Os testemunhos, os encontro públicos, o gesto no Ginásio do Ibirapuera junto com a Associação dos Trabalhadores Sem Terra... Os três dias da Assembleia de Responsáveis da América Latina foram sinal de que obedecer a uma Presença apaixona a vida
No dia 24 de fevereiro de 2008, Cleuza e Marcos Zerbini entregaram a Associação que fundaram, já com vinte anos de estrada, a padre Carrón e prometeram segui-lo: “Encontrando vocês encontramos tudo o que precisávamos para viver”. O gesto foi realizado na Praça da Sé, no centro de São Paulo, diante de cinquenta mil pessoas e do Cardeal Dom Odilo Scherer. Não eram simples palavras. Este gesto foi fruto da seriedade com a própria experiência. Desde então, o seguimento deles tem sido exemplo para o Movimento em todo o Brasil e, aos poucos, tem ajudado a recuperar a consciência do encontro com o carisma de Dom Giussani e a responsabilidade de divulgá-lo em toda parte. E esta retomada ficou ainda mais evidente na recente visita de Julián Carrón ao Brasil.
UM ENCONTRO DE AMIGOS, A SERVIÇO DA IGREJA. O primeiro gesto aconteceu logo após sua chegada. Depois de uma viagem que durou toda uma noite, ele tomou seu café, numa manhã chuvosa de sexta-feira, num clima tipicamente paulistano, com jornalistas, intelectuais, políticos e empresários. O local era o Mosteiro de São Bento, uma das mais majestosas edificações católicas de São Paulo. Emblematicamente colocado no centro da cidade, a comunidade beneditina ali instalada continua anunciando – com sua presença discreta – que o trabalho só atinge seu sentido na oração, que Cristo continua presente, Se propondo como companhia ao homem concreto, no coração de todo aquele burburinho urbano.
O local do encontro recordava, de um lado, a história do Movimento, que sempre teve um grande apego pela experiência beneditina, pela capacidade que os mosteiros tiveram, desde a Idade Média, de gerar uma cultura cristã, a partir do encontro com Cristo, da experiência de oração e do trabalho cotidiano. Por outro lado, também recordava uma forma de estar presente e de viver a missão na cidade de hoje, uma forma de ser que caracteriza a presença de Comunhão e Libertação.
Inicialmente, o grupo presente no encontro deveria ser bem pequeno – no máximo umas 20 pessoas. Afinal, a sala – a mesma em que Bento XVI recebera as personalidades que o visitaram quando de sua estada em São Paulo no ano de 2007 – era pequena e o encontro era despretensioso. Porém, como convidar um amigo e não convidar outro? E o grupo foi crescendo, crescendo. No final, eram mais de 40 pessoas. Alguns não ficaram tão bem acomodados, mas ninguém reclamou. Era um encontro onde, apesar das aparências, dominava a informalidade e o prazer que todos sentem ao perceber que o anfitrião tem muitos amigos...
Quem eram essas pessoas? Amigos que foram sendo conhecidos no trabalho cotidiano de construção das obras, sinal marcante da vida de CL onde quer que o Movimento esteja. As obras são nossa forma de enfrentar a realidade, de responder ao desejo mais profundo do nosso coração, que nos impele para Deus, mas também nos impele para enfrentar a realidade, encontrar o outro, partindo de nossa experiência cristã. As obras ali representadas eram as mais variadas: lá estavam reitores das universidades que têm convênio com a Associação Educar para a Vida, com seus milhares de estudantes, estavam também intelectuais e jornalistas que conheceram o Núcleo Fé e Cultura, uma obra da PUC-SP e da Arquidiocese de São Paulo, mas levada adiante por membros de CL, bem como empresários que apoiam obras assistenciais do Movimento e políticos amigos do deputado Marcos Zerbini, entre outros.
Assim, um primeiro dado que emergia naquele café da manhã era o de uma amizade operativa, que enfrenta todas as dimensões da vida na cidade.Estavam ali pessoas que enfrentam, com ações efetivas, o drama da desnutrição infantil, a questão de moradia para as populações pobres, os desafios culturais que aparecem no meio acadêmico e nos jornais, o trabalho político... Aquele era um microcosmo representativo, uma amostra, da caminhada pessoal de todos dentro do Movimento. Um momento em que dizíamos aos que nos conhecem: “Sabem por que somos assim? Sabem por que fazemos isso? Porque fizemos um encontro, porque seguimos a essa pessoa, porque Cristo nos tocou dessa forma”.
