Encontro para promover a nova edição de O senso religioso. Uma noite memorável, que ajudou a despertar as perguntas fundamentais do homem e abriu caminho a aventura da resposta
Na noite do dia 16 de outubro, no Espaço de Cultura e Extensão Universitária da Faculdade de Medicina da USP, em Ribeirão Preto, ocorreu uma mesa redonda por ocasião do lançamento da terceira edição brasileira do livro O senso religiosode Luigi Giussani. Seja para quem já conhecia a obra e seu autor, seja para quem pela primeira vez tomava contato, esta foi a experiência de uma surpreendente e evidente correspondência. Correspondência testemunhada pelos participantes da mesa, mas também pelo público, numeroso e bastante variado, incluindo estudantes universitários de várias instituições, seminaristas e teólogos, membros da comunidade budista e representantes da comunidade judaica, dentre outros.
O início do evento nos lembrou que Giussani foi antes de tudo um “homem ferido pela beleza” (conforme as palavras do então Cardeal Ratzinger, na missa de seu funeral): de fato, pela primorosa execução do professor Rubens Ricciardi, da Escola de Música da USP de Ribeirão Preto, pudemos ouvir uma peça musical muito amada por Giussani: o Prelúdio Op. 28 N.15 em Ré bemol maior de Chopin, chamado também prelúdio “da gota”. Em seguida, a mesa foi composta por Miguel Mahfoud, docente universitário e psicólogo da Universidade Federal de Minas Gerais; Anette Hoffmann, fisiologista e docente universitária da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto; e José Maurício Cagno, ator, diretor de teatro e arte-educador. Cada um deles evidenciou a importância do livro em sua experiência de vida e de trabalho.
DESEJO DE ABSOLUTO.Miguel Mahfoud ressaltou que a leitura deste livro e a experiência ali proposta foi o que definiu seu percurso intelectual e humano. Falou da importância da categoria de experiência elementar por meio da qual Giussani nos ajuda a reconhecer a experiência religiosa como a dimensão de espera que nos constitui e está presente, mesmo quando não nos damos conta: “Estamos aqui esperando e sabemos que não nos serve qualquer coisa. Tem algo em nós que diz: isto tem a ver comigo; isto não tem a ver comigo. Temos um critério para dizer: isto me realiza; isto não me realiza”. Ele frisou que uma experiência de correspondência não aplaca o que nós somos, mas exalta, abre perspectivas e nos lança dentro de horizontes sempre maiores. Trata-se de um desejo de absoluto que nos constitui. “A necessidade da felicidade que tenho para mim e para o outro que amo, me remete à minha necessidade de um Outro: espera que Alguém venha ao meu encontro. Pois não se trata do desejo de uma certa vivência estética, mas é a exigência da Beleza. Não é a busca de momentos felizes, mas é exigência de Amor. Não é a exigência de um pouco menos de corrupção, mas é a exigência da Justiça; não é conhecimento de alguma coisa, mas é a exigência da Verdade. Por isto, para responder a esta nossa sede esperamos algo de Absoluto; Algo que faça a nossa vida acontecer; faça o nosso dia valer a pena; nos dê a resposta sobre o porque viver.” Miguel concluiu afirmando que o fato de que precisamos de algo além de nós para nos realizar, e ao mesmo tempo temos a capacidade de reconhecê-lo e de julgá-lo correspondente, é o que nos constitui como pessoas e nos torna protagonistas da nossa vida. É a grande possibilidade de um encontro que pode acontecer somente se estivermos à sua espera.
Annette Hoffmann, em sua intervenção, propôs uma aproximação entre a posição do cientista Claude Bernard, que no século XIX introduziu o método experimental na fisiologia e a proposta de Giussani: “Podemos ensaiar uma aproximação com o pensamento de Giussani que, refutando os que dizem ser a religião fruto do medo, afirma que o primeiro sentimento do homem frente à natureza não é o medo, mas a atração e como consequência, o maravilhamento: ‘A religiosidade é, em primeiro lugar, a afirmação e o desenvolvimento da atração’. Para Giussani, o maravilhamento é uma experiência de provocação. ‘Abrindo os olhos para a realidade, tenho diante de mim algo que provoca uma abertura. O real me solicita a buscar alguma coisa além daquela que imediatamente me aparece.’ Para Bernard, é desta provocação que nasce a hipótese que guia o trabalho científico e, como veremos a seguir, a abertura para as causas primeiras, que estão fora da alçada do trabalho experimental, mas não da reflexão do cientista na busca de sua essência. Mas frente ao que Giussani chama sentimento do incomensurável, Bernard, como todo sábio, situava-se com humildade frente à natureza e escrevia: ‘Trabalhemos para dilatar nosso pensamento. Não pretendamos encolher a realidade à medida de nossas ideias.’; ‘Eu não sei nada e é esta ignorância que me permite fazer hipóteses, poetizar, bordar sobre meu sentimento e seguir minha natureza.’ E isto evoca a afirmação de Giussani: ‘A natureza chama-me para outra coisa além dela mesma’.”. Para finalizar, Anette lembrou de uma frase de Einstein citada por Giussani: “Quem não admite o Mistério não pode ser nem mesmo um cientista”. E afirmou que, de fato, Bernard foi um cientista na ampla acepção da palavra, por ser “uma vida na presença do sentido”.
