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Passos N.112, Fevereiro 2010

FÉRIAS - FOZ DO IGUAÇU

A descoberta da América Latina

por Alessandra Stoppa

Estavam presentes novecentas pessoas, da Argentina, do Brasil e do Paraguai. Para todos, uma longa viagem até a cidade em que se cruzam os três países. Quatro dias de vida, entre jogos e encontros imprevisíveis. São as primeiras férias em comum do Movimento na América Latina, nascidas de um grupo de amigos. E a experiência da unidade (tão esperada) floresce do modo que menos se imagina

O samba não é dançado em par, como o tango; o samba é uma dança do povo, uma beleza que se move. E com a aprovação dos argentinos, no momento da festa final do dia de jogos, o tango cedeu lugar ao samba. E todos, sem exceção, dançavam um ao lado do outro. Ao som de “Escravo da alegria”, aos poucos as pessoas foram se envolvendo, até que todos os novecentos participantes dançavam no salão, seguindo como um desfile de escola de samba. Com fantasias improvisadas, confete e serpentina, formavam um só povo. E eram pessoas de diferentes nacionalidades. “Existe algum abismo entre nós?”, refletiu padre Aldo Trento.
Foz do Iguaçu foi o local escolhido para as primeiras férias em comum do movimento latino-americano, realizadas de 5 a 9 de janeiro. Ali é o ponto em que se encontram as fronteiras do Brasil, da Argentina e do Paraguai. Foram quatro dias sob um calor tropical de quarenta graus. Padre Aldo chegou de Assunção (Paraguai), junto com outros quarenta amigos. Os argentinos eram 450 pessoas de todo o país e os demais eram brasileiros, sendo a maior parte de São Paulo.
O convite foi passando de boca em boca e para surpresa geral reuniu novecentas pessoas, embora alguns, como os dois equatorianos, tivessem que enfrentar 24 horas de viagem de ônibus. Jovens, pais, mães, crianças, um povo. E um só movimento. Que mexeu profundamente com a mentalidade e a história desses lugares. “Pela primeira vez saíamos das nossas fronteiras para estarmos juntos”, explica padre Aldo.

Como em Belém. A ideia das férias foi dele e dos seus amigos: Cleuza e Marcos Zerbini, de São Paulo, e padre Julián de La Morena, responsável do Movimento na América Latina. Cada um desses amigos, lá onde vive, propôs alguns dias de férias “a todos os que estiverem interessados, livremente”. Mas jamais imaginaram que viria tanta gente. “Que história!”. Agora, ficam repetindo isso uns para os outros.
Em Foz havia tanta gente que os passeios foram divididos para facilitar a locomoção. As visitas às Cataratas do Iguaçu, um dos lugares mais belos do mundo, foram realizadas em grupos, que se alternavam cada dia. Foram visitados o lado brasileiro e o lado argentino e o chamado diante daquela beleza era o de reconhecer a potência de Quem faz aquilo, agora, na certeza de que a origem das cataratas é a mesma origem da vida de cada um dos presentes.
Padre Alberto Bertaccini veio do Equador, mas no final das férias disse que esteve “em Belém”: “Observei todos nós que estávamos ali e vi tantos pastores que saíram de suas casas, de todos os lugares, para ir ver uma novidade para suas vidas”. E os dias trascorreram com muita simplicidade. Apenas uma oração matinal, a missa, uma Ave-Maria à noite. E um grande jogo: divididos em times por país. Vencia quem conseguisse l ibertar padre Aldo, que ficou “preso” como refém. O time dos brasileiros, paraguaios e equatorianos enfrentou o time dos argentinos disputando corridas, baralho, quiz e provas de força, e recebendo prêmios em dólares falsos (os trentos). Alguns programas culturais ajudaram a tornar os dias ainda mais intensos. Uma tarde foi a vez dos brasileiros João di Souza e Robério Molinari apresentarem um Concerto de música erudita em agradecimento à Nossa Senhora. No dia seguinte padre Aldo, Agueda Courreges e Cristina Garcia falaram sobre as Missões Jesuíticas no Paraguai.
“No mais, durante o dia fazíamos simplesmente o que a gente costuma fazer em casa: comemos, conversamos, cantamos, ficamos juntos”, conta padre Aldo. No entanto, tudo era extraordinário, como aquele canyon de duzentas cascatas na floresta. “Foi assim porque estávamos trabalhando. Queríamos comprovar que a nossa humanidade não é um obstáculo à felicidade, à descoberta do Mistério que faz a nossa vida, mas uma condição. E isso é um trabalho”.

Há vinte anos no coração. Essa posição tornou extraordinário, inclusive, o modo como todos foram chamados a enfrentar os problemas de organização, sem se deixar determinar pelos limites e dificuldades, mas voltando o olhar para o desejo do coração que moveu cada um de suas casas até ali. Nas férias havia também um grupo de universitários, que diariamente se desdobravam para resolver todos os problemas surgidos. Passavam o tempo organizando as novecentas cadeiras, depois abrindo espaço para as crianças, e em seguida voltam a arrumá-las uma a uma. “Esses jovens transformaram o mal-estar numa oportunidade contínua e em atos de caridade. Sem a esperança que nasce da amizade, teríamos muito medo de olhar a realidade. Nem seria possível uma unidade como aquela que ocorreu entre argentinos, brasileiros... Aquela unidade da América Latina de que tanto se fala”, diz padre Aldo. Ele há vinte anos sonhava com isso. Durante vinte anos pediu-a ao Senhor. Mas essa unidade parecia algo impraticável, embora declamada na letra da canção Somos todos latino-americanos... Ele a esperava, mas não entendia como poderia acontecer, de que modo, por meio de qual caminho. “Agora vejo que a unidade não virá do fato de sermos todos latino-americanos, mas por sermos filhos de um Pai que nos acompanha sempre”. Foi uma semente que cresceu sem que a gente percebesse, que nasceu da amizade com os Zerbini e com padre Julián. Durante um ano, a cada quinze dias, percorríamos duzentos quilômetros para nos reunirmos. “Mas não somos amigos porque nos vemos ou nos reunimos com prazer: nós o somos porque desejamos seguir a Deus, em todos os momentos: seguindo padre Julián Carrón e aplicando o método com o qual ele julga tudo e nos faz crescer”. E o que trazia no coração há vinte anos “está se tornando uma experiência concreta”, por caminhos que ninguém imaginava.

Volta para casa.Padre Aldo retornou ao Paraguai junto com alguns brasileiros que, em vez de voltarem para casa, resolveram segui-lo. Tendo chegado em sua clínica, em Assunção, no espaço de poucos minutos assistiu à morte de dois pacientes. “Não podemos nos esconder da realidade, é inútil. A realidade é o nosso caminho para amadurecer, é uma provocação”. É tudo o que temos. “Sempre acreditei que precisava me purificar, despojar-me de várias coisas, para que Deus me abraçasse; no entanto, Ele se serve de tudo o que há em mim”, lhe disse Francesca, professora argentina, no último dia das férias.
E ele reflete sobre a primeira noite, quando uma das universitárias perguntou aos mais experientes: “O que devemos fazer para ter uma entrega total aos outros e a Cristo”. Todos queriam responder. “Mas padre Julián nos disse: Parem, não devemos dar respostas prontas. Porque essa pergunta precisa ficar aberta, ser repetida todos os dias”.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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