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Passos N.127, Junho 2011

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A história

A janela de David

O vento bate forte no casaco de Benedetta. A moça italiana para e o ajeita melhor. Está em Lisboa há quase um mês, mas é sempre uma surpresa esse ar úmido que sopra do oceano desalinhando as coisas e as pessoas, revestindo-as de uma luz nova. Talvez porque seja um vento que não cansa ou aborrece, pelo contrário, torna tudo mais nítido. Enquanto volta a caminhar, pensa nos dias passados em Portugal, nesse lugar maravilhoso onde “a terra termina e começa o mar”, como escreveu Luis Vaz de Camões. Mas, sobretudo, lhe vem em mente os rostos dos novos amigos: os jovens universitários de CL, os professores e as crianças do Colégio de São Tomás. Quem diria que uma tese sobre Ciências da Formação Primária em Matisse poderia ser ocasião para uma experiência tão bonita? Realmente, a realidade é imprevisível.

Com esses pensamentos, entra no Colégio e se dirige à sala de aula onde os alunos a esperam. Hoje será uma aula importante: as “janelas” de Matisse que se abrem para oceanos e montanhas, paisagens belíssimas. O objetivo é que através da observação dos quadros do pintor francês as crianças entendam a ideia de infinito. Faz parte de seu projeto, mesmo que para as crianças pequenas esse projeto possa parecer complicado e abstrato...
A certo ponto, Benedetta tira de uma pequena caixa algumas molduras de papelão e diz: “Agora é com vocês. Estas são as suas ‘janelas’. Desenhem dentro delas o que é o infinito para cada um. O seu infinito. Da maneira como vocês o imaginam”. Todas as cabeças se inclinam, as mãos pegam lápis, tinta, cola.
Depois de uns dez minutos, Benedetta chama: “David, venha. Deixe-me ver como está ficando seu trabalho”. Sabe que o menino não é muito bom em desenho, mas também sabe que ficar sentado na cadeira perto dela o ajuda a se concentrar. David se aproxima e entrega sua “janela”. Benedetta olha: vê esboçada a figura de um menino. Nada demais. “Sinto muito, mas parece que você não entendeu qual era a tarefa. Pense bem naquilo que dissemos e vimos antes. Depois, apague e recomece”. O menino parece não entender, mas, resignado, volta para o seu lugar em silêncio.

Poucos segundos, e Benedetta tem um pensamento: “Meu Deus, vai ver que...”. Chama o menino outra vez: “David, quem é aquele menino?”. E ele responde: “Eu, eu mesmo”. E ela pergunta: “Por que desenhou você mesmo na janela?”. David responde: “Porque minha mãe diz que eu sou grande, que eu sou a maior coisa que Deus poderia criar. Não foi o que você acabou de nos explicar sobre o infinito?”. Benedetta admite: “É verdade. Você tem razão”. Ela lhe dá um beijo na testa e pede para que ele volte para o seu lugar e termine o trabalho.
Foi preciso um menino para fazê-la entender que ela era grande. O fruto maior que Deus poderia criar: maior do que as montanhas, do que as estrelas, do que o oceano.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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