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Passos N.130, Setembro 2011

Rubricas

Cartas

EM CADA DETALHE, UMA NOVA CRIATURA
Tenho 55 anos e há uns 30 anos que busco um envolvimento efetivo com Cristo e a Igreja. Isto me levou, inclusive, a viver por seis anos, com minha esposa e os três filhos, como missionário de uma comunidade católica carismática. A experiência se concluiu com um final amargo e tive que voltar ao mercado de trabalho. Desde então preferi procurar um engajamento tipicamente leigo. Há quatro anos esta procura me levou a conhecer CL. Aos poucos foi se formando um interessante envolvimento. Nos Exercícios da Fraternidade deste ano fui novamente surpreendido pelo Carrón. A cada palestra ficava mais evidente que ele falava sobre as dificuldades que a minha humanidade enfrenta. Fiquei admirado de ver alguém mais empenhado com as minhas necessidades do que eu mesmo. Carrón olha com mais seriedade para o meu drama do que eu. Como este espanhol que nunca me viu, fala de mim melhor que eu mesmo? Lembro da samaritana que testemunhava sobre Cristo: “Ele me disse tudo o que eu fiz”. Quem conhece o homem assim? Creio que Deus demonstra que nos ama e se preocupa conosco por meio do Carrón. Esta correspondência renovou meu empenho com a Escola de Comunidade que propunha o desafio de me observar em ação. Estar atento resultou num grande incômodo com minha postura e comportamento ao lidar com as coisas. Comecei a me perceber hipócrita. “Quem está em Cristo é uma nova criatura”. Estar em Cristo é estar na verdade. Nasceu uma urgência de autenticidade e seriedade para comigo. No trabalho, passei a indicar fatos que ficavam esquecidos e a expressar mais minha percepção das coisas. Isto gerou um desconforto geral e uma polêmica envolvendo até meu diretor. Fiquei surpreso com tamanha repercussão. Uma jovem testemunhou na Escola de Comunidade que experimentou a mesma coisa no seu círculo social quando passou a ser mais exata e manifesta na sua postura de vida. Ela enfrentou polêmicas, gente incomodada e até afastamentos. Entendi que devo ser mais cuidadoso ao me expressar, de modo a deixar claro que meu juízo sobre os fatos não é uma cobrança a ninguém. Apenas quero ser o que sou, sem panos quentes, sem acomodação, sem hipocrisia. Não me serve uma paz que me detém antes da chegada. Ainda no calor das polêmicas suscitadas, fui para as férias em Angra dos Reis. A viagem de ida foi terrível, mas enfrentamos os contratempos na esportiva, pois o único desejo era descobrir o que o Mistério havia reservado. Em Angra vimos os sinais inconfundíveis da Presença. Espero nunca esquecer a imagem das escunas avançando no rastro da luz do sol pelo mar cor de esmeralda carregando um povo repleto de letícia. Como propusera Bracco na saída: o barco é sinal da igreja. Esta mesma alegria de estar juntos nesta luz reuniu no fim do dia seguinte todas as idades para, de mãos dadas, dançar ciranda. São experiências que atestam a vitalidade do carisma e conferem autoridade aos que nele se adiantam. As conversas com os amigos Pedro e Miriam levaram a um encontro singular com Franco e Grazia. A conversa foi entremeada de pausas silenciosas cheias de uma presença comovente que ainda nos falava. O luminoso diálogo com esse casal ainda teve o reforço da partilha, após o almoço, com Benê e Ivone. Bonito conhecer de perto a vida destes casais tão marcados pelo carisma e olhar para eles como verdadeiras autoridades. Saí destes encontros fortalecido na convicção de que minha liberdade está antes em como o real me transforma do que como transformo o real. Na circunstância presente estão os dedos de Deus que me plasmam no Cristo. No cotidiano, em cada pequeno detalhe, aí se joga meu destino. Sinto que fiquei livre dos meus projetos e sonhos. Não deixo de sonhar, mas os sonhos não me dominam mais. Basta o que me é dado agora. Nisto que tenho hoje está todo o amor de Deus. Por tudo isso, sei que a nova criatura é alguém que ama muito mais a vida que tem. Como é melhor assim do que amar uma ilusão, uma vida que não se tem. Tudo isto que recolhi é início para um caminho. Não sei como tudo vai acontecer. Os dias dirão. Um a um, cada qual com seu cuidado. Se eu permitir a obra de Deus em mim e ele me transformar, o que mais pode acontecer? Que bom o gosto de que é bela a estrada. Exercícios, encontros, passeios, danças, conversas, família, trabalho: em tudo o sabor d’Ele.
Sergio, Campinas (SP)

