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Passos N.111, Dezembro 2009

SOCIEDADE - Brasil

Dizer não à violência é educar ao sentido da vida

por Otoney Alcântara

Cresce a preocupação com a violência em nossas cidades. Podemos responder como todos e reagir com mais violência ou podemos afirmar uma novidade. A paz e a segurança só podem nascer de pessoas e obras capazes de afirmar o bem-comum de forma concreta, mostrando a positividade da vida como um bem real, oferecendo uma experiência de superação do niilismo e da violência.

São muitos os fatos de violência que invadem diariamente o noticiário da televisão, dos jornais e da internet. Os mais recentes foram a invasão do Morro dos Macacos, no Rio de Janeiro, por traficantes; tiroteio e queda de helicóptero da Polícia Militar na cidade maravilhosa; sequestro de uma médica e sua filha na saída de um grande shopping de Salvador, seguido de homicídio; a morte misteriosa de uma menina de onze anos dentro da escola da PM, onde estudava, em Salvador; flagrantes de estupros e de pedofilia por todo o país.
A dramaticidade destas situações é um convite para uma saída apressada, irracional, isto é, para esquecer, sendo desleal com alguns fatores que, apesar de emergirem, são tão dolorosos, que parece melhor esquecer. Assim, surgem respostas prontas como a pena de morte, o aumento do arsenal policial ou a entrega da questão na mão de algum especialista detentor do último detalhe estatístico – delegar a outrem as respostas para aquelas perguntas tão pungentes que nascem do impacto com aqueles fatos. Mas o olhar assustado e impotente do meu filho diante da última notícia sobre violência na TV pede de mim uma resposta de amor e esperança, e não de raiva e mais violência.

A violência é a marca de uma vida sem sentido.Questões como a profunda desigualdade social e ausência de educação, ainda que condicionem muitos aspectos da violência em nossa sociedade, não são suficientes para explicar o fenômeno, tanto é verdade que há traficantes jovens de classe média, e que o grande consumo das drogas ditas “caras”, se dá exatamente nas classes média e alta.
Na origem da violência atual, está uma crise cultural, que culminou com o esvaziamento do sentido do viver: “O verdadeiro perigo de nossa época, dizia Teilhard Chardin, é a perda do gosto de viver. Ora, a perda do gosto de viver envolve o não sentimento de si, (...) a não afeição por si mesmo. Porém, seria preciso uma anestesia total para que um homem perca integralmente, inteiramente, o sentido do apego a si próprio e por isso uma, pelo menos embrionária, emoção por si mesmo, uma preocupação consigo próprio; seria necessária uma anestesia total. (...) Até essas anestesias totais extremamente difusas – por isso é uma sociedade caracterizada totalmente pela alienação – têm um limite, não podem ser permanentes, e por isso o sofrimento (...) não é evitável. O sofrimento indica a suspensão ou a ruptura ou o fim da anestesia total” (Luigi Giussani. É possível viver assim? Citado por J. Carrón. Exercícios da Fraternidade, 2009).
Vivemos uma espécie de niilismo de massas, que tem gerado uma violência sem qualquer significação, e que tem como marca o brutal desprezo pelo humano, sem qualquer precedente. É uma absoluta redução daquilo que é o eu, na medida em que o próprio instinto originário de auto-preservação desaparece dos jovens, é uma espécie de amor à morte maior do que o amor à própria vida. É esse componente que parece escapar das análises em voga e das políticas públicas, que insistem em um discurso convencional, baseado em valores e no uso puro e simples da repressão.
Estas políticas têm mostrado que não são capazes de enfrentar esta crise. Deixam evidente a falência das instituições sociais – da família, da escola e da própria Igreja – em comunicar o significado último da vida, da qual o caso da violência contra a estudante de turismo de mini-saia no ambiente acadêmico é apenas a manifestação do momento.
Nas palavras do Papa Bento XVI: “Uma das pobrezas mais profundas que o homem pode experimentar é a solidão. Visto bem, as coisas, as outras pobrezas, incluindo a material, também nascem do isolamento, de não ser amado ou da dificuldade de amar. As pobrezas frequentemente nascem da recusa do amor de Deus, de uma originária e trágica reclusão do homem em si próprio, que pensa que se basta a si mesmo ou então que é só um fato insignificante e passageiro, um ‘estrangeiro’ num universo formado por acaso. O homem aliena-se quando fica sozinho ou se afasta da realidade, quando renuncia a pensar e a crer num Fundamento. A humanidade inteira aliena-se quando se entrega a projetos unicamente humanos, a ideologias e a falsas utopias” (grifos nossos. Enc. Caritas in Veritate, 2009).

Afirmar o sentido da vida e o bem comum. Diante deste quadro, temos alguma chance? De onde se pode partir para enfrentar uma questão assim? O primeiro ponto é que o eu se coloque diante dessa questão, sem delegar nem transferir o problema. O esquecimento ou a delegação do problema é também uma forma de redução da vida e, consequentemente, de violência. Não que se tenha uma resposta pronta; contudo, do ponto de vista metodológico o ponto de partida é esse deparar-se, esse impacto com a realidade, que nós pulamos sempre. Por exemplo, diante de uma pessoa morta em um carrinho de supermercado, se eu não digo: “poderia ser eu, poderia ser meu filho, meu amigo”, a minha ação, seja qual for, tem algo de desumano, nega alguma coisa que está em mim.
O grande desafio é uma proposta que nasça de lugares onde a vida tenha significado, onde o sentido da vida seja comunicado. Uma proposta que nasça de pessoas e obras que testemunham um gosto pelo viver que gere iniciativas concretas que enfrentam os diversos problemas – desde a educação, a fome e a desnutrição, a profissionalização, a moradia – afirmando a dignidade da pessoa e o bem comum.
“Depois, é preciso ter em grande consideração o bem comum. Amar alguém é querer o seu bem e trabalhar eficazmente pelo mesmo. Ao lado do bem individual, existe um bem ligado à vida social das pessoas: o bem-comum. É o bem daquele ‘nós-todos’, formado por indivíduos, famílias e grupos intermediários que se unem em comunidade social. Não é um bem procurado por si mesmo, mas para as pessoas que fazem parte da comunidade social e que, só nela, podem realmente e obter o próprio bem. Querer o bem-comum e trabalhar por ele é exigência de justiça e de caridade. Comprometer-se pelo bem-comum é, por um lado, cuidar e, por outro, valer-se daquele conjunto de instituições que estruturam jurídica, civil, política e culturalmente a vida social, que deste modo toma a forma de polis, cidade. Ama-se tanto mais eficazmente o próximo, quanto mais se trabalha em prol de um bem-comum que dê resposta também às suas necessidades reais.” (grifos nossos. Enc. Caritas in Veritate, 2009).

Um caminho de construção.Diante da violência, o lema mais adequado é “diga não à violência, eduque ao sentido da vida”. A paz e a segurança só podem nascer de pessoas e obras capazes de afirmar o bem-comum de forma concreta, mostrando a positividade da vida como um bem real, oferecendo uma experiência de superação do niilismo e da violência.
A partir daí, de uma articulação entre as pessoas e os corpos intermediários (termo utilizado pela Doutrina Social da Igreja, que engloba as famílias, as organizações e instituições da sociedade), podem surgir propostas adequadas que ajudam as pessoas e a sociedade a superar as raízes da violência em seu cotidiano e o Estado a criar e executar, políticas de segurança pública adequadas.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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