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Passos N.111, Dezembro 2009

IGREJA - SÃO FRANCISCO

A riqueza da “alegre pobreza”

por Pigi Colognesi

O “seguimento radical de Cristo”. E a liberdade de “dedicar-se ao essencial”. Oito séculos depois do encontro de São Francisco de Assis e Inocêncio III, MARIA PIA ALBERZONI, professora de História Medieval, vai à raiz do carisma franciscano. Para surpreender-se com a sua atualidade, indo além das reduções. É desse ponto que recomeça o trabalho da Escola de Comunidade de CL sobre o livro É possível viver assim?

“A característica da alma pobre é a letícia, da qual a figura de São Francisco é o emblema na história do cristianismo”, como diz Dom Giussani em É possível viver assim?. A proximidade do Santo de Assis com o inseparável binômio pobreza-letícia é um dado permanente da nossa cultura. A começar de Dante Alighieri. Quando descreve o amor de Francisco por Nossa Senhora dos Pobres, a sua poesia inflama-se, atingindo ápices inesquecíveis: “Que por tal mulher, jovem, em guerra / do pai corre, a quem, como à morte, / a porta do prazer ninguém descerra; / e diante da sua espiritual corte / e diante do pai fizeram-se unidos; / e, dia após dia, amo-a mais fortemente”. Exatamente esse grande e “alegre” amor atraía quem olhava Francisco e sua Amada: “Sua concórdia e seus semblantes alegres, / amor e maravilha e doce olhar / faz com que sejam razão de santos pensamentos; / tanto que o venerável Bernardo / se descalça, e atrás de tanta paz / corre e correndo, lhe parece estar atrasado”. Assim, a pobreza transforma-se em seu, aparente, oposto: “Ó riqueza desconhecida, ó bem feroz!”.
Falou-se muito sobre Francisco nestes meses (em que se completa o oitavo centenário do encontro do Santo com Inocêncio III). Fala-se, ainda, com muita frequência, sobre a pobreza, embora quase sempre de maneira redutiva. Então, é melhor ir a fundo, procurar entender mais a natureza profunda desta “alegre pobreza”. Façamo-lo com a ajuda de Maria Pia Alberzoni, professora de História Medieval da Universidade Católica de Milão.

O que era a pobreza para São Francisco?
Lendo seus escritos, fica claro que a pobreza é uma maneira – não a única porque Francisco insiste também sobre a obediência – de imitar Cristo. Ele, de fato, antes de qualquer coisa, fala sempre da pobreza de Cristo; basta pensar na genial identificação com o Menino Jesus pobre, no presépio. Tem uma estima pela pobreza e, portanto, tem desejo de se aproximar mais de Cristo. O que acontece na própria origem de sua “conversão”, quando ouve a famosa passagem do Evangelho: “Não levem consigo nem mochila, nem sandálias, nada”. Querendo imitar essa posição, Francisco abraça a pobreza mais radical.

Em que sentido, então, sua pobreza é uma novidade depois de 1200 anos de cristianismo?
É uma novidade como são novidades todos os carismas. “Nudus nudum Christum sequi” – seguir, sem nada, a Cristo, que nada possuía – sempre foi a característica dos monges, que não tinham nenhuma propriedade pessoal. Estes, porém, eram pobres pessoalmente, mas dentro de uma comunidade que podia ter a renda necessária para poder viver. A novidade de Francisco é esta: nenhuma posse, nenhuma propriedade, portanto, nenhuma riqueza para a pessoa ou para a comunidade. Os primeiros franciscanos não tinham uma moradia estável, viviam em albergues, fazendo os trabalhos mais variados. Andavam pela cidade pregando e não tinham nenhuma necessidade de ter propriedades.


Então, a imitação de Cristo pobre estava em função da missão?

Sim, mas sobretudo do desejo de seguir o Evangelho sine glossa, ao pé da letra. A grande novidade de Francisco – que lhe trouxe até dificuldade com a autoridade eclesiástica – é exatamente essa falta de estabilidade, de uma colocação inclusive social para seus frades. É uma novidade revolucionária. Conta-se que, certa vez, Francisco chegou a Assis para um capítulo e encontrou pessoas que lhe indicaram a “casa dos frades”. Subiu no telhado e começou a jogar fora as telhas, a destruir o edifício e a expulsar todos os frades. O Cardeal Ugolino, futuro Papa Gregório IX e “protetor” de Francisco, intervém dizendo que a casa era de sua propriedade. Aqui, vê-se a normal dialética entre carisma e instituição (de resto, sempre respeitada por Francisco). Seu carisma, em suma, era verdadeiramente novo enquanto, por meio da pobreza, tirava qualquer segurança exterior da vida para doar-se ao seguimento radical de Cristo. Um seguimento que implica viver como ele tinha vivido, sem uma pedra onde pousar a cabeça, como diz o Evangelho.

O carisma franciscano também provocou reações no contexto social?
Seguramente muito espanto. A sociedade do início do século XIII era uma sociedade em uma fase econômica muito florida. A riqueza tinha sido criada e, consequentemente, uma nova forma de desigualdade não mais ligada à diferença entre nobres e plebeus, mas relativa ao capital que se possuía. O próprio Francisco pertence à nova casta dos ricos, o pai era um abastado comerciante. O destaque que dá à pobreza contesta a excessiva confiança depositada no dinheiro. Com sua escolha de vida, Francisco pergunta aos “novos ricos”: “Qual é a verdade do homem? O dinheiro que possui? Sua felicidade consiste na ascensão social proporcionada pela riqueza?”. Não esqueçamos que o próprio jovem Francisco sonhava em tornar-se cavaleiro (coisa antes permitida apenas aos nobres) devido à potência econômica acumulada por sua família.

Então, o fato de Francisco ter se despido diante do pai é também um juízo sobre a sociedade?
Sob certos aspectos, sim. Porém, para ele, o desejo de imitar Cristo prevalece sobre o juízo nos confrontos com o pai. Além disso, seu gesto de despir-se na catedral significa que abandona o estado secular e decide pela vida religiosa.

Como continuou, na ordem franciscana, a escolha pela pobreza?
Aqui há um problema ligado à herança de Francisco. A insistência um pouco unilateral sobre a pobreza é utilizada por certas correntes franciscanas em controvérsia com os termos da ordem, estabelecidos sobre modelos mais monásticos, segundo as orientações dadas pela sede apostólica. A pobreza torna-se a bandeira desses grupos, prevalentemente intelectuais, que dizem remeter-se ao Francisco originário. São pequenas comunidades que vivem em ermidas e não nas cidades, onde os conventos franciscanos já são muito grandes e têm escolas, bibliotecas, igrejas. Nascem também, disputas doutrinais mais complexas que levarão, no início do século XIV, à excomunhão de toda a cúpula dos frades menores. Nessa circunstância delicada, é decisiva a ação de São Boaventura, bem estudada por Joseph Ratzinger em sua tese de habilitação ao magistério. Para reunificar uma ordem profundamente dividida, Boaventura escreve uma nova biografia de Francisco, que se torna a oficial, impedindo que continue a remeter-se a um pressuposto Francisco das origens, utilizado para sustentar as próprias posições. A leitura de Boaventura é profundamente teológica: Francisco é definido como “seráfico” quer dizer, que faz parte da ordem angélica dos serafins. Isso quer dizer que ele viveu uma perfeição total. A ordem franciscana, ao contrário, ainda não está nesse nível. Ela ainda vive em um estado “querúbico”, sendo os querubins uma ordem angélica inferior aos serafins. Então, Boaventura se pergunta: “Como a ordem querúbica pode se tornar seráfica, portanto, chegar à perfeição do fundador?”. E responde chamando a atenção para a necessidade de uma ampla reforma interna que tem como fundamento a pobreza.

Normalmente, a pobreza franciscana é interpretada em termos puramente sociológicos.
É uma leitura banalizante. Quis-se fazer de Francisco um arauto da pobreza, sem levar em consideração o fundamento cristológico e sem levar em conta globalmente o seu carisma. Reduzida a um particular insano, essa pobreza torna-se uma espécie de ideologia em nome da qual são obscurecidos outros aspectos sobre os quais, no entanto, Francisco insiste muito. Em suma, para Francisco a pobreza é aquilo que leva a não ter preocupações com as coisas materiais, dando liberdade para se dedicar ao essencial. Daqui, deriva também a insistência franciscana sobre a paz: discute-se e faz-se guerra porque se defende uma posse. Quem não é apegado a nada não tem razão para guerrear. O mesmo deve-se dizer para o amor franciscano em relação à natureza, explicitado no Cântico das Criaturas: quem não tem nada sente uma imensa gratidão por aquilo que Deus, por meio da natureza, lhe oferece.

Então, é bem diferente de pacifismo e ecologismo.
De fato. Para Francisco é evidente que a pobreza é para um a mais. A exaltação às criaturas nasce exatamente da consciência de que elas não lhe pertencem e lhe são doadas.

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“Em um livro sobre o franciscanismo de padre Agostinho Gemelli, tinha um capítulo que iniciava com a palavra “Quando”; a perna do Q era um passarinho e dentro do Q havia um perfil de montanhas com o sol nascente e a silhueta de São Francisco de Assis com a cabeça levantada, os braços estendidos, símbolo da sensibilidade do homem no encontro com o aspecto mais fascinante da natureza. Próximo aos pés de Francisco, a mesma letra Q iniciava uma outra frase: Quid animo satis?, O que satisfaz o espírito?”
(L. Giussani, O senso religioso)

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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