Nove meses viajando pela Itália para se encontrar com centenas de estudantes. Eles falaram, foram ouvidos, olho no olho. Agora o autor de um romance que conquistou tantos adolescentes (e pessoas de todas as idades) nos conta o que viu, por intermédio de uma carta escrita a um amigo inesperado: Giacomo Leopardi
Quero lhe contar, Giacomo, o que pude ver nestes meses durante os encontros com centenas de jovens que leram o meu romance [Branca como leite, vermelha como sangue; ed. Mondadori, Itália, 2010]. Atravessei a península italiana, de Trieste a Marsala, e observei o olhar desses jovens, nas escolas, teatros, cinemas, bibliotecas. Olhei bem nos olhos deles, prescindindo de suas ligações geográficas, sociais, culturais. Eram jovens do ensino médio... Olho no olho, ouvi suas perguntas, e gostaria de contar-lhe o que vi dentro deles e o que ouvi a respeito da vida deles.
Por que conto a você? Porque você é meu amigo e muitas vezes, durante esses encontros, vieram à minha mente palavras do seu Zibaldone, palavras de quase dois séculos atrás, e, no entanto, muito semelhantes ao que vi e ouvi. Eles o chamaram de pessimista, e você era um dos poucos que, no século das certezas ditadas pelo mito do progresso, entendeu que havia pouca coisa a comemorar. Quem mete o dedo na ferida de uma cultura é tachado, em seu tempo, de agourento, e de pessimista pela geração seguinte, ao passo que você era impiedosamente realista:
Embora extinto no mundo o grande e o belo, não se extinguiu em nós a inclinação. Arrancou-se de nós a possibilidade de ter, é impossível extinguir em nós o desejar. Não se apagou nos jovens o ardor que os leva a correr atrás da vida e a desdenhar a nulidade e a monotonia... O ardor juvenil,... esta matéria tão natural e inextinguível que se tornou estranha e nociva à máquina, circula e serpenteia e devora silenciosamente como um fogo elétrico, que não se pode controlar nem usar bem, nem impedir que desemboque em temporais e terremotos.
Talvez não tenha mudado muito. A adolescência, segundo o sentir dos próprios jovens a quem pedi que a definissem, é energia que quer ser canalizada para a vida, para construir a vida. A adolescência é a vida que busca a si mesma para ter um nome, e o faz criando. Eis a primeira coisa que vi nesses jovens: uma força criativa que era despertada quando entrava em contato com palavras empunhadas como espadas para falar da sua dor ou da sua alegria, para fugir da nulidade e da monotonia.
Essa energia, esse fogo elétrico, como você a chama, eu a toquei com as mãos. Um jovem me disse: “Quando acabei de ler seu livro, um fogo se acendeu dentro de mim, e eu dizia para mim mesmo: quero viver assim. Agora o senhor precisa me explicar como foi que isso aconteceu”. Adolescência é esse fogo que nada mais quer se não queimar e arder de paixão e de paixões, na idade feita para arder e queimar, às vezes até se queimar todo. Vi esse fogo flamejar nos olhos deles. É o fogo da vida. Pode se transformar em destruição e autodestruição, mas não pode ser extinto, e se parece extinguir-se, perder a força, devorado pelo cinismo, pela falta de esperança, de futuro, depois se reanima sob formas destrutivas: explosivas ou implosivas, temporais e terremotos você as chama: dependências, violência, suicídios.
Perguntei-me qual é a tonalidade comum na sinfonia de perguntas de jovens tão diferentes. Sabe qual é? O medo. O medo de não conseguir, o medo de que tudo só tenda a piorar, o medo de não realizar os próprios sonhos, o medo da solidão e da incomunicabilidade, o medo de que o amor não seja para sempre, o medo de que a dor e a morte tenham a última palavra, o medo de que Deus não exista, o medo de que não responda. Perguntei-me de onde vem esse medo, e você me respondeu:
A suma felicidade possível ao homem neste mundo é quando ele vive quietamente em seu estado com uma esperança repousada e certa de um futuro muito melhor... Esse divino estado eu o experimentei quando tinha 16-17 anos, durante alguns meses intercalados, quando estava quietamente ocupado com os estudos, sem outras preocupações, e com a certa e tranquila esperança de um felicíssimo porvir. E não o experimentarei nunca mais, porque essa tal esperança, a única que pode deixar o homem feliz com o presente, não pode acontecer a não ser num jovem com essa idade.