O QUE DESCOBRI EM UM ANO DE GRATUIDADE
Caro padre Julián, este ano trabalhei pela primeira vez na Associação Portofranco, que promove aulas de reforço escolar. Primeiro dia, primeiro aluno, Luca, aula de latim. No final da aula, ele me perguntou por que eu, casada, com filhos e um trabalho, dava meu tempo gratuitamente por ele e outros meninos desconhecidos. Disse a mim mesma: “O que eu digo a ele agora? Bem que Cristo poderia esperar mais uma hora para me fazer dar as razões daquilo que faço!”. Gaguejei uma resposta tão boba que nem eu acreditei nela. Os meses se passaram, e, enquanto isso, continuei dando aulas em um colégio. O ano terminou com uma dor: três dias antes do fim das aulas, Chiara, uma aluna minha do terceiro ano, morreu de um tumor no cérebro. Os últimos dias na escola foram marcados pela dor de todos, em muitos, cheia de raiva e revolta. Percebi que eu me sentia incomodada com esse sentimento geral, porque havia algo estranho: parecia que entre nós, adultos, havia uma espécie de competição para mostrar quem sofria mais, chorava mais... Todo o incômodo explodiu dentro de mim diante da realidade que se impunha: uma classe de adolescentes de 14 anos, que parecia ter reagido de maneira estranha àquela morte tão difícil de entender: silêncio, rostos inexpressivos, e as risadas de sempre. Quinta-feira, na última aula, me perguntaram com delicadeza, se era verdade que a classe deles não poderia festejar o final do ano escolar. Perguntei o porquê, e eles me disseram que uma professora afirmou, quase com raiva, que não organizariam nada para o dia seguinte “porque não há nada para festejar”. Eu os acalmei, pedi que fossem discretos para não ofender o sentimento dos outros e disse para trazerem alguma coisa para fazermos uma comemoração no horário da minha aula. Chegou sexta-feira, e a notícia de que minha turma tinha trazido doces correu misteriosamente pela escola. Alguns colegas ficaram tão enfurecidos que eu os ouvia gritar na porta da minha sala, outros não me cumprimentavam quando passavam por mim. Eu tranquilizei os meninos e pela primeira vez conversamos sobre o que aconteceu naqueles dias e sobre o que pensaram. Atrás de suas risadas dos dias anteriores, não havia superficialidade: tinham uma mágoa que não conseguiam exprimir. Percebi que estávamos nos esquecendo deles. Estávamos todos fechados em nossa dor, mas eles continuavam ali, vivos. Tínhamos interpretado o silêncio deles como frieza, mas dentro de sua alegria borbulhavam perguntas que não sabiam exprimir. Senti-me tomada pelo Mistério, que me pedia para estar ali, entre eles, com simplicidade. Chiara estava morta, mas os meninos não, e pediam para ser acompanhados, pediam para ver que em meu rosto, mesmo dentro dessa circunstância de dor, havia a alegria, havia uma esperança. Depois que a última campainha soou, vieram me procurar: lançavam para mim aviõezinhos de papel (lembraram da cena do filme A voz do coração) onde escreveram o seu “obrigado”. Nunca recebi um presente tão bonito. No dia seguinte, todos estavam no funeral, até aqueles que não tinham passado de ano. De repente, entendi que só quem tem uma esperança, educa. Lembrei-me daquela primeira aula na Portofranco, da pergunta de Luca e da minha resposta vazia. Hoje, saberia o que lhe dizer: dei o meu tempo porque tenho uma grande esperança.
Grazia, Como (Itália)

