A amizade e a estima por Dom Giussani. As audiências concedidas aos universitários de CL. E “aquele mesmo modo de ver as coisas” que incomodava a alguns... Eis como nasceu (e cresceu) a ligação entre o Papa e o Movimento
A eleição de Karol Wojtyla como Papa representou um fato que incidiu profundamente na vida de Comunhão e Libertação.
Até a metade da década de 1970, importantes personalidades da Igreja dedicavam ao Movimento atenção e respeito. Alguns, porém, se opunham a ele. Durante os últimos anos do seu pontificado, Paulo VI, através da ação de monsenhor Benelli, começou a prestar atenção à ação do Movimento, chegando a convidá-lo para o Domingo de Ramos na Praça São Pedro, em 1975. Com a eleição de João Paulo II, CL repentinamente se viu no centro da atenção do Papa e, por isso, no centro da Igreja.
Encontros com o Papa. Poucos meses depois daquele outubro de 1978, em janeiro do ano seguinte, Giussani foi recebido em audiência. Seguiram-se vários encontros do Papa com os membros de CL de Roma e de outras cidades, que culminaram nas grandes audiências concedidas ao CLU em março de 1979 e a todo o Movimento em setembro de 1984. Nesse meio de tempo, em 1982, o Papa visitou o Meeting de Rímini. Uma proximidade que impressionou e quase assustou muitos homens e alguns prelados. Alguns até trabalharam para que esse “abraço” entre o Papa e CL fosse dissolvido, criando um pouco de distância entre ambos.
Como explicar tudo isso? Por que esse Papa, que veio de longe, se mostrou logo tão interessado pelo Movimento, ao ponto de dizer de si mesmo, em público: “Tenho o vosso mesmo jeito de ver as coisas”? Estas palavras foram pronunciadas no início de 1980, durante um encontro com alguns universitários. Nasciam do reconhecimento de uma sintonia profunda, de uma conaturalidade entre Dom Giussani e o Papa polonês, que tinha as suas raízes na convicção de que a fé em Jesus Cristo é o centro da existência, que O seguir é uma graça, uma alegria, uma vitória, o caminho para a plenitude do humano. Giussani e Wojtyla reconheciam-se homens de uma Igreja não fechada nas sacristias, não invejosa do mundo, mas feliz pelo dom recebido e consciente de que esse dom é o que os homens procuram e esperam.
Os dois grandes sacerdotes se conheceram na Polônia, pouco tempo antes da eleição do Bispo de Cracóvia como sucessor de Pedro. O Papa tinha, então, uma ideia pelo menos geral do Movimento. Mas através daqueles primeiros encontros ficou impressionado, sem dúvida alguma, com certos aspectos que caracterizavam a vida de CL. Era um Movimento composto, antes de tudo, por jovens; que sabia, pois, falar às novas gerações, atrai-las, convencê-las, justamente num momento em que rios caudalosos de jovens do seu país saíam da Igreja para se lançar no mar revoltoso do marxismo ou da indiferença. Wojtyla ficou impressionado com a pessoa de Dom Giussani, com a radicalidade, com a universalidade do seu carisma, com a sua capacidade de falar do homem com os homens, atingindo as profundezas últimas da expectativa humana, sem cancelar nada das manifestações vitais das pessoas.
A primeira encíclica de Karol Wojtyla intitulou-se Redemptor hominis. Para Giussani, bem como para o Papa, os focos do universo são Cristo e o homem. Se o homem levar a sério a si próprio, encontrará a sinalização do caminho para Cristo. Ao mesmo tempo, só Cristo revela o homem para o próprio homem, como havia dito o Concílio Vaticano II.
O ângulo de visão com que Wojtyla e Giussani olhavam a Igreja e a humanidade era o mesmo. Ambos eram animados por uma fortíssima paixão missionária, estavam conscientes de que tinham sido chamados por Deus para uma reforma da vida da Igreja. Estavam convictos de que essa reforma não se daria através de um retorno ao passado, nem de um confiança exagerada no progresso, mas de uma redescoberta da experiência cristã. Giussani e Wojtyla dedicaram grande atenção à existência, às dinâmicas profundas da vida do homem, nas quais podemos ler os traços do que Deus semeou no coração das pessoas. Ambos concebiam o cristianismo como evento que acontece aqui e agora, como disse o Papa na audiência dos trinta anos de CL.
Uma redescoberta positiva do cristianismo, enquanto acontecimento luminoso e fascinante, capaz de encher todas as facetas da vida do homem, sem nenhum integralismo e sem nenhuma nostalgia do passado. Sem bloqueios por causa do problema da modernidade, mas olhando em frente para a novidade que veem crescer diante dos seus olhos.
O homem no centro. Wojtyla e Giussani colocaram o homem no centro das suas atenções. Já não o mundo, como era nas preocupações teológicas e eclesiais da década de 1960. Falaram a cada homem, com a consciência de que a Encarnação é o acontecimento central da história de todo o universo.
Nem tudo era igual, obviamente, nessas duas pessoas. Suas histórias pessoais eram profundamente diferentes. Inclusive certas ênfases estão presentes de maneira diferente, em cada um deles. Por exemplo: Wojtyla falou muito do amor entre o homem e a mulher, da família, do corpo. São temas que não estão formalmente no centro da preocupação de Giussani. Ele os tematiza falando da educação da afetividade. Ambos, porém, estão animados pelo desejo de que a Igreja não se feche num clericalismo estéril: querem abrir os espaços da Igreja para o universo todo. Estão interessados nos temas do homem: o trabalho, o amor, a vocação. Estão profundamente convencidos de que são portadores de uma mensagem, de uma experiência verdadeira, para cada homem do mundo: a mais alta, a mais humanística, a única verdadeiramente capaz de levar o homem à sua plenitude. Ambos falam do cristianismo como vitória da racionalidade da fé.
Nos últimos dez anos da sua vida, chamada misteriosamente a se encerrar quase que em sincronia, reaparece entre Giussani e Wojtyla uma profunda sintonia de experiências, marcada também por interessante intercâmbio epistolar. Ambos vivem a doença – a mesma doença – sem lamentos, sem revolta. Paradoxal conclusão de duas vidas inteiramente dedicadas à palavra, às viagens, aos encontros, a uma atividade que parecia não conhecer descanso.
Identidade entre humanidade e fé: essa perfeita definição do carisma de Giussani é também a primeira impressão que tive de João Paulo II em sua aparição como Papa. Tal como Wojtyla, Giussani ultrapassava todos os esquemas, parecia novo e diferente nas várias etapas da vida; como Wojtyla, estava profundamente interessado em todos os aspectos do humano, sobretudo na conversa, no encontro com as pessoas.
O que ambos criaram pode ser definido, tanto para um como para o outro, como um movimento. Visível e compacto o que nasceu de Giussani, com nome, centro e estatuto próprios, mas sempre destinado a reconhecer no carisma do homem a fonte da sua atualidade. O de Wojtyla era um movimento mundial, nascido sobretudo de suas viagens, e em particular das Jornadas Mundiais da Juventude, mais difícil de identificar, percorrido por mil correntes diferentes, mas sempre vivo, ao ponto de ainda hoje – seis anos após a sua morte – um mar de pessoas irem a Roma para rezar, ainda que por um breve momento, em seu túmulo.
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