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Passos N.56, Novembro 2004

50 anos de CL / Educação

3) Educação
para a crítica

Sempre em luta contra os maus mestres

por Maurizio Crippa

O jornalista italiano Pierluigi Battista confronta-se com o terceiro fator de Educar é um Risco: “O que me impressionou em anos de conhecimento de CL é justamente essa vontade de levar a entender, a confrontar-se pessoalmente”

Para tentar explicar o que o impressionou no modo de julgar, de fazer uma cultura livre e apaixonada – essa “liberdade de crítica” que padre Giussani ensinou desde o início –, ele toma emprestado uma categoria de Elémire Zolla. Aliás, paradoxalmente, visto que o famoso estudioso de culturas e religiões é, entre tantos mestres, um daqueles que a história do Movimento, uma vez “peneirado”, talvez tenha “abordado” menos. Mas o descarte inteligente em relação à norma, ao já sabido, cabe agora a um jornalista, um crítico agudo da cultura dominante, que é Pierluigi Battista.
Elémire Zolla, que falava de duas grandes divisões socioculturais: de um lado estão as “civilizações do comentário”, baseadas numa “verdade dogmática forte e compartilhada”, tão imutável que, geração após geração, só nos resta repetir mecanicamente seu conteúdo ou, no máximo, justamente, comentá-la, acrescentar alguma nota no pé da página; do outro lado há as “civilizações da crítica”, aquelas para quem o dado adquirido é sempre provisório, passível de comprovação. E a busca de novos caminhos rumo à verdade é a única regra aceitável.
Fica claro que a “civilização da crítica” é a modernidade do pensamento laico. Está claro que nos anos 70, “na minha experiência pessoal de jovem estudante de esquerda”, Comunhão e Libertação era a encarnação da “civilização do comentário”. “Um grupo dogmático – ‘integralista’ era a palavra usada – no qual a capacidade crítica tinha sido eliminada. Desse preconceito nascia a rejeição, a verdadeira e própria eliminação da imagem, e às vezes não só da imagem, do inimigo”. Está claro que se hoje Pigi Battista vê as coisas de um modo diferente, pois a sua trajetória o levou para longe daquelas ideologias.

Que efeito causou em você a descoberta de que num movimento como CL a “liberdade de crítica” não só existe, como é uma característica essencial, um elemento sempre enfatizado?
Foi um encontro inclusive no sentido profissional, dentro do meu trabalho jornalístico. Em anos de decadência das ideologias, descobri um modo de julgar a realidade, de confrontar-se com os outros, que achei humanamente interessante, com o qual podia compartilhar muitas paixões, embora sendo um “não-crente”. Eram os anos em que eu lia Il Sabato e encontrava uma liberdade de crítica da cultura dominante, uma curiosidade de descobertas que não havia em outros lugares, muito menos nos jornais. É a mesma liberdade curiosa que move o Meeting de Rímini. Ali eu a vi, ao vivo, e não era a “paixão crítica” de um grupo intelectual: eram jovens, adultos, que encontravam outras pessoas, confrontavam-se com políticos e artistas de um modo não-formal. Isso me impressionou.

Em Educar é um Risco, a certa altura padre Giussani escreve: “A crítica é antes de tudo a expressão da genialidade humana que há em nós, uma genialidade toda voltada para descobrir o ser, para descobrir os valores”.
Creio que é uma característica fundamental da experiência de CL. Quando conheci padre Giussani, para uma entrevista, me impressionou essa curiosidade humana e existencial. A história de CL, aos olhos de quem não ficou cego, impressiona por essa capacidade de encontrar, e também de procurar mestres, companheiros de viagem.

Que é também o ensinamento de São Paulo: “Avaliai cada coisa, e de tudo guardai o valor”. De Leopardi a Pasolini, a personalidades como Testori, são muitos os “mestres” que escandalizaram a cultura dominante...
E isso num mundo fechado, onde é difícil encontrar a mesma abertura. Não é uma experiência comum. Creio que o ponto, o método, esteja justamente nessa atitude , “estar no mundo e não pertencer ao mundo”. Fazer cultura, julgar, sem porém se sentir uma fortaleza assediada.

Padre Giussani sempre insistiu num outro ponto: “O fenômeno cultural começa, para qualquer um, diante de uma pessoa que comunica a si mesma, isto é, o seu modo de se relacionar com a realidade toda”. Como você acha que é recebida, hoje, uma posição assim?
Numa situação como a de hoje, isso é muito importante: é preciso saber que o encontro crítico com o outro não é jogar fora a própria identidade. Ao invés, hoje, não há nada de identidade.

Um problema também de educação. Em seu trabalho, você freqüentemente critica os “maus mestres”.
Mas os maus mestres não são os únicos responsáveis. Estavam imersos no sono dogmático do seu tempo; entregar a culpa só a eles é como dizer que os outros eram inocentes... De qualquer modo, os maus mestres, hoje, são em maior número do que antes, são os intelectuais que agem com uma constante intimidação ideológica: “Isso é correto, isto não é; isso você pode dizer, aquilo não...”. É a cultura dominante, o girotondismo intelectual, o repetir sempre as mesmas abstrações.

Enfim, voltando a Zolla...
Os verdadeiros dogmáticos são eles, os que se consideram depositários de uma verdade que aos outros só cabe aceitar e repetir. São as pessoas, os grupos de poder, que fazem uso sistemático da intimidação pelo silêncio: se não pensar como nós, não tem direito à palavra. Isso é o contrário da educação crítica. Posso dizer que aquilo que me impressionou em anos de conhecimento de CL é justamente essa vontade de levar a entender, a confrontar-se pessoalmente.


Editado em maio de 1977, Educar é um Risco representa uma pedra fundamental da proposta educativa de padre Giussani.
A primeira edição estrangeira foi publicada na França em 1987. Atualmente existem edições em inglês, espanhol, português, alemão, russo, tcheco e polonês. Dentre as várias manifestações que foram iniciadas a partir do debate deste texto, teve destaque particular o congresso desenvolvido em Washington - EUA, em abril de 2003, na Georgetown University, com a presença de 50 professores universitários. A atual edição foi revista e atualizada e o prefácio é do professor Nikolaus Lobkowicz.

 
 

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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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