O JUÍZO QUE LIBERTA
Diante dos fatos relatados nas cartas da revista Passos do mês de junho, parei, surpresa comigo mesma, e comecei a escrever sobre mim, a me fazer perguntas. De onde vem a tristeza que atinge o meu coração? E a fé, por que perco o juízo achando que estou só e que tudo está perdido nos momentos de fraqueza e diante das dificuldades do dia a dia? Se eu tenho Alguém que pode me ajudar, por que fico fraca, me entrego e não sinto vontade de fazer nada? Concernente às experiências vividas, pude me deparar com tantas coisas que meus olhos não veem. Acontecimentos de irmãos e sentimentos parecidos e ainda com aquela vontade de desistir, mas quando estou prestes a cometer a falha, chega Alguém e me puxa trazendo-me de volta e me mostrando que, se eu desistir, estarei desistindo d’Ele que me salvou quando mais precisei. Este ano, senti muita vontade de ir às férias dos universitários em Angra dos Reis (RJ) e visitar amigos que me acolheram e deixaram marcas com seus gestos de confiança e humildade, mas infelizmente não pude estar presente. Só em saber que outros foram por mim, estou feliz, ainda mais aqueles que nunca viveram um momento tão especial que eu já vivi, e posso sorrir, pois fiquei aqui e os acompanhei com a Revista Passos e o livreto com os exercícios e meditações de Julián Carrón, junto com amigos que também não puderam ir. Não pudemos ir, mas queríamos muito, e esse desejo nos tomou conta desde quando soubemos do encontro. A maioria ficou aqui em Manaus, mas ficamos unidos cada vez mais e não desistindo do desejo de que ano que vem estaremos nas férias. Então, por que ficar triste? Se eu olho ao meu redor e não enxergo Cristo, não estou servindo para nada porque não encontrei Aquele que me tirou do fundo do poço; mas se o Vejo na face dos meus amigos e olho novamente e sinto que estou cercada de amor e que Cristo me abraça e me faz erguer a cabeça e passar por cima das tristezas, sou feliz, porque tenho tudo!
Erlane, Manaus (AM)

UM CAMINHO DENTRODO COTIDIANO
Saí dos Exercícios da Fraternidade deste ano com uma grande tristeza e me perguntava: por que tamanha tristeza? Esta tristeza me fazia perceber como os relacionamentos que me são mais caros (esposo, filhos, pai, amigos) me deixavam com um gosto de falta de algo. Não existia um problema, mas não me sentia feliz. Vinha de um tempo (2 anos) fazendo um pedido que se intensificou após o retiro. Desejava me ver como Deus me vê e a este pedido se acrescentou outro: que eu pudesse perceber o amor de Deus no cotidiano. Carrón diz: “Por que em muitas ocasiões sentimos uma resistência tão visceral a deixar-nos atrair por Ele?” Indo às férias dos colegiais, o tema era: “Mestre onde moras? Vinde e vede”, uma palestra de padre Eugenio Nembrini que todos deveriam ler. A proposta de trabalho foi a pergunta: “Como Deus me olha?”. Pensei: “Nossa, até aqui não tenho férias, então terei três dias para responder a esta pergunta”. Sempre que vou às férias dos colegiais fico responsável pelos cuidados da saúde e esta foi a oportunidade de estar com alguns meninos que espontaneamente vieram pedir para dar a eles remédio no horário certo, pois naquela agitação não se lembrariam de tomar. Para quem veio me pedir um curativo porque ia subir a montanha de chinelo, provoquei verificar com as meninas se alguém poderia lhe emprestar um tênis. Percebi que o simples (dar remédio, procurar tênis... que cotidianidade para uma mãe) era para que eu olhasse a necessidade da pessoa que estava à minha frente com o grande desejo de felicidade e justiça. Quando na assembleia o Ricardo falou sobre a tristeza que ele vivia, eu disse para mim: é isto que vivo. Quando algo é verdadeiro e fala ao coração do homem faz-se silêncio, como naquele momento. Mesmo entre as dificuldades dos adultos, alguém dizia: “Que bonito! Vocês discutem porque desejam a unidade”. Que “santa briga”, brigar desejosos da unidade. Como falou padre Cássio: “Eles me fazem novo”. O que aprendi com esta pergunta “como Deus me vê”? Ele me vê como filha e me dá um irmão de caminho (Cristo) que se faz presentes nestes meninos necessitados de cuidado, de uma mão para subir a montanha, de Alguém que os olhe. É a mesma necessidade que tenho e na qual sou respondida toda vez que peço. Esta é a mesma experiência que me cativou na universidade fazendo caritativa com o Cesar, o Alexandre e a Cida, quando conheci o Movimento.
Bete, Valinhos (SP)

