Vai para os conteúdos

Passos N.140, Agosto 2012

A HISTÓRIA

Os traços de Alí

O primeiro tremor não o atingiu. Em Poggio Rusco, um lugarejo na região de Mantova com 6.000 habitantes, somente alguns desmoronamentos e muitas rachaduras. Dez dias depois, poucos instantes e o estabelecimento de Roberto fica inutilizado, o escritório precisa ser demolido. Os técnicos não deixam ninguém entrar, nem mesmo ele, que é o chefe. Nem para ver o estado do material, os mostruários. Os pequenos cubos de mármore para o piso da cozinha e os tecidos de sofá. Os livros contábeis e as faturas.
Roberto balança a cabeça: em 59 anos de vida, enfrentou muitos desafios e recomeços. Mas, desta vez, o golpe é duro. Muito duro.

Os outros também perceberam. Seus meninos (como ele chama os oito funcionários, de 22 a 50 anos) nunca o abandonaram. Ainda mais agora, com a crise e com o terremoto. Ele sabe bem que, se decidisse recomeçar pela enésima vez, todos estariam com ele. Alí também, o último que chegou. Um jovenzinho, embora a vida já o tenha feito passar por uma prova dura: os pais foram degolados pelos talibãs diante dos seus olhos de criança, no Afeganistão; a fuga para o Irã; os anos de trabalho, os maus tratos, a prisão. Depois, a viagem da esperança que, passando pela Turquia e pela Grécia, o levou a Campogalliano, Modena, até chegar a Roberto.

O fruto dos anos de sacrifício está ali, diante dos olhos de todos: as paredes ainda estão de pé, mas frágeis como um castelo de cartas. Muitos pensamentos, muitas recordações. “E agora, como faço para recomeçar?”, continua Roberto a se perguntar.
De repente, uma mão toca seu ombro. O olhar deixa o edifício e encontra dois olhos que o fixam. Os de Alí. Ele, que quase não ousava dirigir-lhe a palavra. Mas hoje... Um sorriso. Duas frases: “Não se preocupe. A vida continua”. Foi uma provocação.
Alguns dias depois, Roberto confidencia aos seus amigos: “Não sei que rosto Cristo tem. Mas sei, com certeza, que naquela manhã tinha os traços afegãos de Alí. Decidi recomeçar”.
Hoje, no terreno fora do prédio há uma estrutura de proteção e um trailer que está servindo como escritório de trabalho.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

Volta ao início da página