O cardeal Dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo, também estava presente e deu a padre Carrón um exemplar do Plano Pastoral da cidade. Um gesto simbólico, mas importantíssimo: o Movimento está a serviço da construção da Igreja; e a Igreja acolhe o Movimento, reconhecendo a sua missão no mundo. Não vivemos uma amizade qualquer, não somos uma associação que procura se “infiltrar” na sociedade. Somos parte da Igreja, que busca testemunhar a todos aquela riqueza de vida que nos foi dada – esse é o sentido último de nosso agir.
UM CAMINHO EDUCATIVO. Diante dessas pessoas, o que diria padre Carrón? Uma apresentação sistemática das obras do Movimento, mostrando sua força e sua imponência? Ou, quem sabe, uma aula magistral, que deixasse a todos embasbacados com sua profundidade e sabedoria? Talvez fosse alguma coisa assim que muitos naquela sala esperavam... Mas padre Carrón não falou disso. Falou daquilo que, desde o início, estava no coração de Dom Giussani e, por extensão, também no seu: o Movimento de Comunhão e Libertação é uma grande obra educativa.
Nascemos tão somente disso: o desejo incontrolável que um cristão sente de testemunhar a sua fé e de educar os jovens, para que esses tenham acesso às alegrias que nascem dessa experiência de fé, possam viver essa abertura sem precedentes à realidade, que só se realiza a partir do encontro com Cristo. Para nós, esse cristão foi Dom Giussani. Mas todos nós, em nosso agir, em nossas obras, em nossa missão no mundo, somos chamados a viver essa mesma paixão educativa. É ela que explica o vigor das obras, que explicava àquelas pessoas porque elas tinham sido reunidas ali. E foi disso que padre Carrón falou.
Explicou que vivemos uma “Emergência Educativa”, pois estamos diante de muitos jovens que vivem um desinteresse pelos estudos e por tantos aspectos normais da vida e que Dom Giussani, já em 1954, quando subiu os três degraus do Liceu Berchet, entrando na escola, experimentava o desejo de que aqueles meninos pudessem encontrar alguém que lhes despertasse toda a sua humanidade, todo o seu interesse humano, toda a sua capacidade de beleza. Esta é a proposta de Comunhão e Libertação.
Assim, esse singelo café da manhã se tornou uma ocasião para que crescêssemos na consciência da razão e da finalidade de nosso agir: encontrar a Cristo aqui e agora, nas coisas que fazemos, comunicar isso aos demais e poder viver a amizade que nasce no reconhecimento de uma riqueza humana que só pode ser despertada pelo encontro com Ele. Isso se tornou mais claro para nós, mas também ficou evidente para aqueles que haviam se tornado, nesses anos, nossos amigos – mas talvez não percebessem o sentido da caminhada que fazemos juntos.
VER OS TRAÇOS INCONFUNDÍVEIS DE CRISTO. Do café da manhã, para a Assembleia dos Responsáveis da América Latina (ARAL)... Carrón se reuniu em Atibaia, a uma hora da capital paulista, com trezentas pessoas que participaram da ARAL. Este encontro foi importante, pois dentro da vida da companhia, a partir de testemunhos concretos, percebemos que nosso coração anseia por ver sempre mais “os traços inconfundíveis de Cristo na realidade”. Dentro do Movimento, olhando uns para os outros, aprendemos cada vez mais a perceber esses sinais. E a ação, a capacidade de criar obras, não se confunde mais com ativismo, porque dizemos uns aos outros o que realmente é importante, qual é a razão daquilo que fazemos. Daí nasce e se fortalece aquela amizade impensável, que faz com que alguém que conhecemos ontem seja tão vital, tão próximo a nós, que parece ter sido nosso amigo desde sempre.
Logo na primeira noite, Carrón quis começar o encontro com os testemunhos de Marcos, Cleuza e padre Aldo, para que contassem o que havia acontecido desde o Meeting de Rímini, em agosto passado. Um fato marcante é que Marcos e Cleuza, que se casaram em Assis poucos dias antes do Meeting – gesto que também foi fruto do encontro com CL –, conheceram padre Aldo Trento naqueles dias. Nasceu ali uma grande proximidade que levou o casal a visitá-lo em Assunção e rendeu um convite a padre Aldo para participar das férias de verão da comunidade de São Paulo. Assim, em janeiro deste ano, padre Aldo veio do Paraguai para dar um testemunho e passar alguns dias de convivência com eles. Em seguida, um grupo de 22 jovens, liderados por padre Julián de la Morena, foram até o seu encontro no país vizinho para conhecer suas obras e buscar uma familiaridade com o seu modo de olhar a todos. Ao voltarem, esses universitários que vinham de diversas cidades, tiveram o desejo de se ajudarem mais nos estudos, para saber dar a razão de tudo e não serem presas do relativismo. Assim, surgiu a ideia de uma Cruzada Literária.
Durante a ARAL, as intervenções tocaram temas como o problema do conhecimento, o seguimento, o juízo, o reconhecer-se necessitados. E todos foram embora ainda mais provocados a não deixar passar nenhuma provocação da realidade e, sobretudo, de identificarem uma pessoa concreta a quem seguir para não se deixarem levar pela confusão total que nos circunda. Cleuza dizia: “Conversando com uma reitora eu falava do Movimento e do seguir. E ela me perguntou: ‘se Carrón lhe mandasse tomar ferro derretido, você tomaria?’. E eu disse: ‘Sim, porque seria bom pra mim’. E ela falou: ‘Que pena, porque eu não tenho ninguém pra seguir assim’. E eu olhei para aquela mulher e pensei: este é um traço inconfundível de Cristo. E pensei como somos privilegiados no Movimento, pois temos alguém para seguir e, hoje, no mundo moderno, os outros seguem ideias, e nós seguimos pessoas”.
UM GESTO MISSIONÁRIO. Todo esse caminho não estaria completo se não testemunhasse, de forma viva, que o encontro com Cristo gera um povo grande, se torna uma realidade popular que não se restringe a um grupinho, mas se alarga e abraça a todos. Por isso, o Movimento no Brasil decidiu preparar um gesto público no domingo, dia 15 de fevereiro. O local escolhido foi o ginásio do Ibirapuera, em São Paulo, e foram convidados membros de todo o país, desde Manaus até Florianópolis. Assim, a visita de padre Carrón terminou com um encontro com mais de dez mil pessoas, membros de Comunhão e Libertação, da Associação Educar para Vida e da Associação dos Trabalhadores Sem Terra de São Paulo. A grande maioria não conhecia padre Carrón. Muitos talvez nem fosse católicos, mas todos se reuniram por causa de uma amizade que mudou suas vidas, e chegaram curiosos para saber o que significaria aquele título: “A realidade grita: Ele existe”. Bracco, o responsável nacional do Movimento, fez a introdução: “Depois daquele dia 24 de fevereiro do ano passado, aconteceram muitas coisas, muitos encontros, muitos acontecimentos! O homem simples, grande e sábio é aquele que tem alguém para seguir e aprender, e a isso (nós lemos e meditamos nos textos da Escola de Comunidade e do suplemento da revista Passos que se lê na Associação) a Igreja Católica chama de obediência. (...) Nós queremos testemunhar hoje como vivemos essa obediência, esse seguir a partir do grande encontro com Cristo e queremos testemunhar o que gerou na nossa companhia como mudança pessoal e como missão no mundo”. O momento prosseguiu com cantos da nossa tradição, como Romaria e Tocando em frente. Depois Dom Simão, Bispo Auxiliar da cidade, nos dirigiu uma palavra acolhedora, representando o Cardeal. Em seguida alguns testemunhos, evidenciando que esta mudança tem tornado a vida mais feliz.
Este encontro se tornou um gesto missionário e de anúncio. Para os novos, recém-chegados, era o anúncio e o testemunho de um encontro que mudava as suas vidas. Anúncio de que as mudanças concretas no cotidiano nascem, na verdade, de uma familiaridade com Cristo, de uma amizade que não se restringe a nossos amigos mais próximos, mas tem um respeito universal, atinge a todo o mundo – como atestavam as pessoas que haviam participado da ARAL e estavam ali presentes. Gente vinda de vários países da América Latina e da Europa, que estavam ali para compartilhar aquele momento.
Para os que já fazem parte dessa experiência há muitos anos, era também um anúncio, que testemunhava a vitalidade e a abrangência de uma caminhada. Para os que participaram dos primeiros anos do Movimento em São Paulo, ainda nas décadas de 1970 e 1980, era o cumprir-se de uma antiga promessa: a promessa de que aquela experiência que haviam começado de forma pequena e tímida fazia parte da grande construção do povo de Deus em São Paulo e na América Latina.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón