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Passos N.124, Março 2011

DESTAQUE - TESTEMUNHO

A aposta na ingenuidade

“O terrorismo não é o problema mais preocupante.” Dom Giorgio Lingua explica o que realmente ofusca a fé. E o que urge: “A conversão”

“U ma ingenuidade consciente.” Há dois meses, o Papa lhe confiou uma difícil missão (Núncio Apostólico no Iraque e na Jordânia) e ele diz que quer ser “ingênuo”. Soa estranho, mas é perfeito. Encontramos o arcebispo Giorgio Lingua em Amman que retornava de Bagdá. Ele entrou na igreja de Dois Santos, onde ocorreu a chacina, e permaneceu imóvel diante do altar crivado de balas. “Mas a coisa que mais me impressionou foi encontrar os sobreviventes do atentado, que ficaram presos naquele inferno por quatro horas.” Ficou perturbado, não só pelo que lhe contaram, mas pelo modo como o contaram. “Não manifestavam ódio. Aquelas pessoas têm uma razão a mais.”

Excelência, por que o senhor quer ser “ingênuo”?
Para encontrar o outro e ver o bem que há nele. E sempre há. Quero confiar naquelas pessoas que encontro. Se não fizer assim, me deixo condicionar pelos preconceitos, corro o risco de não captar as razões do outro. Sobretudo no Iraque, percebi muita desconfiança, muitas suspeitas: é isso que dificulta os relacionamentos, novos e velhos. Por isso, quero apostar na humanidade de cada um.

O que o senhor entende por humanidade?
Antes de sermos cristãos, muçulmanos ou outra coisa, temos uma fraternidade essencial: a imagem do Criador impressa nas profundezas de nós próprios. Independentemente do espelho no qual a olhamos. Eu sinto que preciso apostar nessa imagem. Porque em todos, mesmo no terrorista, ela está presente. Pode estar escondida pela poeira ou sepultada por uma montanha de barro, mas está lá. E eu acredito nisso.

O que isso significa na experiência?
Quando damos o primeiro passo, alguma coisa pode acontecer, uma relação pode nascer. Dissolve-se a indiferença.

O que o senhor viu na comunidade cristã de Bagdá?
Gente que “espera contra toda esperança”. Quando tudo levaria à resignação, alguém age sem fazer muito cálculo e sem se perder atrás dos “se” e dos “mas”. Aposta – de novo na esperança e na fé – que algo acontecerá. Fiquei impressionado, por exemplo, com o trabalho que faz a Cáritas com as crianças deficientes e suas famílias, em sua maioria muçulmanas: são o testemunho de que a convivência inter-religiosa é possível se partirmos das exigências do outro.

O que o senhor sente como urgência frente ao que acontece no Oriente Médio?
Depois de dois meses nestas terras, tive a nítida impressão de que os perigos externos, o terrorismo, as discriminações, as ameaças... vêm “depois”. De um certo ponto de vista, são menos preocupantes do que os problemas internos dos cristãos: os juízos, as suspeitas, a falta de caridade. Os primeiros, ainda que penosos e inaceitáveis, não nos impedem de ser cristãos. Ao passo que os últimos são mais graves, porque ofuscam a nossa identidade. Por isso, a coisa mais urgente é purificar o coração.

Numa recente homilia, o senhor falou da urgência da conversão: “Que os nossos corações sejam tocados”.
Jesus não veio para nos libertar dos males, mas para remover a raiz de todos os males: o nosso pecado. Não prometeu resolver os nossos problemas, mas determinou que nos amássemos. Essa é a prioridade, se quisermos salvar o cristianismo autêntico e não apenas as nossas tradições. Ao nos defendermos das perseguições (e certamente temos esse direito), não devemos nos esquecer de que mais alarmante ainda é o que afeta negativamente a nossa fé.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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