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Passos N.128, Julho 2011

DESTAQUE - UNIVERSITÁRIOS

A doação de si

por Giovanna Ottoni

Em Ribeirão Preto, a estudante Giovanna encontra-se com
pacientes em recuperação. A partir desses encontros, muitas coisas novas estão acontecendo

“O que nos importa é a realidade! Se uma coisa não é real, o que ela nos importa?”, dizia Dom Giussani. Eu comecei a me dar conta da profundidade destas palavras quando aceitei o convite do Movimento para viver a caritativa. Tenho ido toda semana visitar uma casa de apoio a pacientes que fizeram transplante de medula óssea. Lembro que no início não era muito fácil estar diante do sofrimento deles, da imensa dor que têm. Era evidente em alguns casos uma revolta, uma perda do gosto da vida, um desânimo e tristeza que pareciam calar a força da minha presença lá. Sentia como o tempo se arrastava para eles, pesado, sem grandes perspectivas, pois não podem receber contato, não podem fazer esforço, não podem comer qualquer coisa, não podem tomar sol e a maioria não encontra o que fazer no tempo livre. A casa que os recebe é simples, é preciso dividir quarto com outros pacientes, muitos precisam ir ao hospital todos os dias, uma ou duas vezes. Enfim, era isso que me aparecia aos olhos logo que cheguei e não pude evitar o reconhecimento imediato do meu nada: quando eu ia embora eu saía sentindo latejar uma dor como se estivesse passando tudo com eles e, de fato, eu estava, porque não tinha nada ali que me fosse indiferente, que não tocasse o horizonte último da minha razão, que não fizesse vir à tona aquelas perguntas radicais sobre o sentido da vida, sobre a nossa existência, sobre a densidade do aqui e agora (hic et nunc).
Continuei indo lá porque era muito nítido o Mistério diante dos meus olhos, e eu percebi que aquela experiência fazia da minha vida um pedido. Eu pensava muito neles, quando acordava com frio à noite, quando estava na aula, quando almoçava: permanecia um desejo profundo e intenso de estar junto com eles. Foi assim que comecei a ir sempre, a sair de bicicleta no intervalo das aulas e ir até lá segurar com força a mão deles perguntando como estavam. Então eu não estava mais ali como voluntária, éramos amigos, tinha brotado daquele gesto uma amizade doce que parecia trazer àquele horizonte sombrio e fechado pela tristeza, uma esperança alegre e concreta. Ligavam perguntando por que não tinha ido lá, pediam que eu fosse vê-los um pouco: o meu nada tinha se tornado uma presença real, um sinal vivo de que a vida não era a simples e dura aparência. Em um jantar, uma mãe vinha me pedir insistentemente na frente da filha: “Giovanna, ela não quer comer, fala que ela precisa comer.” E quando olhava os olhos dela, uma jovem de 17 anos que tinha acabado de sair do hospital, percebia um brilho de vida ofuscado por uma tristeza calada. Ela chorou ali na minha frente, me olhava com uma intensidade que eu não consigo esquecer: enquanto sua mãe continuava insistindo, era como se afirmássemos juntas naquele silêncio e naquele olhar uma esperança infinita, uma certeza de algo além. Perguntei depois as coisas que ela ainda sentia vontade e podia comer, prometi trazer no dia seguinte. Foi um dia excepcional: saí da aula e fui ao supermercado de bicicleta. No caminho já tinha visto que uma grande tempestade estava vindo, mas achei que daria tempo. Pedalar naquela chuva gelada com um vento assustador que derrubou tantas árvores foi a maior loucura que já fiz na vida (também a certeza de um milagre!): tudo para chegar antes que ela fosse para o hospital. Quando cheguei encharcada e abri a porta, ela me viu e permaneceu um instante em silêncio chocada, até dizer: ”Eu não acredito”. Eu sentia a minha vida toda para um outro, um amor tão grande pulsando. Eles me fizeram almoçar e ficaram todos em volta de mim enquanto eu comia. Que Mistério é esse que fazia o meu nada tudo? Por isso Dom Giussani diz: “A caridade é a lei da existência.” Esse dom de si é o sentido de cada instante. De fato, era preciso que eu confiasse nessa experiência que me foi proposta, é indispensável, tendo-o encontrado, entender as razões de cada afirmação que constitui o nosso carisma. Digo a mim: devo todos os dias verificar a razoabilidade da fé, a positividade da realidade que Giussani afirmou com a própria vida! É preciso que eu faça da Escola de Comunidade uma meditação cotidiana, que seja a fonte dos meus juízos. É este convite que deve chegar até mim todos os dias como provocação no impacto com o real, como inquietude. Este fato cristão, este Acontecimento que me alcança enquanto Igreja, como história, esta unidade é esta experiência vivida na comunidade que torna nosso eu consciente de si, em qualquer circunstância. É esta fé, esta certeza impressa no meu rosto no mundo, que gera toda a afeição pela vida, pelos relacionamentos, pelo estudo, pela pesquisa. Esta autoconsciência é a fonte pela qual a razão genuína do homem se exprime: esteja ele sozinho (como muitas vezes estou) ou em companhia, porque é o Mistério que Se fez e Se faz Comunhão: este é o nosso grito de liberdade!

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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