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Passos N.125, Abril 2011

UNIVERSITÁRIOS / PETRÓPOLIS

Milagres que salvam vidas

por Carolina Oliveira
A faixa que Vinícius preparou após a tragédia.<br> Foto de Cássia  Souto.
A faixa que Vinícius preparou após a tragédia.
Foto de Cássia Souto.

Trechos de um dos depoimentos que marcou profundamente os voluntários. Vinícius perdeu a mãe e um sobrinho, mas salvou a vida de muitas outras pessoas

Vinícius tem 24 anos, é casado e tem duas filhas. À época da tragédia, sua esposa estava grávida da segunda filha, já de nove meses. Ele foi acordado pela esposa que estava assustada pelo temporal que caía. A princípio, ele achou que seria uma chuva que apenas alagaria sua casa e até chegou a colocar alguns móveis para o alto. Porém, começou a se dar conta de que a água estava subindo rápido demais. “Veio pro meu lado um folheto de Padre Pio, ajoelhei na água e pedi que parasse a chuva. Não passava pela minha cabeça que seria uma coisa desse tamanho. Ouvi um estrondo absurdo e a luz apagou”.
Assustado, olhou pela janela e viu as coisas da casa da sogra boiando na porta dele e ouviu gritos dos parentes. Chegando lá, viu que o sogro estava desesperado, pois a esposa estava embaixo de escombros. Tirou a sogra dos escombros e levou-os juntamente com sua mulher e filha para um lugar que lhe parecia mais seguro. “Já não se via mais nada e não conseguia conversar porque o barulho era ensurdecedor, parecia que estávamos em um liquidificador”.
Foi quando um vizinho veio para casa dele todo ferido e ele foi tentar achar a mulher e o filho dele. Quando estava nos escombros da casa vizinha, deu um grande relâmpago viu que a casa da mãe também estava prejudicada. “Foi aí que eu tive noção do que estava acontecendo na minha frente. “Eu vi que a parede da casa da minha mãe tinha caído. Nessa hora, parti para lá e comecei a chamar o pessoal na casa da minha mãe e da minha irmã. Eu ouvi a voz da minha sobrinha dizendo que minha mãe e meu sobrinho, João Pedro, estavam no quarto. Mas eu não imaginei que eles estavam embaixo dos escombros, a realidade não estava tão madura assim na minha cabeça”.
Depois percebeu que já não existia mais quarto e sim, escombros. “Comecei a tentar salvar minha mãe. Tirei os blocos da parede que tinha caído de cima, mas me dei conta de que a água vinha subindo demais. Eu ajoelhei e rezei por eles”. Saiu de lá e tirou uma tia de 70 anos debaixo de uma parede que havia lhe quebrado a perna.
Voltou para casa onde estava a esposa e tirou-a de lá. Voltou para a casa da mãe e conseguiu abrir um espaço no forro da casa para retirar as pessoas, já que não havia mais como entrar pela porta, porque ela estava tomada de entulho. “Eu passei a minha vida inteira sendo o protegido da casa, pois era o caçula. Mas eu estava ouvindo da boca do meu pai que não íamos conseguir sair de lá, isso ia me machucando muito por dentro. Mas meu pai foi o primeiro que eu tirei. Minha irmã estava desesperada, pois não sabia do filho, nem da nossa mãe. Eu fui até duro com ela nesse momento, mas acho que eu precisava ser. Disse que os dois estavam embaixo dos escombros. Ela, chorando, me perguntava o que fazer, e eu, de novo naquela posição de ter de cuidar de quem sempre me protegeu disse: pula e atravessa. Ela pulou eu fiquei vigiando ela”.
Ele ficou na casa onde estavam, com dois sobrinhos e os tios idosos. “O resto do pessoal não tinha como, não tinha como atravessar com eles, porque são enormes. Eu estava com uma dor muito grande, porque não tinha falado pra eles que minha mãe estava ali embaixo. Imagina todos idosos, hipertensos... No meio daquela escuridão daquele barulho, isso era a única coisa que eu ouvia, aquele choro, aquele lamento do coração dele chorando, pelo irmão, pela avó. Uma coisa que eu via todo momento rezando”.
Ao amanhecer, conseguiram sair de lá e ir para um lugar mais seguro. Ele, porém, continuava com a dor pela mãe nos escombros. “Encontramos uma casa onde nos deram roupas limpas e secas. Pedi ao dono da casa uma enxada para ver se conseguia tirar meu sobrinho e minha mãe. A lama quando a gente puxava, vinha e tomava conta de novo. Foi o único momento em que eu me dei o direito de chorar. Chorei muito com o meu pai. Então falei para ele: vamos levantar e seguir, vamos cuidar de quem ficou”.
Com muita dificuldade, conseguiram chegar à igreja do Divino, onde estão morando até hoje. “Com minha mulher grávida de nove meses, minha filha, meu pai, tios e sobrinhos – levamos minha tia que quebrou a perna em um carrinho de mão – seguimos para a igreja. O caminho estava tão difícil que, normalmente faríamos em 30 minutos, mas levamos quatro horas”.
A generosidade das pessoas logo que chegaram à igreja os fez sentir acolhidos. “Chegando lá tinha muita lama e as pessoas em volta levaram alimentos, roupas. Foi formando um jeito de nos ajudar. A gente ali, naquela segurança. Independente das coisas que tinham acontecido, nós já tínhamos sido acolhidos”.
E a visita dos jovens de CL nos dias do carnaval renovou nele a esperança. “O trabalho que vocês estão fazendo é um trabalho que nos fortalece muito para continuar, é uma coisa simples, mas não é pelo trabalho, é pela presença de vocês. Porque nos foram tirados muitos bens materiais, ou pessoas da família. Mas, principalmente, nos foi tirada também a dignidade, nós estávamos literalmente na lama. Essa presença de vocês é importante por isso, a presença da igreja é importante por isso. Acho que todo acolhimento, com todas as pessoas, me senti gente de novo quando participei da missa. Quando a missa se fez, o sacrifício de Jesus se fez na nossa frente novamente. Eu voltei até para casa. Porque podia faltar tudo, mas não podia faltar a missa pra gente”.

 
 

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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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