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Passos N.121, Novembro 2010

APROFUNDAMENTOS

Eleições 2010. Aborto, religião e política

por Francisco Borba Ribeiro Neto

O centro de toda a doutrina social católica é a pessoa humana. A sociedade deve se organizar com vistas ao bem da pessoa – de cada uma em especial e de todas em seu conjunto. Uma política voltada ao bem-estar social que não se volte para cada pessoa em particular acabará por se tornar injusta e opressiva para com todos.
Todo ser humano é pessoa, pelo simples fato de existir. Nenhuma condição social ou individual pode se tornar um pré-requisito para que um ser humano seja reconhecido como pessoa. Raça, sexo, status social, instrução, saúde, idade, erros cometidos – nenhum fator pode se tornar uma condição para que a primazia absoluta e os direitos de cada ser humano sejam reconhecidos. Esta conclusão, para os cristãos, nasce do Evangelho: Cristo é o bom pastor que vai em busca da ovelha desgarrada, Deus ama a cada ser humano de modo incondicional... Mas também é a conclusão a que chegou a sociedade ocidental, ao longo de sua história, com a declaração universal dos direitos humanos.
Todo ser humano – assim que se forma – já é uma pessoa humana, com plenos direitos. E um novo ser humano, diferente da mãe, embora dela dependente, se forma assim que óvulo e espermatozoide se en-contram e criam um novo ser, com um genoma novo, metade vindo da mãe e metade do pai. O bebê já antes de nascer tem o direito à vida. Este reconhecimento não é confessional, não nasce da crença cristã, mas da história política do Ocidente e do desenvolvimento das ciências. O problema é que mãe e filho, antes do parto, coabitam num mesmo corpo e o direito de viver da criança pode aparentemente se chocar com o direito da mulher de realizar-se. Desde que esta questão passou a ser colocada de modo político-legal, isto é, através da proposição de leis que não mais proibissem o aborto, a Igreja se mostrou contra esta possibilidade.
Paulo VI e João Paulo II escreveram, sobre o tema, as encíclicas Humanae vitae (1968) e Evangelium vitae (1965). Viram, no debate sobre o aborto, uma questão, mais do que legislativa, cultural: uma inversão de valores, que faz com que o bem passe a ser visto como mal e vice-versa. A morte passa a ser considerada uma solução para a vida, os direitos da criança que nasce como um obstáculo à realização humana da mãe. Por isso, João Paulo II consagrou a expressão “cultura da morte”, referindo-se ao modo de ver o mundo que se difundia através do reconhecimento do aborto como um direito. Pelos enormes perigos que esta inversão de valores traz para todas as dimensões da vida social, a Igreja indica aos fiéis que se oponham a qualquer tentativa de legalização do aborto em seus países – inclusive não apoiando políticos ou partidos que tenham a legalização ou a expansão da prática do aborto em seus programas.
Esta não é uma ingerência da Igreja nos assuntos do Estado. Como qualquer outra instituição, ela tem o dever de instruir e educar seus membros. Sindicatos, partidos, veículos da mídia também propõem dou-trinas à sociedade e as pessoas podem ou não aderir a estes ensinamentos. Além disso, a dimensão ética, que não é moralismo, mas respeito à natureza intrínseca do ser humano, e o respeito à verdade, que deve ser sempre buscada por todos, antecedem a qualquer opinião ou posição político-ideológica e por isso devem ser defendidas por todos, independente da crença. Isto não significa antepor-se à laicidade do Estado, mas se opor a um Estado construído com base na mentira.
Para enfrentar adequadamente a questão do aborto temos que entender qual é o desejo profundo que está no coração (Dom Giussani diria “experiência elementar”) da mãe que quer abortar. O maior desejo da mulher grávida não é se livrar do filho, mas poder se realizar juntamente com ele. A prática do aborto não é um compromisso solidário com ela, mas um descompromisso da sociedade para com seu destino e o de seu filho. Se ela – por pobreza, insegurança afetiva, ter sido vítima de violência, doença, não importa a causa – não se sente capaz de cuidar de seu filho e ser feliz junto dele, a sociedade lhe diz que mate esta criança, ao invés de se comprometer a ajudá-la a vencer as dificuldades!
É preciso uma solidariedade que a ajude a poder realizar seu desejo, acolhê-la em sua gravidez, no seu futuro e no de seu filho. A vitória sobre a cultura da morte não vem de conceitos ou leis, mas sim do amor e da acolhida. A Igreja não condena o aborto a partir de teorias, e sim a partir de suas experiências de solidariedade. Em Comunhão e Libertação, por exemplo, este tem sido o carisma das Famílias para a Acolhida.
Quando os cristãos pensam que a luta contra o aborto parece desumana, é sinal que eles mesmos deixaram de olhar para a beleza, a esperança e a humanidade que brota das experiências de amor da própria Igreja.

Sugestão de leitura:
CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Nota Doutrinal sobre algumas questões relativas à participação e comportamento dos católicos na vida política. Roma, 2002.

 
 

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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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