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Passos N.144, Dezembro 2012

MISSÃO - Argélia

Um homem vivo no deserto

por Alessandra Stoppa

Acompanhou o Sínodo de um oásis no Saara. Onde, sem paróquia nem fiéis, celebra missas nas bases petrolíferas. Missionário do PIME há muitos anos, padre SILVANO ZOCCARATO começa o Ano da Fé entre nômades e habitantes do deserto. “Eles me lembram que o homem não pode viver sem Deus”, diz. Enquanto conta sobre a última viagem a Tibhirine, o mosteiro dos sete mártires, que “continuam presentes”

Touggourt, um oásis no deserto argelino, é uma cidade com cinquenta mil habitantes conhecidos como Berberes e Tuaregues. Em volta, é tudo areia e rochedos por quilômetros. Padre Silvano Zoccarato está diante de uma taberna onde fez uma refeição comercial por 70 denários, pouco mais de R$ 1,00, e olha para o termômetro: 47 graus. “Sabrun bab ge’na”, sorri. “A paciência é a porta do Paraíso”. Os amigos da Itália sempre lhe perguntam: o que você está fazendo aí? “Eu também me pergunto”. Missionário do PIME (Pontifício Instituto para as Missões Estrangeiras), nascido em Pádua e criado em Treviso, para responder, pensa no dia em que chegou. Na pequena igreja da paróquia que não é mais igreja – no portão há uma lua vermelha e abriga uma associação muçulmana – foi reservado para ele um espaço para rezar. Esperando por ele, uma lâmpada acesa. “Cheio de orgulho, eu disse: ‘Jesus, deixei Camarões e agora estou aqui por você’. Mas logo em seguida, me pareceu ouvir: ‘Sou Eu que estou aqui por você’”.
Em 2006, depois de mais de trinta anos de missão nas florestas e nas savanas de Camarões, na África, leu uma convocação do seu instituto missionário: “Queremos levar a presença cristã para a Argélia. Precisamos de três pessoas: uma de 70 anos, uma de 50 e uma de 30”. Foi até o Vigário Geral e disse: “A pessoa de 70 anos sou eu”. Partiu, o primeiro e sozinho. E ainda está só, há pouco mais de seis meses no deserto do Saara, onde pela televisão ele pôde acompanhar o Sínodo de outubro e deixar-se entusiasmar pelo Ano da Fé, lançado pelo Papa. “Trata-se de encontrar Jesus novamente!”. Deu um salto quando, entre as colocações dos padres sinodais, ouviu falar sobre a missão com essas palavras: “A Igreja é testemunha da obra de Deus entre os homens e o Espírito concede-lhe o dom de maravilhar-se com a fé do outro”.

A saudação e as moscas. É claro porque a afirmação o tocou dessa forma. É a mesma maravilha com a qual fala das pessoas próximas a ele: “O senhor muçulmano que limpa a minha casa, sabe fazer de tudo. Ama a minha pessoa, a minha presença. Ama as freiras como se elas fossem da sua família... Eu observo sua vida. É alegre. Quem é Deus para ele? O que é a Igreja para ele? Há também aquela mãe que tem cinco filhos deficientes. Todo dia os lava, os alimenta, os serve. Onde encontra forças?”. Quando falamos de “nova evangelização”, o tema do Sínodo, pensamos em terras distantes. E padre Silvano está distante, mas quando fala disso não é o que temos na cabeça: “Nova evangelização é aquilo que Jesus fez: envolveu e se deixou envolver. Os discípulos herdaram dele a paixão de viver a vida como comunhão. Pensa em como se deixou envolver pela sensibilidade de sua mãe, quando pediu que Ele ajudasse os esposos nas Bodas de Caná... E, assim, se deixou envolver por outros, até Ele mesmo chegar a dizer: Nunca encontrei uma fé tão grande”.
Quando padre Silvano chegou à Argélia não lhe parecia, de fato, a África. Era mais parecida com as cidades italianas de Gênova ou Marselha. Mas sua missão não era estar ali: Touggourt fica a dez horas de ônibus da capital. Trezentos quilômetros de planícies e colinas com laranjais e vinhedos, e mais trezentos quilômetros de deserto. A paisagem só muda perto dos centros petrolíferos: postes elétricos e tubulação de gás e petróleo, as imensas nuvens de fumaça negra e um ar denso de diesel queimado. “No último Natal, fui celebrar missa em uma base petrolífera com um pequeno avião. Por centenas de quilômetros, voando em baixa altitude, não vi um só homem no deserto. Os nômades dessa região já moram todos nas cidades, exceto um pequeno grupo bem disperso”.
Nos primeiros três meses ficou em Wargla, a 200 quilômetros de Touggourt, onde seguiu passo a passo a vida dos Padres Brancos, uma congregação de missionários que nasceu na Argélia. Cem dias de “noviciado” profundo e vital, aos 70 anos. “Gota a gota, melhor que um curso universitário: a oração, as refeições, as aulas de árabe, os turnos de trabalho na cozinha, limpeza e lavanderia. Tudo com eles”, afirma. Na missa, as únicas presenças eram duas freiras franciscanas.
Esse lugar não tem nada a ver com a multidão de cristãos de Camarões. Nem com as igrejas do Oriente Médio. Em toda a Argélia, existem alguns milhares de cristãos estrangeiros e só algumas dezenas de argelinos. Onde ele está, porém, todos são muçulmanos, praticantes ou não, quando não kharigites ou mozabites, seitas de berberes sedentários. Quem lhe indicou o caminho foi o Arcebispo emérito da Argélia, Dom Henri Teissier, com poucas palavras: “Não basta amar a Igreja da Argélia, mas é a Argélia que deve ser amada. Portanto, os argelinos. E ama-se a Argélia nas pessoas que encontramos”. Amar é conhecer, até os detalhes.
“A saudação, por exemplo, é fundamental. Abriu-me a relações cada dia mais numerosas.” É sempre nas calçadas que seus encontros acontecem. “Desde os primeiros dias, cumprimentava todos. Exceto as mulheres, como me aconselharam. Mas também em relação a isso, há um certo progresso...” Agora, as jovens que vão trabalhar em sua casa e as mães que as acompanham também o cumprimentam. E ele continua atento, seguindo e mudando. Exterminava as moscas, sobretudo, se recebia hóspedes, mas não faz mais isso: “Vi um menino espantar com delicadeza uma mosca que tinha nas mãos. Entendi que o gesto violento, mesmo contra um animal, não agrada”.

“E você, reza?”. Durante o ramadã tenta não deixar que os odores saiam de sua cozinha. Percebe a mãe que está na porta de casa e, quando ele passa, toca o filho para que o cumprimente. Ou a senhora que toda manhã, há anos, conta suas gotas de remédio. Ele para e fala com os anciãos, que lhe dizem: “Venha, descanse um pouco conosco”. E ele, missionário há tantos anos, não vive tranquilo de modo algum: que comunhão vivo com eles? Imerso na voz do muezim que, às quintas-feiras, convida à oração, caminha pelo bairro e, de repente, todos param e ficam de joelhos e, de novo, uma pergunta retorna: o que estou fazendo aqui? “Quanto mais fico, mais me sinto interrogado e levado a dar-me conta daquilo que já nos une, embora permaneça velado, prudente, mas em espera. Sinto-me chamado a aprofundar aquilo que já existe em mim, no meu ser cristão.” Há também aqueles que ousam perguntar-lhe com afeto: “E você, reza?”. “Dizem-me que o homem não pode viver sem Deus. A oração é a coisa mais bonita da vida”.
Às vezes, vai celebrar missa para os técnicos das sociedades petrolíferas na base de Hassi Massaoud, a 180 quilômetros de Touggourt, na pequena igreja de Nossa Senhora da Areia. Sobre o altar, encontrou uma oração: Tornamo-nos homens áridos nos sentimentos, pela distância dos nossos queridos. Tornamo-nos duros, por causa do trabalho pesado do deserto. Senhora, estende sobre nós e sobre as nossas famílias teu manto abençoado. Protege-nos e ajuda-nos a perseverar na fé. Volta para casa, saúda Jesus no Tabernáculo, “sozinho como eu”, e continua em silêncio a presença da Igreja que, aqui, não faltou nem mesmo nos tempos mais duros, na década de 1990, quando aconteceram os massacres. “Quando as mulheres muçulmanas rezavam para que os missionários e as freiras pudessem dormir tranquilos e não pensassem em partir”.
Como as Pequenas Irmãs de Jesus, que chegaram à Argélia há 73 anos e nunca foram embora. “Celebrar a missa com elas é o momento mais bonito do dia”, diz padre Silvano. O beato Giovanni Mazzucconi, primeiro mártir do PIME, tinha razão quando respondeu a um amigo que lhe perguntou o que ele fazia durante o dia todo: “Celebro a missa”. Escreveu em uma carta: “Um padre que reza a missa não deve, não pode absolutamente, sentir tristeza”. Padre Silvano diz que estar com as Pequenas Irmãs é um privilégio imerecido: “Elas são como mães para as pessoas daqui, inclusive dos nômades: pelo menos 10 mil crianças nasceram por suas mãos. Também para elas, a celebração é o momento no qual retomam o início e o sentido da vocação. E eu acompanho comovido quando fazem a oração da oferta, depois da comunhão: Senhor, recebe a oferta da minha vida como imolação pelos meus irmãos do Islã e do mundo inteiro”.
Vem a lembrança de Tibhirine. O Mosteiro nas colinas do Atlas, que o mundo conheceu através do filme Homens e deuses, que conta a história dos sete monges raptados e mortos em 1996. Padre Silvano esteve lá há pouco tempo e escreveu em seu blog: “Ainda estão vivos”. O Mosteiro é apenas um pequeno resquício, uma construção um pouco envelhecida e um minúsculo cemitério, mas com a força de ser um sinal do Espírito para toda a Igreja. “Fui encontrar padre Jean-Marie Lassausse, que desde 2001 é responsável por aquele lugar. Com ele, moram dois operários argelinos da vila, Youssef e Samir, e também Hubert e Anne, um diácono e sua mulher que passarão dois anos ali”. Há o quarto do prior, padre Christian de Chergé, o dos outros mártires, o pequeno consultório do médico Luc, onde atendiam os doentes argelinos, o grande jardim... E a igreja onde os monges rezavam sete vezes por dia, até os últimos instantes antes do sequestro.

A lua e a cruz. Padre Silvano escreve em Os jardineiros de Thibirine: “Aos poucos, esforço-me para entender tudo o que foi vivido aqui. Não para me tornar curador de um museu ou tutor da memória, mas para ser o sucessor de uma presença extraordinária nessa pequena vila nas montanhas abalada pelos acontecimentos”. E acrescenta: “Quero viver simplesmente experimentando ‘a alegria profunda de não ter outra responsabilidade a não ser acolher o cotidiano como dom de Deus’, como resumia padre Christian”. Ele se instalou na velha casa do responsável, passa os dias no trator, entre o rebanho e a plantação. “Tibhirine significa ‘jardim’ em língua berbere”, continua: “As estações, aqui, são duras. Reconheço que criar raízes aqui na Argélia requer muita paciência. Mas, sinto que a aventura não é vã. Misteriosamente, em silêncio, no segredo dos corações e do encontro, este jardim, irrigado pelo sangue dos monges mártires, refloresce”.
Misteriosamente, em silêncio. Assim como para padre Silvano que, em Touggourt, celebra sozinho, às vezes durante semanas, naquele espaço da antiga igreja onde mulheres e jovens aprendem a desenvolver hábitos tradicionais. Mas, no alto, ainda existe a cruz. Pequena, um pouco inclinada. Foi retirada para restauração e deixada de lado. Os vizinhos a recolocaram. “Quem sabe, um dia, a igreja voltará a acolher os cristãos e todos aqueles que o são no coração. E são mais numerosos do que se pode ver”, diz padre Silvano: “Quando entro em casa, olho para a cruz. E minha esperança cresce”.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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