Eis porque eles têm tanto medo, porque não conseguem viver seus 16-17 anos. Vivem imersos numa cultura sem esperança. Só quem tem futuro, só quem tem fome dele, assimila o presente e o transforma em vida. Isso também eu vi neles, o cinismo de quem, na idade feita para devorar a vida – inclusive com uma certa dose de inconsciência e ilusões de que a vida se redimensionará –, se sente esmagado e amedrontado. Vi jovens entediados, cansados, corroídos pela monotonia, enferrujados, com os olhos esmaecidos, quase velhos. Não era maioria, mas estavam lá. Todavia, bastava pouco para reavivar aquele fogo oculto entre as cinzas: as brasas, na verdade, ainda estavam vivas, bastava remover a cinza sufocante do medo e do tédio. Bastava citar as palavras de um poeta, de um escritor, em suma, aqueles estudos tranquilos de que também você se nutriu, descobrindo que o espírito é que dá consistência às esperanças, porque é mais forte quem se apega ao invisível do que quem se agarra ao perceptível, porque este é efêmero e aquele é permanente. Não o invisível das ilusões, mas o invisível do que é possível: o invisível da estátua quando ainda é apenas uma ideia, da árvore na semente, do homem no embrião. O homem, além de ser é sobretudo tornar-se, um tornar-se que se conquista usando a própria liberdade: a adolescência é futuro, mais do que qualquer outra etapa.
Eu lhe falei de energia e de medo, de fogo e de cinzas, mas certamente você quer saber o que eles me perguntaram. Perguntaram-me como se faz para viver, como se faz para sonhar, como se faz para amar, como se faz para encontrar Deus, como se faz para encontrar o próprio caminho, como se faz para não sucumbir à dor. Assim descobri, pelas perguntas deles, que os adolescentes de hoje não têm perguntas: eles são perguntas. Como as crianças pequenas com seus insistentes “por quê?”, também o adolescente volta a formular os “por quê?”, mas num plano diferente: a criança pergunta por que existem as estrelas; o adolescente pergunta como se chega a elas.
Como Karol. Por que me faziam perguntas? Não só porque eu escrevi um livro que fala de amor, dor, morte, sentido da vida, mas porque eu estava ali com eles, passando (perdendo) o tempo com eles, num espaço comum. Sempre me fascinou o exemplo do beato Karol Wojtyla, que andava de canoa com os jovens, quando era sacerdote e, depois, como bispo: há uma foto sua que olho com frequência, na qual, sorridente, ele faz a barba e calça um par de tênis, que hoje voltaram à moda... Nessas ocasiões ouvia os desejos deles, suas dificuldades em relação a namoro, sexo, amor... Assim nasceu sua teologia do corpo, sua teologia sobre o casamento, ouvindo os problemas reais, compartilhando espaço e tempo, no espaço e tempo dos jovens. Nesta época se fala tanto de adolescentes, mas se fala muito pouco com os adolescentes. Falar com um adolescente não é tagarelar coisas ou dialogar. Falar com um adolescente é ouvir, ouvir a sua vida em terrenos não abertamente conflitivos.
O diálogo é necessário, mas não basta. O que ajuda é a comunicação verdadeira. Num jogo de palavras, comunicação é “comum ação”: é preciso compartilhar espaço e tempo com os jovens. Um pai de família me agradece pelo livro. Não pelo livro em si, mas pelo fato de tê-lo lido depois da filha, que havia sublinhado algumas linhas e acrescentado comentários nas margens. Esse pai descobriu coisas a respeito de sua filha que ele não sabia e não via.
Não conquista a confiança dos jovens quem a busca a todo custo, repetindo receitas talvez já ultrapassadas ou macaqueando a adolescência deles, mas quem participa da sua vida, mesmo sabendo manter a justa distância. Só quem tem vocação provoca vocações, dizia Natalia Ginzburg: só se eu souber o que estou fazendo no mundo é que posso colocar um adolescente em crise positiva. Se eu me comportar como um adolescente tardio, eu o prejudico: ele pensará que se tornar adulto é desejar voltar atrás ou ter raiva de algo que não se tem mais. Causa espanto certos jovens que não saem de casa; mas como fazê-los sair de casa se não sabem o que estão fazendo aqui na Terra?
Essa geração de adolescentes é melhor do que a anterior, mas tem um ponto fraco. É melhor porque é mais rápida, entra em contato com muito mais coisas em menos tempo, conhece mais coisas do que a minha geração, mas ao mesmo tempo não tem critérios de decodificação das mensagens, não sabe por onde pegar o mundo, a partir de qual centro de gravidade se observa a realidade: veste a realidade sempre ao contrário, como uma camiseta na qual não se distingue o lado certo e o avesso, o externo e o interno. Demos a eles tudo; de fato, têm menos fome de vida, mas não demos a eles uma razão para vivê-la.
