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Passos N.122, Dezembro 2010

DESTAQUE - O MEETING DO CAIRO

"Vocês iluminaram o Egito"

por Davide Perillo

A confraternização entre os convidados, os voluntários, a cantoria no final da noite. E os encontros, os concertos, as mostras... Um Meeting aos pés das pirâmides. Nos dias 28 e 29 de outubro, um acontecimento pôs em diálogo professores muçulmanos, religiosos católicos, advogados judeus e dezenas de estudantes. Com um fio condutor: o desejo de significado


Três mulheres vestidas no estilo ocidental, mas com o véu na cabeça. Uma ao lado da outra, sentadas algumas cadeiras na minha frente. Devem ter mais ou menos vinte anos, como tantas aqui no salão. Uma delas faz anotações, as outras duas, não. Mas quando Marco Bersanelli, o astrofísico da Universidade de Milão que falou sobre a Via Láctea, cita Leopardi e seu Pastor Errante, tudo acontece em um instante. Duas mãos vasculham as bolsas procurando papel e caneta. Agora, as três escrevem rapidamente. Com os rostos admirados e escancarados de quem não quer perder nada da novidade que tem diante de si. Olho para elas e a pergunta que não sai da cabeça desde o dia anterior, quando me deparei com os sorrisos e a acolhida dos voluntários com camiseta pólo azul que me esperavam no aeroporto como se a minha presença ali fosse um presente para eles, emerge com toda a sua potência. O que está acontecendo? E como isso é possível, aqui?
Aqui é o Meeting do Cairo, no Egito. Tema: “A beleza, espaço de diálogo”. Já contamos a história. A ideia, que nasceu em uma noite de encontro entre padre Ambrogio Pisoni, responsável de CL no Oriente Médio, Wael Farouq, professor universitário no Cairo e presença cativa do Meeting de Rímini, e um grupo de amigos seus que se impressionaram, como ele, com o evento italiano. E se desenvolveu, porque aos poucos aquilo que parecia apenas um encontro para os envolvidos com o trabalho foi se tornando um gesto imponente: os convites, os voluntários, as palestras... Tínhamos falado sobre isso e imaginávamos como seria. Mas o que se viu nestes dois dias de fim de outubro foi feito especialmente para surpreender, para desbancar as previsões. Normalmente, chamamos essas coisas de “eventos”, dando-lhes uma ênfase que quase nunca corresponde à realidade. Aqui, não. É realmente um acontecimento. Algo que vale a pena acompanhar até o fundo. Avaliando tudo, mas sem a pretensão de ter entendido tudo. E sem mudar o caminho, porque naquele percurso há algo de misterioso. Simplesmente para ser reconhecido e, de alguma maneira, obedecido.
Farouq também disse isso, acolhendo os primeiros amigos que vieram de Rímini, alguns convidados, outros para trabalhar nos bastidores do “irmão mais novo” egípcio: “O que eu espero? Não sei quais serão os frutos, mas estou curioso para ver o que vai acontecer aqui”. Curioso, ele e os outros do Comitê de Organização que trabalharam durante semanas em uma garagem (“no início, fazíamos as reuniões em volta de um carro”), mas o grupo foi crescendo pelo boca a boca: o juiz que envelopa os convites, o gerente que relaciona os telefonemas, o procurador legal que relembra sua juventude trabalhando como guia turístico... E amigos, parentes, amigos dos amigos. No fim, os voluntários foram mais de duzentos. Coordenados por Farouq e os outros “três magníficos”, como todos os chamavam no final do Meeting: Hosam Mikawi, juiz (aquele que disse no ano passado em Rímini: “Aqui, eu renasci”), Abdel Heneish, empresário, e Tahani al-Jibaly, sua mulher, vice-presidente da Corte Constitucional e nova presidente da Manifestação Egípcia.

Pilares e tecidos suntuosos. É ela quem faz a palestra principal da primeira noite, na Aula Magna da Universidade do Cairo. Parece um teatro. Pilares, tecidos suntuosos, duas mil poltronas. Mais de cem anos de história e um passado recente importante: foi daqui que Barack Obama, em junho de 2009, lançou seu apelo de diálogo com o Islã. E aqui, vemos Farouq fazer as honras da casa, Tahani falar de “uma promessa que se realiza” e de “Alá que é beleza”, Emilia Guarnieri, presidente do Meeting de Rímini, falar sobre o evento e a amizade com os egípcios. E é na tela ao lado do novo logo, que une a pomba de Rímini e as Pirâmides, que vemos aparecer surpreendentemente, em um documentário, os rostos que fizeram trinta e um anos de nossa história: Dom Giussani e João Paulo II, Madre Teresa e Ionesco, Rose da Uganda e os presos de Pádua... O Meeting, em suma.
Esta não é uma crônica detalhada das palestras, mas vale a pena falar da plateia. Onde se destaca Joseph Weiler, o grande jurista americano (judeu) ao lado de uma comissão de ministros egípcios. Onde Antonios Naguib, patriarca dos coptos católicos de Alexandria que em breve se tornaria cardeal (o Consistório aconteceu no dia 20 de novembro), durante a palestra de Emilia vira-se para padre Ambrogio e diz: “Dá para ver que está comovida”. E onde empresários e jornalistas, túnicas e câmeras de televisão mesclam-se a pessoas comuns, simples. Mil pessoas, talvez mais. Acolhidas por grupos de jovens vestindo camisetas azuis.
São os voluntários. Um espetáculo no espetáculo. Cerca de trinta rapazes italianos, quase todos universitários (muitos estudam árabe, outros vieram para dar uma ajuda), o resto, egípcios. Entre eles estão Giovani, assim como Mary e Sarah, que me esperaram no aeroporto (a primeira é a única que faz parte de CL no Cairo, a outra é muçulmana). E pessoas mais velhas, como Hariri, que trabalha no Tribunal, é primo de Hosam e nosso cicerone enquanto atravessamos o caos do Cairo em uma van. Há uma familiaridade com eles e entre eles que não é possível explicar. Inesperada, porque, à primeira vista, tudo nos afastaria: língua, cultura, hábitos. No entanto, essa familiaridade existe. E gera o rosto do Meeting, parecido com aquele que vi em Rímini durante anos. Também vemos cenas características do Meeting. Os abraços. Os sorrisos. A roda de cantos no final do dia. Mais tudo aquilo que acontecerá depois, do jantar no Consulado Italiano à troca de e-mails.
“Não, nunca se viu uma coisa assim”, confirma Farouq: “Aqui, as pessoas fazem voluntariado, mas apenas por motivos religiosos. Não para eventos como este”. E, no entanto, me vejo no carro com uma dupla de motoristas como Waleed, 28 anos, empregado em uma corretora de seguros, e Serim, seu chefe, de 32 anos que tem uma mulher “com um menino na barriga de cinco meses”, ela também, voluntária. Vale a pena para vocês? “Claro. Estamos interessados em entender o que vocês pensam. E, depois, um evento como este é uma ocasião para mostrar que o Egito não está atrasado. Nós existimos. E somos capazes de fazer coisas bonitas”. Mas basta ir um pouco mais a fundo para chegar à verdadeira descoberta. “Normalmente o trabalho é avaliado com base no dinheiro. Bem, aquilo que nós vemos trabalhando aqui é mais importante que o dinheiro. Esta é a beleza”. Mas por que o Meeting é bonito? “Nós conversamos sobre isso”, responde Waleed: “Encontrando vocês, aprendemos muito. A seriedade no trabalho. A pontualidade. A ordem”. Os voluntários repetem muito isso. “Mas entre eles dizem aquilo que eu também digo a mim mesma”, explica Martina, que fala bem o árabe e esteve entre os faz-tudo italianos do evento: “Aonde mais é possível falar de beleza da maneira como acontece aqui?”. Então, entendo melhor a frase que ela traduziu rapidamente, há pouco: “Sharraftu Masr”, algo como “vocês honraram o Egito, o iluminaram com sua presença”. É uma saudação tradicional, não é nada para nos sentirmos superiores. “Porém, sempre nos repetem isso”.
Segundo dia. A Opera House, na ilha de Zamalek, é o coração do Meeting do Cairo. Quatro encontros (sobre o evento “gêmeo” de Rímini, com Emilia Guarnieri e Tarek Farag, voluntário na última edição; sobre a Via Láctea, com Bersanelli; sobre o coração e o desejo de grandes coisas, com Jean François Thiry e Saeed al Wakeel, da Universidade do Cairo; e sobre o tema do Meeting, com o urbanista Samir Gharib e Ambrogio Pisoni), um fio condutor que padre Ambrogio retoma com clareza (“estamos aqui porque somos homens feridos, comovidos por uma beleza. Uma estranha beleza que não nos deixa tranquilos, uma ordem buscada e reconhecida, uma paixão pelo todo e pelo particular, uma abertura sem confins e sem preconceitos...”). E, ainda, muitos fatos imprevisíveis.

Cinto de segurança. No palco, fazendo as traduções, por exemplo, está Abdel Fattah Hasan. Eu o conheci na noite anterior. Fala italiano fluente. Falou sobre seu passado romano, de quando, como vigário imã da mesquita em Parioli, fez sua primeira pregação depois do 11 de setembro citando o Corão (“quem mata um só homem, mata toda a humanidade”), da paixão por Foscolo e Cavalcanti, da carreira política (é deputado independente no Parlamento). Descobri, depois, que está perto dos Irmãos Muçulmanos, a organização islâmica. No entanto, está ali traduzindo os salmos citados por Bersanelli e padre Ambrogio, que fala de Dom Giussani e da Beleza que “se fez carne e nos lançou esta pergunta: ‘O que vocês estão buscando?’”. “Encontros assim, são um cinto de segurança contra o rancor que assedia o mundo”, diz Hasan. Palavras parecidas com a de padre Claudio, da ordem comboniana do Sagrado Coração de Jesus, que morou aqui durante doze anos antes de voltar a Roma para ser o economista do Instituto, e voltou ao Cairo especialmente para o Meeting: “Como por encanto, caem barreiras que pareciam impossíveis de serem derrubadas”. Ou com as de Irmã Raquel, italiana radicada no Egito desde 1965. Uma pessoa que conhece bem as humilhações e as dificuldades dos cristãos dessa região. “Se partimos das religiões não chegamos a parte alguma”, diz, sorrindo: “Mas se partimos dos homens, sim”.

Uma pergunta estampada. Essa é a clara impressão. É como se a própria idéia do “diálogo entre as religiões” fosse eliminada, para deixar espaço à realidade: homens que dialogam de verdade, exatamente porque são religiosos, isto é, apaixonados pelo coração, pelo desejo de significado. Pela beleza. Como aquele senhor distinto que permanecerá anônimo e, em uma pausa, começa uma discussão com Emilia. O inglês é ruim, mas é possível entender. “A senhora falou sobre certezas e luta contra o relativismo. Pode me explicar melhor?” Ela explica. Ele concorda. E solta uma frase do tipo: “Entendi. Qualquer coisa que seja obstáculo à imaginação do homem deve ser combatida...”. A seu modo, parece Dom Giussani e a “categoria da possibilidade”, aquela que tem a razão aberta ao Mistério. Evidenciou outra frase que já ouvi antes, de um amigo egípcio: “Estamos olhando as coisas com os mesmos olhos de vocês”.
O concerto final é a apoteose. Algo que une e que distingue. Trio Schubert e música clássica, dentro dos muros da Cidadela de Saladino. Todos atentos escutando o belo (Brahms, Paganini, Dvòrak), muitos prontos a reconhecer que esta é apenas parente da música tocada na noite anterior pelo grupo Sama’a. Coros e polifonia oriental misturados com melodias “nossas”. Bonitas também, mas diferentes. Sem aquela nota de melancolia que ecoa no Segundo Movimento do Trio de Schubert, apresentado como “uma das peças mais amadas por Dom Giussani”. É aí que se percebe quanto este nome foi citado constantemente nestes dias. Dentro e fora do palco. Nas palestras em italiano ou em árabe. Percebe-se como Dom Giussani está vivo. Presente. Mais que nunca.
Saímos acompanhando com o olhar o estranho trio que voltará para o hotel a pé, o que, de algum modo, é um símbolo (Andrea Simoncini, constitucionalista italiano e católico, e o muçulmano Farouq acompanhado pelo judeu Weiler: é shabbat, e ele não usa carro), e nasce de repente a pergunta que leremos em todos os lugares na manhã seguinte, enquanto nos encaminhamos para o aeroporto. Estampada no rosto das pessoas. Ou incluída no e-mail que Farouq enviará a Marco Aluigi, responsável pelos encontros do Meeting, que há alguns anos veio ao Cairo encontrá-lo junto com padre Ambrogio e voltou a Rímini dizendo aos colegas, simplesmente: “Nos tornamos amigos!”. “O vírus do amor nos invadiu”, escreve Farouq: “Nos veremos em breve. É preciso que os voluntários se deparem com o espírito do Meeting”. Claro, se encontrarem novamente. E rápido. E o que vai acontecer agora? Como vai continuar aquilo que começou aqui? E a amizade entre aqueles jovens, a vida de Mary, os laços com o pessoal de Alexandria? Que impacto este Meeting terá sobre a vida pública e sobre a Igreja?
Penso. Imagino. Sigo com a mente os primeiros efeitos visíveis, como o e-mail de Ahmed Hady, astrofísico da Universidade do Cairo, que diz que “quer organizar um encontro em Luxor, talvez em março”, ou a poesia que Karim, um dos voluntários, entrega para padre Ambrogio (uma brincadeira, em rima, que fala dos amigos italianos que torcem para o Inter e quando se fala de Champions dizem “Yes we can”, mas termina dizendo: “Encontrei pessoas que me fizeram sentir como um deles sem dizer uma palavra”). Já estou um passo adiante, em suma. E, graças a Deus, percebo rapidamente que já estou com um pé fora da estrada. Continuará como começou. Basta olhar e seguir. “Lembra dos jogos da Semana dos Enigmas?”, brinca Aluigi, mas não muito: “Una os pontos com os números e no fim surgirá um desenho”. Aqui, os pontos são muitos, colocados nos lugares mais imprevistos da página. E o desenho ainda é um esboço. Mas a assinatura, esta sim, pode-se ler muito bem. E não é nossa.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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