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Passos N.122, Dezembro 2010

CULTURA - EXPOSIÇÃO

A divina arte que ultrapassa o tempo

por Luciana Akemi

As riquezas de Minas chegam a São Paulo nas obras de Aleijadinho. Peças inéditas disponibilizadas por um colecionador podem ser vistas no Museu de Arte Sacra

Na região norte de São Paulo, próximo ao metrô e ao lado de um fluxo constante de ruidosos veículos circulando na avenida Tiradentes, há um longo muro branco e um portão verde que escondem o Museu de Arte Sacra de São Paulo. Construído em 1774 para ser o Convento da Luz; este é o único edifício colonial na cidade que é feito de taipa de pilão, técnica que utiliza argila e cascalho para sustentar paredes e muros.
Um museu, um mosteiro. Ambos em uma mesma construção datada do século XVIII. O mesmo período em que o Barroco brasileiro se tornou ímpar pelas formas graciosas entalhadas em madeira policromada e em pedra-sabão por Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. Por isso, nada mais adequado para o local do que abrigar a exposição “Aleijadinho: Arte e Fé Brasileira – Ofício Divino”, pertencente ao colecionador Renato de Almeida Whitaker.
Um ofício divino que deixou no anonimato por quase dois séculos a autoria de 51 esculturas exibidas na mostra e que recentemente foram atribuídas a Aleijadinho. Afinal, quando elas foram esculpidas “não era bem visto as pessoas assinarem as obras [sacras], pois naquela época era considerada uma dádiva divina e não um trabalho de inspiração humana”, explica Thomás Levy, consultor de comunicação do Museu de Arte Sacra. Por isso, não há certeza absoluta de quantas e quais esculturas Aleijadinho fez em vida (1730-1814). Mas, ainda que os autores não assinassem suas obras, propositalmente eles desenvolviam algumas marcas registradas para demarcar a autoria.
Partindo disto, especialistas analisam alguns sinais marcantes das peças deste escultor, sejam as mãos e pés desproporcionais em relação ao restante do corpo, principalmente os dedões, os olhos levemente achinesados, a barba dividida, os cabelos em forma de colchete. Traços que são visíveis e perceptíveis em todas as suas estátuas, das primeiras e menores como a Nossa Senhora da Conceição em seus 7cm, que possui dois anjos a seus pés, às últimas e maiores, como quatro réplicas do conjunto dos 12 Profetas dispostas no jardim do museu e cujos originais permanecem na cidade de Congonhas do Campo, em Minas Gerais.

Um artista barroco. Foi no estado mineiro que Aleijadinho nasceu e aprendeu com seu pai, o arquiteto português Manuel Francisco Lisboa, e com seu padrinho, o entalhador Antônio Francisco Pombal, os dois ofícios. Observador, também foi influenciado por alguns artistas mais experientes de seu tempo, como Francisco Xavier de Brito, e pelo movimento artístico que chegava da Europa: o Barroco, cuja estética valorizava a assimetria, o excesso, a expressividade e a irregularidade. Onde o dualismo se fundia: amor e sofrimento, resignação e desconforto. Para Thomás “o grande segredo [do Barroco] é congelar o movimento do momento em uma posição desconfortável, forçada, afastando-o do estilo clássico”. Um exemplo disto é a estátua de Nossa Senhora das Dores que tem sete punhais cravejados em seu peito, as mãos deslocadas do centro, os pés contorcidos no sentido oposto e o olhar de dor e resignação que acompanha os passos dos visitantes na entrada da mostra.
Alguns passos a mais e a iluminação natural se vai. Em uma sala fechada, o jogo de luz e sombra completa o estilo barroco da exposição; as imagens são parcamente iluminadas para que as pessoas compreendam como elas eram expostas nos altares das igrejas e das casas. Uma sensação estranha. Um silêncio quebrado apenas por passos. Alguns monitores na espera para esclarecer qualquer dúvida. De repente, um canto gregoriano é ouvido dentro do recinto, enquanto se fica paralisado observando cada detalhe das estátuas. Como se fossemos deslocados a outro tempo, onde as estátuas de roca eram vestidas para procissões, ou as pessoas escondiam ouro e pedras preciosas em esculturas de santos (santos do pau oco) para driblarem a cobrança de impostos pela coroa portuguesa sobre todos os metais preciosos explorados no Brasil.
Um Brasil colonial que vivia o apogeu da mineração, fazendo Minas Gerais se tornar um importante centro de exploração, o que também refletia sobre a economia, a sociedade e a cultura da região. Nesta época, foram construídas diversas igrejas ricamente adornadas com ouro e pedrarias. Contudo, a beleza dos trabalhos de Aleijadinho está além das riquezas materiais. Como um mineiro que garimpa o terreno atrás da joia preciosa, o escultor se preocupava com as feições, a posição das imagens, a história que gostaria de transmitir, pois as cores viriam de um outro artista. Afinal, Aleijadinho não pintava suas obras.
Nas cinco fases de seu trabalho, ele foi apurando seus traços e em apenas uma se preocupou com uma ornamentação pomposa; um dos raros materiais é a imagem de Nossa Senhora da Conceição que tem flores vermelhas pintadas colorindo seu vestido e as bordas do manto são de renda banhada em ouro. Mas não é ali que se encontra a riqueza, e sim, no olhar carinhoso transmitido pela santa a todos que ela parece observar.
Aleijadinho tinha uma visão maior do mundo, como se mostra nas duas imagens de Cristo crucificado. Numa, Jesus tem seus músculos tensos, o rosto marcado e tenta se manter ereto na cruz, apesar da dor em seu corpo; na outra, o corpo de Jesus está relaxado e sem vida, mas possui uma expressão serena de quem ascendeu ao céu. Foi por esta suavidade na composição da beleza e da tristeza impregnadas em suas obras, que ele se tornou conhecido e requisitado por toda a província e, assim, teve suas esculturas espalhadas por diversas cidades mineiras.
Desta forma, apenas o ato de olhar talvez não seja suficiente para compreender seu trabalho. Para o escritor modernista Mário de Andrade, o artista apresentou duas fases distintas: a primeira saudável, caracterizada pela serenidade e clareza, e a segunda, enfermo, em que surge um sentimento gótico e expressionista.
As duas enfermidades que tivera o marcaram fisicamente e lhe renderam o apelido pejorativo Aleijadinho, uma delas foi a porfiria (doença que causa fotofobia e pode provocar bolhas quando o indivíduo se expõe ao sol) e a hanseníase (também conhecida por lepra). Há quem diga que ele perdeu alguns dedos devido a estas doenças e, mesmo assim, ele pedia a seus assistentes para prenderem as ferramentas às suas mãos. Isso demonstra a superação de limites em busca da perfeição de sua arte e que as debilidades de seu corpo não foram empecilho para seu dom.

Exposição:Aleijadinho; Arte e Fé Brasileira – Ofício Divino
De 16 de outubro de 2010 a 16 de janeiro de 2011.

Local:Museu de Arte Sacra,
Av. Tiradentes, 676
Tel.: (11) 3326-3336/5393

Horário de funcionamento: de terça a domingo das 11 às 19 hs


Entrada:
R$6,00
Meia-entrada para estudantes
Entrada gratuita para menores de 7 anos e maiores de 60
Estacionamento gratuito na Rua Jorge Miranda, 43

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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