SAUDADE APÓS A PEREGRINAÇÃO A FÁTIMA
Caro padre Carrón, voltei há pouco tempo, junto com meu marido, de uma peregrinação a Lisboa, Fátima e Santiago, com um grupo de pessoas que nós não conhecíamos. O que vivi nesses dias foi uma Graça enorme. A guia nos fez ver como a sua vida estava a serviço de Nossa Senhora, e, com seu testemunho de fé, isso nos permitiu experimentar uma comunhão imprevisível, inimaginável, dado que vínhamos de cidades diferentes. O olhar que trocávamos entre nós era o olhar que Ele dirigia a nós. Foi-nos doada uma paternidade que mexeu com o nosso “eu” e nos tornou conscientes da nossa humanidade, salva em Cristo. A experiência que vivíamos correspondia ao que o nosso coração desejava. De estranhos nos tornamos amigos, encontrando-nos em nossa humanidade e compartilhando o dia-a-dia com admiração e nos tornando atentos uns com os outros. Voltando à minha realidade cotidiana, me descubro plena de uma saudade, o que me deixa perturbada e inquieta. Lendo a primeira meditação do livrinho dos Exercícios da Fraternidade, entendo que essa saudade é a sua Presença, que deve se tornar exigência d’Ele, através da oração. Agradeço ao Senhor e a Nossa Senhora de Fátima que me fizeram perceber a grandeza do meu desejo e que me fizeram tocar a sua Presença na carnalidade da companhia cristã, na Igreja.
Donatella, Verona(Itália)

COMO ELE NOS VÊ
Para mim as férias dos colegiais começaram muito antes. Quando os universitários foram para Petrópolis, no carnaval, eu fui junto e foi uma grande experiência. Desde lá recebi convites para começar a participar dos universitários, mas sentia que deveria ficar com os colegiais durante este meu último ano de colégio para receber os novos como fui recebida cinco anos atrás pelos mais velhos. Quando cheguei em Petrópolis com os colegiais me dei conta que conhecia poucas pessoas, mas ao passar dos dias percebi que era por isto que estava lá: para receber e amar aqueles que tinham pouca ou até nenhuma experiência como a dos colegiais. Vejo agora que durante a caminhada, se não houvesse os amigos se ajudando, muitos não teriam chegado, ou, se na visita ao Vale do Cuiabá, esses mesmos amigos não estivessem lá para dar suporte, muitos teriam desmoronado frente ao que viam e escutavam. Esse suporte, essa mão amiga que nos é estendida, é a do próprio Cristo e são nestas atitudes que podemos ver como Ele nos vê, mesmo dentro de nossa pequenez.
Mariana, Campinas (SP)

A “CAIXA” DA JORNADA A SER PREENCHIDA
Caríssimo Carrón, tive que ser hospitalizada para me recuperar de uma ameaça de parto prematuro. Os dias no hospital demoravam para passar. Comecei, finalmente, a ler o livrinho dos Exercícios da Fraternidade e retomei o livrinho das Horas, pelo menos desse jeito eu tinha um pouco de companhia. Um dia, enquanto eu olhava as andorinhas pela janela, fiquei pensando o quanto eram longas as horas no hospital e o quanto elas estavam me entediando; mas qual era a diferença entre minha postura no hospital e no trabalho? Nenhuma. A diferença era que os compromissos diários enchiam a caixa da minha jornada, e, assim, as horas simplesmente passavam mais depressa. E eu? Agora no hospital a caixa “jornada” foi esvaziada dos mil compromissos. E eu? Eu me reconheci anestesiada ao observar as andorinhas e a não esperar nada das minhas jornadas. Meu marido, nessa mesma noite, veio me visitar e eu estava lhe contando que estava um pouco ansiosa por causa do nosso filhinho e ele, olhando para fora da janela, disse que “estamos sempre à espera de alguém que vai chegar”. Essa frase, apesar de ouvida mil vezes, me tocou. Entendi que meu eu precisava ficar atento na espera, uma espera que devia estar cheia, não de compromissos, mas de Alguém que chega e chega por minha causa. Agora entendo o primeiro ponto dos Exercícios da Fraternidade: o poder não age levando-nos a fazer o mal, age anestesiando o nosso eu. Agora estou em casa, ainda em repouso forçado. Leio a Escola de Comunidade e tenho dificuldade para entender, mas a leio e releio. As minhas jornadas ainda estão vazias de compromissos, o despertar é lento, mas a expectativa aumenta e eu estou crescendo.
Chiara, Verona (Itália)

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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