda a equipe da escola pudesse refletir sobre o sentido real do trabalho, então escolhi uma reportagem da Revista Passos de maio 2010 como tema norteador deste dia: “Só grandes homens formam outros grandes homens”. Procurei dentro dos amigos do Movimento alguém que pudesse falar da experiência que fazia no seu ambiente profissional, buscando uma experiência que fosse diferente da educacional. Mas Cristo teve pena do meu nada, da minha pretensão, e me mostrou que deveria ser alguém que estivesse tão envolvido numa história educativa como eu. Foi então que o Silvio me indicou a Patrícia Almeida, diretora da Creche Nossa Senhora Mãe dos Homens, em Samambaia. Neste dia, ela compareceu pontualmente às nove horas da manhã. Tomou café conosco e acompanhou o início do nosso trabalho até a hora em que foi convidada a falar sobre sua experiência na creche. Contou como foi trilhar esse caminho que havia começado 10 anos atrás, como  coordenava a equipe de funcionários, como lidava com as crianças e com as famílias, falou do que a movia a estar diante de tantas dificuldades e não se deter por uma circunstância, e que tudo começava a partir de uma decisão pessoal. Os professores escutavam o que ela dizia com muita atenção e aos poucos alguns também foram falando de como era gratificante se envolver na educação de um outro. Por fim fiquei agradecido por ela ter aceitado o meu convite e ter feito com que aquele dia fosse iniciado e guiado por essa experiência concreta de relação com o infinito. Quando ia para casa pensei que poderia mandar pintar esta frase num mural da sala dos professores – “Só grandes homens formam outros grandes homens” – para que eu por primeiro queira ser também um grande homem para educar através de um Outro.
Érik Kleiner, Brasília – DF

“Você é um filho para mim”
Bledar está preso na penitenciária de Pádua e começou a fazer catequese para receber o Batismo. Quando souberam da notícia, seus pais escreveram esta carta.
Caro Bledar, sabemos que não é fácil viver onde você vive, mas com a ajuda de Deus você não encontrará dificuldade em superar também esta dura prova. Se você acredita em Deus e se fizer tudo isso com o coração, poderá encontrar a serenidade que só um crente encontra. Não importa a religião, importa acreditar naquela soberania que, depois, se o chamamos Deus ou Alá ou outro nome, não tem importância, todos somos criaturas de alguém que é Soberano a nós. Você sabe que aqui, na Albânia, até os anos noventa era proibido falar de religião. Hoje, ter um filho que faz um caminho assim me torna orgulhoso de ser pai. Que o Senhor possa lhe proteger onde eu nunca poderei chegar, porque você sempre será o meu pequeno Bledar. Ter iniciado este caminho nos surpreendeu a todos, nunca teríamos imaginado isso: hoje você nos faz entender que aquele algo que nos criou, existe. Rezamos muito para que você pudesse encontrar aquele algo que lhe fizesse mudar. Toda a família olha para você com novos olhos. Todos os parentes não têm mais medo de dizer “Sim, eu sou parente de Bledar”, e estão orgulhosos por sua mudança, você é um novo filho para mim. Lembre-se, porém, que tudo isso não é obra sua, mas daquele Deus que o ama como nós o amamos. Não engane a si mesmo, não brinque com Deus porque Ele lhe dá tudo e tudo recomeça. Se você acredita, Deus lhe ajuda, abre e aplaina o caminho, mas se brinca com ele, os caminhos se tornarão cheios de buracos. Você não é casado, mas a coisa mais bonita com a qual nos presenteou é que, de algum modo, nos tornamos avós de um menino africano que se chama Cristiano (adotado à distância por Bledar) e, inclusive, o nome que quis lhe dar é muito bonito. Nada acontece por acaso. Se há quinze anos tivessem lhe pedido para ajudar um negro você nem teria olhado para ele. Tudo isso acontece para o bem que Deus reserva para você e para aquele menino. Juntos, vocês poderão viver uma vida plena de projetos e coisas bonitas, mesmo à distância. Ele crescerá bem com aquela senhora e você, com todos os seus amigos verdadeiros. Com essas palavras você vai lembrar todas aquelas vezes que gritamos com você por aquilo que fazia de errado, mas nós lhe amamos como se você fosse o mais puro do mundo. Todos podemos errar, mas nem todos temos a coragem que você teve em dizer “Sou culpado”. Não desanime agora porque está num ponto em que o passado não lhe causa mais medo; talvez lhe cause medo o presente e o futuro. Deus não vem para lhe fazer mal, mas para ajudar a você e a nós a vivermos no bem.
Os pais de Giovanni Bledar, Albânia

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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