Dor e sede. Parecem apáticos e saciados, porque confundimos felicidade com bem-estar, sonhos com consumo. Isso gera neles tédio e insatisfação, numa idade feita para o heroísmo e não para o prazer; mas a maioria sente muito forte a dor por algo que perdeu. Essa dor será a salvação deles, se decidirem não deixá-la prosperar como um câncer. Porque aprofunda a sede, as perguntas, mas que, às vezes, ficam inexpressessivas, porque não ouvidas pelos adultos, e não por maldade, mas porque os adultos não têm respostas para dar, antes de tudo, a si mesmos.
Ouvi uma vez um colega, meu crítico, dizer: “Na escola, é minha obrigação semear dúvidas, não certezas”. O resultado é uma geração frequentemente perdida num deserto de tédio, à caça de um oásis de sentido, às vezes engaiolada em miragens emocionais. Mas na escola a alternativa não é entre dúvidas e certezas, mas entre liberdade e escravidão. Não se trata de semear certezas, mas de encorajar o uso da liberdade, para buscar a verdade, o belo, o bom, as três coisas que tornam uma vida apaixonada e apaixonante.
“Por que está acontecendo tudo isso?”, me perguntou uma moça cuja mãe estava doente, com um tumor. “Como é que descobrimos um sonho para a vida?”, perguntou um jovem corroído pelo tédio. “O que preciso fazer para voltar a me apaixonar?”, me perguntou em particular uma jovem, atormentada por uma violência sofrida e jamais contada a ninguém, nem aos seus familiares. “Como empenhar os meus melhores recursos num mundo em que prevalece o mais esperto e o mais despudorado?”, perguntou um rapaz desiludido.
“Como suportar o fato de não ser tão bonita quanto gostaria?”
“O amor para sempre é só uma ilusão ou é algo possível?”, questiona uma jovem cujos pais se odeiam.
“O que fazer para crer em Deus?” É a pergunta de muita gente jovem, não só em escolas católicas...
Ordem simbólica. Os pais, em geral, ficam arrasados porque – como acontece também comigo – não têm respostas para muitas dessas perguntas, mas o resultado é a própria pergunta. O segredo é que os jovens saibam que não precisam carregar sozinhos o peso e comecem a fazer juntos com outros a viagem que levará às respostas.
A família, hoje, com frequência está reduzida a uma família afetiva e superprotetora, isto é, lugar de afetos privados e não também lugar de cultura, abertura e decodificação do mundo, lugar em que a pessoa é amada não só pelo que é, mas também onde ela deveria ser desafiada a se tornar aquilo que é: aceitar a própria existência como dom e missão, defeitos e méritos incluídos.
O que falta a esses jovens é uma ordem simbólica na qual possam inserir a própria vida: a ordem criada pelas histórias de testemunhas (por que os pais não contam a sua história de amor aos filhos?), a ordem simbólica ausente numa cultura que não sabe mais falar de amor, morte, dor, Deus, mas os expõe como espetáculo ou os oculta, não oferecendo, portanto – não digo respostas –, mas instrumentos que ajudem a enfrentar o peso da vida de todos os dias: luzes e sombras. Não existem mais narrativas nas quais se inserem a própria história, são só fragmentos e mensagens fragmentadas. Nenhum alfabeto ou instrumento para decodificá-los. Nenhuma história pessoal, por falta de aderência ao destino próprio e alheio. Falta o fio com o qual Ariadne salva Teseu do labirinto. Nós estamos no labirinto, sem fio, sem história.
Você também, Giacomo, responde às minhas perguntas – as mesmas desses jovens que ainda têm a coragem de fazê-las – num pensamento de 16 de outubro de 1820: afirma que o jovem tem paixões e desejos “ardentes e indigentes, não só pela idade, mas também materialmente, por não ter ainda com que se alimentar e se plenificar... O seu futuro é materialmente longuíssimo, e a imensidão do espaço vazio que resta para percorrer é assustador”.
Os medos – seus e meus – nada mais são que dragões vigiando os nossos tesouros mais preciosos, a pérola mais bela. Você sabia disso, você que, depois de uma linha em branco, na qual me agrada imaginar você questionado por um céu noturno – como aquele do teu pastor errante –, e retornar aos seus papéis para escrever:
Sua diversão era passear contando as estrelas.
Interrogar as estrelas. Farei isso, Giacomo, com esses jovens: direi a eles que há folhas em branco que precisam ser preenchidas e céus escuros que precisam ser contemplados, que há estrelas a interrogar, lembrarei a eles que têm um grande destino dentro do qual precisam desenhar a própria vida, tentarei ajudá-los a gerar a vida, porque não tenho medo de viver, ainda que a vida muitas vezes me faça tremer.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón