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Passos N.142, Outubro 2012

BRASIL - Eleições Municipais

Ocasião para amadurecer

Em julho o Movimento no Brasil lançou um panfleto sobre as eleições municipais 2012 que estão sendo realizadas em todo o país neste mês de outubro. Nestes três meses nos foi oferecido um instrumento de diálogo e de juízo cheio de esperança diante dos acontecimentos presentes. Foi proposto realizar um trabalho sobre o conteúdo, seja pessoalmente como nas comunidades, e algumas pessoas aproveitaram a ocasião para divulgá-lo entre colegas de trabalho, amigos e familiares.

Apesar da crise internacional, o Brasil vive um período de relativo otimismo no plano socioeconômico. Até aqui, o País aparentemente sofreu pouco com a crise, existe uma redução da desigualdade e melhoria das condições dos mais pobres. Já no plano político, os escândalos de corrupção não saem das manchetes dos jornais e existe sempre uma descrença em relação à eficiência e até à vontade dos políticos para enfrentar os grandes desafios sociais, econômicos e políticos que sem dúvida ainda nos esperam num futuro próximo.
Diante disso, muitas vezes tendemos a nos fechar em nós mesmos, querendo cuidar apenas de nossas coisas, como se o grande horizonte da vida não nos dissesse respeito. Mas, para isso, temos de abdicar ao grande desejo de beleza, justiça, verdade e realização humana que existe em nosso coração e no daqueles que amamos. Por isso, um momento eleitoral, com todos os seus desafios e contradições, é uma provocação para que nossa humanidade recupere sua abertura para o mundo e para o desejo mais profundo que nos move.
A experiência cristã, por sua natureza, tem a ver com tudo. Trata-se de um encontro com Alguém que nos desperta para todos os encantos e todas as contradições da realidade, que nos chama à aventura da construção do bem comum e, portanto, da política. Não somos chamados a estar na política porque queremos o poder ou a hegemonia, mas porque tudo nos interessa, tudo nos diz respeito, porque o sofrimento do outro faz parte da minha vida, porque a construção de uma sociedade mais justa é parte da realização da minha pessoa.
“De fato, quando as garras de uma sociedade adversa se apertam em torno de nós, até ameaçando a vivacidade de uma nossa expressão, e quando uma hegemonia cultural e social tende a penetrar no coração, instigando as já naturais incertezas, então é chegado o tempo da pessoa”, dizia Dom Luigi Giussani em 1976. Este é o tempo da pessoa, da nossa pessoa.
Este é um convite que nos foi feito e que procuramos compartilhar com todos: redescobrir aquilo que pode sustentar e dar sentido ao nosso eu, à construção do estar juntos, à luta por um ideal. É um momento de encontro, mesmo que nas diferenças, de redescobrirmos a verdade um do outro. Por isso nos colocamos em ação, procuramos estar juntos como amigos, ajudarmo-nos mutuamente a discernir o que é melhor, apoiar aqueles que nos parecem mais capazes e comprometidos com o bem comum.

Falando às autoridades, no Encontro Mundial das Famílias, em Milão (02/06/2012), o Papa Bento XVI, citando Santo Ambrósio, um dos grandes doutores da Igreja, do século IV, nos propõe alguns critérios de discernimento que podem ser úteis neste momento:
1) Nenhum poder do homem pode considerar-se divino, e portanto nenhum homem é senhor de outro homem, esta é uma verdade central sobre a pessoa humana, que constitui um fundamento sólido da convivência social. Santo Ambrósio lembrará isso ao imperador romano, escrevendo-lhe: “Também tu, ó augusto imperador, és um homem!” (Epistula 51, 11).¬
2) Ambrósio nos lembra também que a primeira qualidade de quem governa é a justiça, porque diz respeito ao bem da comunidade inteira. Mas ela precisa ser acompanhada do amor pela liberdade, que ele considera um elemento discriminante entre os governantes bons e os maus porque, como se lê noutra carta sua, “os bons amam a liberdade, os perversos amam a servidão” (Epistula 40, 2). A liberdade não é um privilégio para alguns, mas um direito para todos, um direito precioso que o poder civil deve garantir. Todavia, liberdade não significa arbítrio do indivíduo, mas, ao contrário, implica a responsabilidade de cada um. Este constitui um dos elementos principais da laicidade do Estado: assegurar a liberdade, a fim de que todos possam propor a sua visão da vida comum, mas sempre no respeito pelo próximo e no contexto das leis que visam ao bem de todos.
3) O Estado e suas leis servem e defendem a pessoa e seu “bem-estar” , nos seus múltiplos aspectos. Estas leis devem encontrar justificação e força na “lei natural”, isto é, no reconhecimento daquilo que corresponde à natureza do ser humano. Este é o fundamento de uma ordem adequada à dignidade da pessoa humana, que supera uma lógica na qual é a sociedade (e, em última análise, quem está no poder) que determina quais são e quais não são os direitos da pessoa.
4) O primeiro direito natural é o direito à vida, cuja supressão deliberada nunca pode ser permitida. Assim, a legislação e as obras das instituições estatais devem estar a serviço da família, fundada sobre o matrimônio e aberta à vida, reconhecendo o direito dos pais à livre educação e formação dos filhos, em conformidade com o programa educativo que eles julgarem válido e pertinente. Não se faz justiça à família, se o Estado não sustentar a liberdade de educação, para o bem comum de toda a sociedade.
5) Neste existir do Estado para os cidadãos, a Igreja pode dar uma preciosa e construtiva colaboração, sem dúvida não para uma confusão das finalidades e das funções diversas e distintas do poder civil e da própria Igreja, mas oferecendo à sociedade sua experiência, doutrina, tradição, instituições e obras, com as quais se coloca a serviço do povo.
6) As comunidades cristãs promovem estas obras não tanto porque o Estado não consegue garantir os serviços básicos à população, mas acima de tudo como superabundância gratuita da caridade de Cristo e da experiência totalizante da sua fé. O tempo que vivemos tem necessidade não só de escolhas técnico-políticas adequadas, mas também de gratuidade. “A ‘cidade do homem’ não é promovida apenas por relações feitas de direitos e deveres, mas antes e sobretudo por relações de gratuidade, misericórdia e comunhão” (Caritas in veritate, 6).
7) Finalmente, a quantos desejam colaborar para o governo e a administração pública, Santo Ambrósio pede que se façam amar: “Aquilo que o amor faz, o medo jamais poderá realizá-lo. Nada é mais útil do que fazer-se amar”.

É o tempo da pessoa e então é o tempo da verdadeira política, da possibilidade real de olhar para as necessidades de cada um e procurar satisfazê-las realizando o bem comum. A corrupção, que tantas vezes nos parece um mal sem solução, só será vencida com uma educação ao bem comum e a uma consciência nova do eu, do que é o homem, juntamente com o desenvolvimento humano integral – isto é, um desenvolvimento que não se limita aos aspectos socioeconômicos, mas que permite que a humanidade de cada pessoa se realize, tornando-a protagonista de sua própria história e da construção do bem comum.

Sobre o panfleto de CL

Alguns amigos comentam o que o trabalho sobre o panfleto suscitou neles neste período

Apesar de ter em mente a importância das eleições municipais, neste ano ainda não tinha me dedicado realmente à questão. Por isso, antes mesmo de ler o panfleto, sua simples existência já me provocava, pois a publicação de um panfleto pelo Movimento significa um chamado de atenção para um tema importante.
Quanto às eleições, eu já tinha em mente alguns prováveis candidatos em quem votaria, mas o conteúdo do panfleto me fez pensar nas bases que fundamentavam minhas escolhas. Será que eu estava me baseando em ideologias e pré-conceitos ou num verdadeiro juízo sobre os candidatos e suas propostas? Eu não estaria me fechando em mim mesmo e desprezando mais uma oportunidade “para que minha humanidade recupere sua abertura para o mundo”? Eu não estaria, como tantos outros brasileiros, descrente e até indiferente ao processo eleitoral e aos candidatos, ou melhor, às pessoas da política?
Dei-me conta de que ainda não havia realmente empreendido um caminho consistente que me conduzisse a escolher meus candidatos com toda a minha consciência. O panfleto me alertou para o fato de que o ato cívico de votar exige um trabalho de verificação, de juízo, que começa por uma tomada de consciência do meu eu, para, então, colocar-me em ação: eis o tempo da pessoa, o meu tempo de verificar se realmente Cristo acontece agora no meu eu-em-ação rumo às urnas.
Posso testemunhar que o panfleto me motivou não apenas a realizar esse trabalho de verificação para as eleições, mas também me impeliu a tentar fazer com que outras pessoas despertassem e percebessem a responsabilidade implicada no ato de votar.
Como diz o panfleto, o período das eleições é “uma provocação para que nossa humanidade recupere sua abertura para o mundo”. É assim mesmo, pois é o bem comum que está em jogo, apesar de que nesse momento de ação coletiva, paradoxalmente, muitos só pensem em si mesmos. Desse modo, o momento eleitoral é uma verdadeira oportunidade para que eu tome consciência de quem eu sou e de como me relaciono com a realidade. Em outras palavras, é mais uma ocasião para minha conversão.
Por tudo isso, sou grato a essa companhia de amigos, de testemunhas que continuamente me convida a “redescobrir aquilo que pode sustentar e dar sentido ao nosso eu”.
Márcio Wariss Monteiro, Professor, Belém (PA)

A genialidade de Dom Giussani reside em nos lembrar sempre que a nossa vida cotidiana e a experiência cristã estão constitucionalmente entrelaçados e que, portanto, tudo aquilo que está no âmbito do humano nos toca e nos interessa. Inclusive (e especialmente, diria eu) a vida política, pois nela deve se realizar o bem comum, entendido como o desejo do homem de expressar a sua felicidade, de atender às suas necessidades mais elementares de beleza, de justiça, de liberdade. Mais uma vez me senti provocado como pessoa a refletir sobre a dimensão da política a partir da experiência educativa legada pelo movimento. Novamente me dei conta que a realização da política não se encontra numa instância do poder ou na conquista de uma hegemonia; ela não é e não pode ser um projeto político, pessoal ou coletivo. Ela não se resume a um conjunto de programas ou políticas públicas que devem ser cumpridas. Ela se faz a partir de um encontro com o Acontecimento que nos abre para um horizonte ilimitado, que nos coloca diante da realidade com a inteireza de nosso eu, sem preconceitos, sem ambições egoístas, sem pretensões mesquinhas. Tais questões estão expressas de maneira clara e cristalina na menção aos ensinamentos de santo Ambrósio, um dos doutores da Igreja e que contribuiu sobremaneira na conversão de outro santo, Agostinho. Ambrósio nos lembra alguns critérios importantes para escolher aqueles que nos governarão nos próximos quatro anos, os quais resumem os ensinamentos e a experiência baseada na tradição apostólica e universal da Igreja Católica. Antes de tudo, o que está em jogo neste momento eleitoral é o protagonismo de cada um de nós, é a nossa maneira de nos confrontar com esta realidade que nos é dada, é o modo de expressar o nosso relacionamento com o Infinito; enfim, de fazer valer o tempo da pessoa antes que as garras da mentalidade dominante sufoquem a nossa liberdade!
José Roberto Cosmo, Sociólogo, Rio de Janeiro (RJ)

Foi muito gratificante refletir o texto “É o tempo da pessoa” porque me senti convidado a identificar onde está a nossa consistência. O principal fruto da minha reflexão foi recordar que a minha consistência não advém de uma minha capacidade ou de uma circunstância de vida especial, mas do reconhecimento de Alguém que está presente na realidade e que constantemente me chama a compartilhar de Sua amizade. E o que o texto tem a ver com a política?
A esmagadora maioria das pessoas vê a política com desconfiança e ceticismo. Não sem razão, dada a grande série de escândalos tornados públicos ultimamente. Mas se olhamos para a realidade sem preconceitos, devemos concordar que a eleição é um fato real e objetivo, que pode trazer um bem para as pessoas e para toda a sociedade.
Motivado pela perspectiva de bem trazida por este evento, decidi arriscar em construir uma amizade com um candidato a vereador em São Paulo. Arrastei diversos amigos para encontros políticos com ele. Logo na primeira reunião pedi para todos contarem da sua experiência de trabalho. Ficou evidente a grande vivência que este amigo possui nas áreas de educação, comércio, finanças, habitação, infância, saúde e transportes. Percebi que com tão grande experiência podemos sim ser muito úteis na construção de uma cidade mais humana, ajudando o poder público a estabelecer políticas que contemplem a necessidades de pessoas concretas, especialmente as mais frágeis no tecido social.
Neste trabalho é de grande ajuda a sensibilidade proporcionada por uma caritativa guiada e sistemática, como aquela que temos feito junto aos “Humildes Servos”, pois nos tem feito compartilhar as necessidades reais das pessoas. Aceitar o desafio proposto pela realidade está de fato alargando os horizontes daquilo que eu já sabia.
Olívio, Físico e pesquisador, São Paulo (SP)

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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