Ele é um dos chamados “santos sociais”, pois, graças a à fé, fez florescer o fator humano, em situações bem difíceis. Este protagonista é um homem que não nem devia nem se tornar ter-se tornado sacerdote, mas que, “seguindo a Providência”, gerou obras capazes de “mostrar ao mundo, que é tão ateu, que Deus existe e pensa nas em suas criaturas”
“Pouca inteligência, saúde precária, vocação duvidosa”. Esse era o juízo impiedoso que alguns superiores, nos anos de seminário, fizeram daquele jovem aluno de aspecto frágil. E ele, padre João Calábria, recordando essas palavras, comentava: “O Senhor, dentre tantos sacerdotes capazes, cultos e zelosos da minha classe – e de toda a diocese de Verona, eu diria –, quis escolher justamente a mim. Sou um pobre servo às ordens da Divina Providência. Minha função consiste em manter o olhar sempre fixo nos acenos da vontade de Deus e prontamente obedecê-la”.
Quando ele, aos trinta anos de idade, revelou à sua mãe, Ângela, mulher de grande fé, o desejo de tornar-se padre, ela lhe respondeu: “Confiemos na Providência de Deus. De algum modo Ele encaminhará as coisas, se essa for a Sua vontade”. Era o ano de 1886, e seu pai Luigi havia morrido de broncopneumonia, e a mulher ficara sozinha para manter a família. A miséria batia à porta de sua casa. João teve que abandonar a escola e procurar um trabalho. Mas o jovem era um fracasso nos trabalhos manuais e colecionava uma série de demissões, tanto que um dos patrões, ao enésimo problema, exclamara: “Vá ser padre; você só serve pra isso!”.
Ângela procurou o padre Pietro Scapini, reitor da igreja de São Lourenço, para perguntar o que fazer com seu filho, que no coração carregava esse desejo. Dinheiro não têm, e a escola, o seminário, custavam caro... Padre Pietro conhecia bem a família Calábria e, sobretudo, várias vezes pôde observar e falar com João. Não teve dúvida: o Senhor o queria como operário na Sua vinha, e devemos imaginar que, naquele jovem tão caridoso com os colegas, ele entreviu algo mais. Padre Pietro ajudou a prepará-lo para os exames escolares e encontrou um alojamento melhor para a família, no quintal do Palazzo Pompei Perez. E a Providência começou a tecer a sua tela.
UM MONTE DE TRAPO. O jovem conde Francesco Perez conheceu João e, dessa amizade, floresceram muitas obras de caridade; Francesco chegou ao ponto de abandonar tudo para seguir padre Calábria. João não se destacava nos estudos, inclusive porque comia pouco e lhe faltavam forças; quando podia, dava uma ajuda à sua mãe. Mas padre Pietro, frente aos juízos negativos dos professores, contornava sempre as situações, até conseguir sua admissão no seminário. Estamos, agora, em 1894. O julgamento de admissão fora adiado porque João, por dois anos, teve que prestar o serviço militar. Inscreveu-se na Quinta Companhia de Saúde, junto ao hospital militar de Verona. Ele não sabia manejar as armas; em compensação, se dava muito bem com os doentes. Tornara-se um competente enfermeiro. Todos o chamavam; todos sabiam, inclusive os colegas militares, que podiam contar com ele. Respeitavam-no. No homem que sofria, João via a possibilidade de um reencontro com Deus. Não fazia grandes discursos; acudia-os com paixão. No hospital conheceu as Irmãs da Misericórdia, que depois convocara para trabalhar em sua obra com os doentes e as crianças.
Terminado o período militar, João se apresentou à primeira classe de Teologia. Mas desta vez, Dom Bacilieri – reitor do seminário – fora inflexível: ele precisava repetir a terceira série do curso colegial. Padre Pietro recomendou que obedecesse; e, no ano seguinte, João pode finalmente vestir o hábito talar. Continuava tendo dificuldade nos estudos; sempre que podia, visitava os doentes, junto com o amigo Perez. Fundou inclusive a “Pia Obra para socorro dos doentes pobres”. Numa noite de novembro de 1897, João encontrou na porta de casa, vestido com alguns trapos, um menino de rua a quem costumava dar esmola. “O que você faz aqui?”, perguntou. “Bateram em mim. Sempre querem que eu leve pra casa muito dinheiro, do contrário apanho. Fugi e pensei: vou procurar o padrinho”. João levou-o para dentro de casa. Ajudado pela mãe, lavou a criança, matou-lhe a fome. Mas, o que mais podia fazer? Pediu conselho ao carmelita, padre Natale, que era seu orientador espiritual. “Vamos mantê-lo na tua casa e reza ao Senhor para que te mande um sinal”, fora o conselho do carmelita. Depois de alguns dias, um senhor judeu, que conhecia bem a João, fez chegar à casa dos Calábria a quantia necessária para atender às necessidades da criança. Depois, ela foi levada a uma casa de acolhida em Bussolengo, onde recebeu o Batismo. João obedeceu ao sinal que a Providência lhe enviou. Ainda não sabia que esse era só o primeiro passo de uma grande obra que o Senhor estava preparando.
NO CONFESSIONÁRIO. No dia 11 de agosto de 1901, recebeu a ordenação sacerdotal. A quem lhe perguntava sobre a pequena capacidade escolar do clérigo Calábria, Dom Bacilieri, que se tornara Bispo de Verona, respondia: “Já admitimos muitos clérigos doutos; é hora de admitir um piedoso. Na casa do Pai há muitas moradas”.
Foi nomeado para a paróquia de Santo Estêvão, numa zona popular da cidade. Recebeu como função dar assistência aos jovens e atender a confissões. Aquele padre magrinho e um tanto pálido que gostava de conversar com os jovens tornara-se amigo deles, convidava-os para o oratório, fazia amizade com muitas pessoas, que por meio dele retornavam à Igreja e, sobretudo, redescobriam o sacramento da confissão. Suas qualidades de confessor chegaram ao ouvido do Bispo e o agora Cardeal Bacilieri confiara-lhe o delicado cargo de confessor dos seminaristas do colegial. Mas sua obra voltava-se, sobretudo, para os jovens. Pelas ruas de Verona havia muitas crianças pobres, abandonadas e quando ela encontrava uma delas, levava-a para casa, cobria-a com roupas e procurava uma instituição que pudesse acolhê-la. Pagava as despesas do próprio bolso e, quando não tinha dinheiro, pedia-o aos amigos.
Em 1907, foi transferido para a Reitoria de San Benedetto al Monte, onde havia a necessidade de um confessor sábio e piedoso. No espaço de alguns meses, a casa paroquial estava cheia de jovens. Aumentava o número de crianças necessitadas, mas também aumentava providencialmente a ajuda que chegava. Os donos das barracas de frutas da Piazza delle Erbe, ao saberem da sua obra, forneceram-lhe gratuitamente frutas e verduras. A quem lhe perguntava: “Mas onde essas crianças dormem?”, padre João respondia: “Quando o Senhor manda-nos uma criança, manda logo também uma cama”. E, a certa altura, “mandara” até mesmo uma casa. No dia 26 de novembro de 1907, era inaugurada, na rua Case Rotte, a primeira casa de acolhida daquela que, mais tarde, será conhecida como a Opera dei Buoni Fanciulli. Com os sete jovens, morava o padre Diodato Desenzani. O que o movia não era a realização de grandes obras de caridade, mas o desejo de “despertar nos cristãos a fé e a confiança em Deus Pai”. Em 1908, nas primeiras Santas Normas da Obra, mandou escrever: “Acolher e ajudar gratuitamente os meninos abandonados, para mostrar ao mundo atual, tão ateu, que Deus está presente e que pensa e cuida das suas criaturas”. Tal como hoje.
OBRAS E PROVIDÊNCIA. A Providência enviava outros sinais, que padre Calábria sabia captar. Em 1908, estava à venda o grande edifício de San Zeno al Monte. Era o lugar ideal. O conde Perez, como sempre, assumiu as despesas. Para a restauração do edifício, todos se envolveram. Antes de tudo, os jovens, mas também muitas outras pessoas ajudavam gratuitamente. Dentro da Casa, padre Calábria mandou escrever o resumo do seu programa de vida: “Tudo é possível para quem crê”. O método educativo que ele, os leigos e os sacerdotes que o acompanhavam punham em prática era sempre o mesmo: seguir um a um os jovens; amá-los pessoalmente. Não se cansava de repetir isso. Para garantir aos jovens um futuro melhor, montara um Centro de treinamento profissional. Junto à casa surgia uma escola e uma série de oficinas – sapataria, alfaiataria, marcenaria, tipografia, mecânica – onde os jovens aprendiam uma profissão.
Floresciam obras em favor não só dos jovens, como também casa de repouso para anciãos e um hospital em Negrar – na província de Verona –, um lugar de acolhida para senhoras necessitadas, uma casa para os órfãos de guerra, o Instituto Apostólico de Nazaré para os jovens que queriam ser sacerdotes. Algumas dessas obras tiveram vida breve; outras, no decorrer dos anos, se transformaram naquilo que a Providência quis.
“IRMÃOS SEPARADOS”. Em 1932, depois de uma difícil aprovação eclesiástica, a Opera dei Buoni Fanciulli fora erigida como Congregação religiosa com o nome de Pobres Servos da Divina Providência.
A fama de santidade do padre João já atravessava as fronteiras da cidade e muitas pessoas queriam conhecê-lo e estar com ele. Dessas amizades nasceram outras obras. Novas sementes.
Padre Calábria preocupava-se também com os “irmãos separados”. A palavra “ecumenismo” ainda não estava em voga, mas ele estabelecia relações com pessoas de diversas confissões religiosas. Um exemplo disso é a troca de correspondência com o escritor inglês C.S. Lewis, a quem escreveu após ler as suas Cartas de um Diabo a seu Aprendiz. Ou o relacionamento com o pastor sueco Sune Wilman. Em 1945, recebeu, na abadia de Maguzzano, o metropolita Vissarion Puiu, da Igreja Ortodoxa romena. Ao escritor Domenico Mondrone confidenciou, uma vez: “Esta é a hora de Jesus; estamos numa grande virada, é preciso que todos percebam isso, sobretudo aqueles que têm a missão de conduzir os outros, e alinhar-se com os novos tempos. É preciso rezar pelo Santo Padre, para que o Espírito Santo lhe dê luzes e graças especiais”.
Os últimos anos de sua vida foram os mais afetados por sofrimentos físicos e espirituais que ele oferecia pela Obra e pela Igreja, que via ameaçada por iminente crise. Confortava-o a amizade com o Cardeal Ildefonso Schuster, Arcebispo de Milão, que assim o descreveu: “Padre João Calábria, com a vida, os escritos e providenciais instituições, socorrendo os pobres, brilha como farol luminoso na Igreja de Deus”.
No final de novembro de 1954, informaram-no da grave doença de Pio XII. A essa notícia ele respondeu: “Ofereço minha vida pela saúde do Papa”. Padre João morreu na aurora do dia 4 de dezembro. No mesmo dia, Pio XII começara a melhorar.
Padre João Calábria foi proclamado santo por João Paulo II, no dia 18 de abril de 1999.
Credits /
© Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón