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Passos N.120, Outubro 2010

DESTAQUE - MEETING 2010

“Estávamos esperando por você”

por Alessandra Stoppa

Depois de duas edições como convidados especiais, este ano os prisioneiros de Pádua estavam no Meeting como simples voluntários. E aproveitaram a ocasião para uma “revanche”, com consequências inesperadas

Olha uma vez. Depois, olha novamente para se assegurar de estar vendo bem. No semáforo, uma senhora observa o camburão da polícia cheio de presos que cantam. A cena, vista de fora, não deve ter muita lógica. Vista de dentro, tem menos ainda. O volume no máximo. A caçamba se enche de uma música muito doce. Para cantar... esta claridade... O inspetor chefe, ao volante, se movimenta dançando e sorri. As três cabeças ao lado dele seguem seu ritmo: dois policiais fardados e Mahmoud, um detento de camiseta. Entre os guardas, durante o refrão ele se gira e com um gesto dirige os outros presos: Distante, bem distante... Nos bancos de trás, todos cantam. O inspetor olha pelo espelho retrovisor para verificar... que estão contentes.
O camburão dos presos é um espetáculo que viaja pela estrada estadual de Rímini, todas as manhãs e todas as noites, indo e vindo da feira, onde acontece o evento. “Temos muita sorte”. Franco está prensado contra a pequena janela, mas está contente. Sua pena é de prisão perpétua e ele canta: “Tu sabes onde essa alma quer chegar para não morrer”. O CD continua sozinho. Ficam em silêncio. E sinto o coração tremer.

PANETONE EM AGOSTO. Pela primeira vez, os presos da Penitenciária Due Pallazze, de Pádua, estão no Meeting como todos. Não apresentam nenhuma exposição e não montaram o bar como no ano anterior. São voluntários entre os voluntários. Alguns trabalham no serviço de ordem, outros no setor de alimentação ou na limpeza. Mas hoje não se trabalha porque há um desafio: o Futebol de Santo Antonio. É o time dos “presos” contra “o resto do mundo”. No campo de futebol regulamentar, os detentos querem a revanche depois do 1 a 1 no dia 1º de março, na casa de detenção. É a primeira vez que jogam juntos detentos e policiais. Com a bandeirinha amarela na mão, o policial Valentino Di Bartolomeo, e o inspetor-chefe, Rino Gaeta, ficam na beira do campo. O árbitro (federal) é um advogado, Paolo Tosoni. E o chute inicial será dado por Franco Ionta, diretor do Departamento Nacional de Administração Penitenciária. Nas arquibancadas, junto ao público, Paolo Cevoli e Nando Sanvito fazem a narração. No final da partida, premiam os vencedores (“O resto do mundo” venceu por 4 a 2) com um panetone de cinco quilos. Um panetone em agosto! A lógica mudou, até mesmo nos detalhes.
Uma lógica tão precisa que um único dia explica nove anos que pareciam passados distraidamente. Precisávamos perguntar sobre isso a Giovanni. Ele está nas arquibancadas, e veio com outros detentos de Pádua, com saída livre apenas por hoje. Mas ele já vira aquele padre que jogava pelo time adversário. Em 2001 estava no Cazaquistão. Procurava um padre porque queria se casar. E encontrou padre Eugenio Nembrini. Depois, foi extraditado, não houve sequer tempo de realizar o casamento, e nunca mais se viram. Até hoje. Padre Eugenio abraça forte Giovanni e diz: “Estávamos esperando por você”.
Isso bastaria para explicar porque, depois da partida, fizeram uma grande mesa com presuntos e salames para todas essas pessoas que cantam e dançam. Trouxeram o respiro do Meeting até este campo de basquete que foi transformado num palco.
Estão presentes amigos de diversas cidades italianas e, também, Alexej e Vika. Ele é coreano e ela é russa. Acabaram de sair de seus turnos de trabalho na feira: eles também são voluntários no Meeting e esta é a viagem de núpcias deles. Por causa de uma lógica esplêndida. No microfone, dizem a todos: “Sem a amizade da Igreja não somos nada, então, quisemos usar a viagem para ajudar a construí-la”. Os presos também falam sobre si, os funcionários e os guardas também. E até os quatro ex-presidiários. Estavam na prisão de Pádua, agora estão soltos, e não havia nenhum motivo para voltarem ao Meeting como voluntários uma vez que agora são “livres”. No entanto, estão aqui. “A humanidade de vocês devolveu-me a vida. Voltei por causa dessa humanidade”. A lógica de Youssef é perfeita.

MUDAR DE ARES. “Uma coisa assim, ninguém poderia inventar. Deus a inventou”, diz Franco olhando em volta enquanto conta que começaram a pintar novamente a prisão. Partindo das celas. “Estamos refazendo também o encanamento de todos os andares. Queremos que a nossa casa seja bonita. Ele está em casa comigo”. Abraça Francesco, que está na cela com ele há 11 anos e hoje tem uma pergunta que não o deixa em paz: “Por que vocês gostam de mim?”.
Lorenzo também tem um pensamento que lhe dá um calafrio no estômago. “Acho que minha vida mudou”. Ele está no Meeting pela primeira vez. Em nove anos de prisão, saiu oito horas. Tinha vindo aqui apenas para “mudar de ares”. Não imaginava aquilo que encontrou: “É extraordinário. Estou desconcertado com as pessoas. Quando voltar à prisão vou contar aos outros: para eles parecerá fantasia. Mas eu encontrei isso”. É hora de ir embora. O policial os conta e o inspetor-chefe se posiciona ao volante do furgão: “Não posso ver com os olhos, mas acho que nestes dias o Senhor olha para nós feliz”. Assim como ele os vê pelo espelho retrovisor.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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