José Maurício Cagno ressaltou a correspondência entre a experiência descrita no livro e sua vocação de artista: “É algo muito verdadeiro, é assim como acontece com a gente; a experiência elementar nos remete a perguntas que são essenciais, fundamentais: Por que existo? Por que as coisas existem? O que quer dizer a solidão imensa? Todas as pessoas se perguntam isto. Meus alunos de 12 e 13 anos já estão fazendo estas perguntas”. Relata que, na medida em que leu o livro, começou a se identificar com muitas experiências pessoais, no trabalho da arte. Pois, “se a arte for de fato exercício de busca de sentido de existência, é verdade que, como Giussani, a Beleza nos fere e chega uma hora em que começa a doer a não-resposta: é a desproporção estrutural, pois a gente chega a intuir, mas não consegue dar conta. Num período de minha vida, a vivência da Beleza realmente doía: é a experiência da tristeza. É um itinerário fantástico”. E diante desta experiência da desproporção, “esta mesma pergunta, no mesmo instante em que assinala minha solidão, coloca a raiz de minha companhia”, pois significa que eu sou constituído por outra coisa misteriosa. Segundo José Maurício, esta afirmação, juntamente ao percurso do capítulo 10 do livro, nos remete à experiência deste Outro que nos constitui, experiência que é muito forte também na sua vivência: “No teatro aprendemos isto de maneira muito concreta, pois lá eu aprendo que eu só existo na relação com o outro e o outro significa o que não sou eu mesmo. Existe algo que não sou eu mesmo que me ajuda a me constituir enquanto eu. Mas, se tudo é baseado na relação, quem é este Outro que a constitui? Razoavelmente, eu não posso chegar ao nada, é muito pouco inteligente, muito pouco sensível. Quando encontro este Outro que constitui a relação com os outros e com a realidade, tudo passa a ter beleza e maravilhamento, e não mais angústia e medo”.
UMA BUSCA DE SIGNIFICADO.Ao final do encontro, alguns participantes da mesa redonda relataram o que significou o encontro. Para Miriam: “Sexta-feira foi uma noite muito agradável: a música ao piano do professor Rubens, as palestras dos professores Miguel e Anette, e principalmente o relato da experiência do senso religioso do ator Maurício. Estou lendo o livro de Giussani e tendo grandes insights sobre a experiência elementar. Comecei a ler naquele dia mesmo. A leitura é muito envolvente e remete a muitas reflexões, sobre as quais tenho pensado muito nos últimos anos”. Carmen afirmou que “a experiência de Giussani e de seus ensinamentos é muito atual e necessária. A partir dos relatos dos convidados da mesa redonda, pudemos nos aproximar da obra O senso religioso com clareza e objetividade. Isso nos aproximou do texto e nos fez entender o sentido das palavras como uma experiência para nossa própria vida”. Por fim, Isabela disse: “A noite do dia 16 foi uma grande surpresa, porque cada um que ali estava sentia-se profundamente provocado, pois, afinal, estávamos falando de nós, da condição humana na sua essência. Como não se sentir atraído por isso? (...) Todos foram instigados a pensar em como estava a nossa relação com a realidade: estamos abraçando o que nos corresponde ou vivendo segundo os juízos de uma maioria? Ficou claro, para mim, que a resposta a tal questão necessita de um encontro, uma experiência deslumbrante com o Único que preenche nossas exigências de Beleza, Verdade, Amor, Felicidade, Justiça... Feito isso, saberemos o que nos corresponde no dia-a-dia. (...) Portanto, aquela sexta à noite não foi como qualquer outra, foi o encontro com algo que esperava há tanto tempo, mas nem me dava conta desse desejo... e por isso, as questões que foram evidenciadas não ficaram lá, mas prosseguiram caminhando comigo, dando-me um novo olhar para a minha realidade e uma nova forma de vivê-la, maneira na qual nada é óbvio e vazio, pois, tudo agora tem significado”.
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