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Passos N.126, Maio 2011

ATUALIDADE - LÍBIA

De onde vem a PAZ?

por Paolo Perego

Uma escalada imprevisível. Os protestos do povo líbio e a repressão do regime. Os ataques anglo-franceses para defender os civis. “No entanto, ainda havia espaço para o diálogo.” Palavras de quem permaneceu no país, enfrentando tudo “para dar esperança ao povo”. E que agora pede que deem ouvidos aos apelos do Papa, para que desponte “um horizonte de concórdia”

“Aquele é o Tornado?” A criança no braço do pai olha excitada. “Sim, veja as bombas debaixo das asas”, grita o pai. Trapani, aeroporto militar. Um vídeo na internet mostra um pai, domingo à tarde, levando o filho para ver os aviões de guerra decolarem. O barulho dos motores. A corrida na pista e o caça se levanta; em poucos segundos se transforma num pontinho no céu. Fim do vídeo. Talvez o pai tenha explicado ao filho que aqueles aviões levam a paz, junto com os mísseis. Quinze minutos depois o Tornado voará sobre Trípoli. E talvez outra criança também o verá no céu da capital líbia. Depois, uma explosão em algum ponto da cidade.
É assim a guerra. Para alguns, é uma insurreição; para outros, uma guerra civil, ou uma guerra humanitária. Mas é uma guerra. Em Trípoli caem as bombas da coalizão da ONU. Em Misurata disparam os canhões dos tanques de Kadafi. Em Sirte e Ajdabiya falam as metralhadoras dos rebeldes, montadas sobre picapes. Guerra é igual a mortos, desabrigados, dor. Muito se tem dito sobre como se chegou a isso; talvez já disseram tudo. Análises, pontos da situação, diários de guerra, discursos, comentários. Os interesses franceses, ingleses, o petróleo, as pressões italianas para o diálogo, a hesitação americana antes do ataque. Os bombardeios dos Eurofighter e Rafale equilibraram as forças no campo de batalha, recolocando o desordenado exército de voluntários rebeldes em condição de competir com o exército do governo, agora já desprovido de carros e aviação. Assim, enquanto escrevemos, a guerra continua, dando tempo aos países da coalizão para discutirem sobre quem e como deve levar adiante a coisa. Tradução: sobre como se dividirá o bolo depois que o líder líbio cair.
“Kadafi não tem intenção de ficar, e não ficará mesmo”, diz convencido Dom Giovanni Innocenzo Martinelli, vigário apostólico de Trípoli. A situação precipitou-se de vez com os bombardeios, afirma o bispo. “Mas aqui estávamos procurando mediar, trabalhávamos numa solução diplomática. Deveriam nos apoiar, no entanto...” “Nós, europeus, somos vítimas de uma forte presunção”, adverte o cardeal Angelo Scola numa entrevista ao site Ilsussidiario.net: “Achamos que sabemos avaliar e resolver os problemas sem levar em conta o testemunho dos que vivem nessas situações”. É preciso prestar atenção aos testemunhos. Fazer força para ouvi-los, porque sob as bombas torna-se difícil falar e ouvir, entender por que alguém decide ficar e o que o motiva nessa escolha.
É assim para o Padre Massimiliano Taroni, por exemplo, da Ordem dos Frades Menores franciscanos. Colaborador, na Itália, dos vicariatos de Trípoli e Bengasi, precisava ir à Líbia na Quaresma, mas a guerra o impediu de viajar. “Nestes dias, não consigo contatar ninguém em Cirenaica: o bispo, Dom Sylvester Magro, e as freiras italianas que trabalham nos hospitais. Os telefones estão mudos.” Pensa naqueles que permaneceram, não só em Bengasi, mas também em Trípoli. Praticamente toda a comunidade dos religiosos católicos do país. “Uma decisão tomada sem hesitações: querem ser um ponto de referência e um sinal de esperança para os cristãos e para a população.” Os cristãos são cerca de 100 mil, num total de 5 milhões de habitantes. Na maioria são asiáticos, filipinos e vietnamitas. Mas há também árabes, jordanianos e palestinos. E também as comunidades de língua inglesa e os franceses. “A liberdade, para eles, sempre esteve garantida. Tínhamos até permissão para ir aos campos de refugiados e às prisões líbias, todas as quartas-feiras, para rezar com os crentes. A nossa é uma missão constante e discreta, construída sobre quatro pilares: presença, encontro, diálogo e serviço. Está tudo aí.”

Todos fogem. Em Trípoli, pelo contrário, há outro colaborador de Dom Martinelli, Padre Sandro De Pretis. “Todos estão fugindo da guerra, das bombas. Nós continuamos com as missas às sextas, sábados e domingos, ainda que pouquíssimos tenham ficado. O grosso do nosso trabalho, agora, é a caridade, porque somos os únicos a quem os migrantes podem pedir socorro. As agências e as embaixadas estão todas fechadas. Procuramos ajudar sobretudo mulheres e crianças, mas nestes dias estamos literalmente cercados. Uma manhã, não conseguimos abrir as portas da igreja porque eram milhares de pessoas querendo entrar. Somos poucos e com pouca ajuda, mas nem pensamos em ir embora. Quem pode, foge, mas os eritreus, os etíopes ou os congoleses que fugiram de seus países, para onde iriam? Precisam de remédios, de comida ou de dinheiro para pagar o aluguel. Essa gente foi confiada a mim, e eu dou testemunho da esperança permanecendo aqui.”
A Caritas também atua em Trípoli, com o diretor padre Allan Arcebuche, e nos países vizinhos: na Tunísia, nos campos de refugiados; no Egito, onde falta comida para os desabrigados; e no Sul, em Níger, onde muitos migrantes conseguiram atravessar o deserto.

A oração do Papa. Enquanto isso, a cerca de trinta quilômetros da capital, também prossegue em sua missão a pequena comunidade das Missionárias da Caridade, as irmãs de Madre Teresa. Há anos elas ajudam os migrantes, em geral recuperando os náufragos de “viagens da esperança” fracassadas e sepultando os corpos que as ondas jogam na praia. Não querem falar ao telefone, porque são pessoas que “quando conversam conosco encostam na parede, pela humildade que têm”. E nem pensam em ir embora, explica Silvia, que as conhece bem, pois ela esteve na Líbia durante anos com a família, por causa do trabalho do marido, e agora voltou à Itália.
Parte daí a paz. “Ela é construída cada dia, dentro da realidade”, acrescenta Scola. “Peço a Deus que um horizonte de paz e de concórdia surja o mais rapidamente possível para a Líbia e para toda a região norte-africana” – são palavras de Bento XVI, no Angelus de 20 de março; e, na semana seguinte, apelou “aos organismos internacionais e a todos os que têm responsabilidades políticas e militares para que viabilizem imediatamente o diálogo, capaz de suspender o emprego das armas”.
Possibilidades existem. Quem o diz são pessoas que vivem lá todos os dias. Um esforço que utilize todos os meios “para apoiar inclusive o menor sinal de abertura”, pediu ainda o Papa. E não é o pacifismo “arco-íris” que tantas vezes vimos desfilar nas praças. Lembrou bem disso Antonio Socci, num artigo publicado no jornal Libero dia 26 de março, sublinhando uma passagem do último livro do Pontífice, Jesus de Nazaré: “Em nome do humanismo, em nome de nobres ideais ou da causa humanitária se pode justificar a violência. Mas é igualmente arbitrário e – afirma o Papa – não serve ao humanismo. E sim à desumanidade”.
Pois os Tornados, no fundo, levam mísseis, não a paz.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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