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Passos N.55, Outubro 2004

CULTURA - Meeting 2004

Podemos amar porque somos amados

por Marco Meschini

O abade cisterciense de Hauterive (Suíça), padre Mauro Giuseppe Lepori, apresentou a mostra “São Bernardo, renovator seculi”. Com ele, no palco, Maria Pia Alberzoni, docente de História medieval na Universidade Católica de Milão. Para um historiador, encontrar uma pessoa do passado como São Bernardo significa tocar com as mãos o fascínio despertado por uma vida entregue totalmente a Cristo.

O que pessoalmente me fascina em São Bernardo não é tanto a sua versatilidade – que, no mínimo, pode ser atribuída também a uma extraordinária riqueza de talentos naturais – mas a sua unidade”. Quando padre Mauro Giuseppe Lepori, abade de Hauterive, toma a palavra, é como se um suave e firme canto se espalhasse pela sala. Os olhares de todos ficam mais atentos, procurando captar as suas palavras, o seu sentido e a sua beleza.
Uma beleza que transbordava desse homem que estava sentado ao meu lado, e que me trazia à mente outras palavras de Bernardo: “Quando o esplendor de Cristo preenche com toda a sua riqueza as profundezas do coração, manifesta-se para fora e ilumina todas as ações, todos os discursos, todos os olhares, cada passo, cada sorriso”.

A mística de São Bernardo
Padre Lepori volta a falar: “A relação com Deus nasce e fixa-se em São Bernardo no âmbito do mistério da Encarnação do Filho de Deus, do Deus feito homem, presente e vivo na vida”. É nessa relação cotidiana e santificante que tomou forma a mística de Bernardo: “Ela não é uma lembrança, um sentimento, o resultado emotivo de experiências sublimes. A vida mística de Bernardo é um encontro. Em Cristo há uma beleza tão original e única que só a sua presença pode nos levar a conhecê-la e contemplá-la”.
O extraordinário testemunho que nos é dado pelo cisterciense do nosso tempo é igual ao do abade do século X: podemos amar porque somos amados. Nós desejamos Deus e quando o encontramos o nosso desejo se inflama ainda mais, porque Ele é como o óleo jogado no fogo, que arde dentro do nosso peito. Nosso progresso é, pois, uma tendência que não sossega, porque atingir a meta não significa parar, mas antes aprender a correr mais forte e reto, no caminho do mistério de Cristo.

Soldados do exército de Cristo
É a mesma experiência de busca, de “criação” e nova busca que Maria Pia Alberzoni, docente de História medieval na Universidade Católica de Milão, testemunhou na sua colocação. Levou os presentes a tocarem com as mãos o que significa, para um historiador, encontrar uma pessoa do passado e, sobretudo, um homem como Bernardo. Nasce o fascínio por uma vida entregue totalmente a Cristo, capaz de atrair multidões, como quando o abade, de volta a Clairvaux, depois de uma viagem à Alemanha, foi rodeado por mais de cem pes-soas. Todos se tornariam monges, soldados do exército de Cristo que estava modificando a Europa.
Bernardo exercia, pois, um fascínio, uma atração incomparável. Maria Pia lembra ainda como os milaneses foram atraídos pela sua pregação, de tal modo que procuraram fazê-lo seu arcebispo. Bernardo rejeitou, para permanecer fiel à sua vocação monástica; mas fundou o mosteiro de Chiaravalle na entrada de Milão, uma das 70 “filhas” surgidas diretamente das suas mãos.
Foi um outro resultado da paternidade de Bernardo, paternidade que, em Cristo, é inesgotável. Disse ainda o padre Lepori: “A mística que unificou a vida versátil do abade de Clairvaux é o amor a Cristo. A espiral do amor, na qual a pessoa adentra quando encontra em Cristo o amor infinito e gratuito de Deus, a ser amado para sempre, é uma dinâmica de liberdade e de graça, que tende a abraçar tudo e a difundir-se por tudo”.

Como os pastores
A matriz desse amor bernardiano encontra a sua fonte no mistério da Encarnação do Filho de Deus, tanto que “Bernardo gosta de se identificar com os pastores na noite de Natal”. Eles “não foram levados à presença de Deus por uma doutrina ou por uma espiritualidade, mas pelo acontecimento inconcebível da Encarnação”. E basta reler uma passagem de Bernardo contida num Sermão sobre o Cântico dos Cânticos (22,5) para sentir toda a força dessa experiência: “No princípio era o Verbo, mas os pastores foram sem demora vê-lo, tão logo foi anunciada a sua Encarnação... Antes, enquanto o Verbo estava apenas junto de Deus, não se moviam; quando, ao invés, o Verbo, que existia eternamente, fez-se no tempo, quando Deus o tornou visível, eles logo se mexeram e correram a acolhê-lo”.
Desse modo, a mística do abade cisterciense não é abstrata nem se fixa no sentimento. A vida mística de Bernardo, de fato, “é um encontro, é a permanência desse encontro com a presença encarnada do Verbo, que atrai o coração do homem”.

Fonte de água que jorra
Uma das imagens mais belas que Bernardo desenvolveu é a do beijo da boca de Jesus: “Quero que seja ele próprio a me beijar com o beijo da sua boca, e que a sua presença cheia de Graça... torne-se em mim fonte de água que jorra para a vida eterna. Eis porque rejeito visões e sonhos... O meu Jesus os ultrapassa em muito em sua beleza e em seu esplendor” (Sermão sobre o Cântico dos Cânticos 2,2).
É a partir desses picos de vida cristã que aquele pequeno abade de nome Bernardo, um dos gigantes de todos os tempos, é ainda hoje nosso companheiro de estrada na caminhada para Cristo, para o abraço do Mistério que faz todas as coisas.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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