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Passos N.148, Maio 2013

SOCIEDADE - Diário de Classe

O tempo de educar

por Luca Fiore

Ela se tornou conhecida na Itália como escritora de sucesso. Mas no dia a dia MARIAPIA VELADIANO exerce a função de diretora de um instituto. Nós lhe propusemos algumas questões como: confiança dos jovens no relacionamento com os adultos, “necessidade de esperar” até aquele olhar “direto nos olhos, porque ajuda a fazer emergir ele ou ela . E nos conta também o que ela aprende (por si), se deparando todos os dias com os rostos e as vidas dos seus seiscentos alunos.

Ela tornou-se famosa na Itália pelos seus romances. Era uma debutante e chegou em segundo lugar no prêmio Strega 2011 com o seu livro La vita accanto. No ano passado saiu sua segunda obra: Il tempo è un dio breve. Mas Mariapia Veladiano todos os dias sai de casa e vai ao instituto de integração (ensino fundamental e médio) de Rovereto, do qual é diretora. Chegou lá há dois anos, após ter lecionado durante longo tempo num instituto profissional de Bassano del Grappa. Uma vida de professora de Letras. Com as satisfações e as frustrações próprias de todos os professores. Desde que se tornou um nome conhecido, os jornais lhe pedem pareceres referentes justamente ao tema da escola. Há algum tempo, no jornal italiano Repubblica, apareceu falando do tema da introdução da caderneta eletrônica: chega de cadernetas empoeiradas; agora, com um clique os pais ficam sabendo das ausências e das notas em tempo real. Uma reflexão que, sim, discutia a oportunidade do instrumento (havia mais perplexidade do que entusiasmo), mas que traía um modo de estar na escola sem conformismo. Nem desilusão. Claro, a caderneta eletrônica pode resolver muitos problemas burocráticos, mas escrevia: atenção, a possibilidade de saber tudo e de imediato pode retirar da escola uma dimensão que continua sendo fundamental também na era dos tablets e dos smartphones: a dimensão do tempo. Entre os jovens, saber que os pais conhecem tudo e de imediato sobre eles pode ser vivido como uma forma de controle, que não ativa relações de confiança.


A senhora falou do risco de se perder o que chama de “tempo suspenso”, que existe entre o que acontece e o momento em que se pode e se deve falar dele. Ao que a senhora se referia exatamente, para além da questão do caso da caderneta eletrônica?
Quem quer que tenha vivência de escola e se relacione com os jovens sabe que para os relacionamentos o tempo ajuda. E em trinta anos de escola jamais vi uma mudança repentina. Na escola, a confiança em si mesmo, a consciência do próprio valor, formam-se no decorrer do tempo, através do ir-e-vir. Algumas vezes a confiança é correspondida, outras vezes não. Mas deve haver espaço também para a confiança não correspondida. O adulto permanece ali, permanece firme e mantém a relação. Todos têm direito ao erro, a mudar, a desagradar-se. São coisas que veem com o tempo. Nós somos muito fascinados com o instante, com o tempo real. E nos casos de emergência, o instante pode ser tudo: é o instante que nos salva. Mas para um desejo, um projeto, para a construção de si, o que ajuda é o longo prazo.

Houve uma ocasião em que a senhora entendeu isso melhor ou foi de modo particular no seu trabalho?
Existe por exemplo, o momento do desafio. Há jovens que não fazem o que deveriam fazer: não cumpriram a tarefa, responderam mal, faltaram, mataram uma aula... Estamos diante da objetividade da coisa errada. E o registro de classe anota isso. Mas o julgamento não vem necessariamente expresso de imediato. Naquele momento aconteceu algo no interior de um percurso. A mudança acontece quando se deixa espaço ao tempo do pensamento. Responder à ação de um adolescente com uma reação, ainda que legítima, é sempre arriscado. Já vi muitos desses casos, várias vezes.

Quais casos?
Eu lecionei durante 25 anos numa escola profissional. Havia jovens que partiam sistematicamente em oposição à escola. Vinham dia sim, dia não. Nós sabíamos e intervínhamos. Mas nem sempre necessariamente isso se torna logo uma comunicação aos pais, ou uma decisão de tipo punitivo. Talvez esperássemos esse tempo – que eu chamei de “tempo suspenso” – no qual o jovem podia entender por si mesmo que as coisas não deviam ser feitas assim. Depois havia o momento de relatar tudo. E, de qualquer modo, nesse tempo o jovem estava sob o olhar de um adulto. É um modo de estar no limite das relações. Mas todos os relacionamentos, no fundo, estão sempre no limite.

Lembra-se de algum caso emblemático?
Havia um jovem que morava muito perto da escola, mas chegava sistematicamente atrasado. Se aplicássemos com rigor as regras, ele deveria perder todas as primeiras aulas… Mas era evidente que ele estava mandando uma mensagem. Com ele fizemos uma exceção às regras e todas as vezes reconstruímos a relação perguntando: Você entende? O que está acontecendo? Qual é a mensagem? No final, as coisas se acertaram. Mas demorou. É preciso procurar ver o que há por trás de cada pessoa. Mas, às vezes, é um problema de confiança, ligado ao ambiente.

Em que sentido?
O caso dos cursos profissionalizantes é bastante significativo. Em relação a essas escolas há um leve preconceito, e por isso com frequência chegam jovens sem autoconfiança e sem que o mundo tenha confiança neles. Chegam com a ideia de que, no fundo, estão frequentando uma escola da série B. No entanto, é muito bonito ver que quando a gente confia neles, isso gera efeito já no espaço de um ano. Funciona como capacidade de construção do eu. Tive muitos casos de pessoas em fortíssima oposição à escola que, depois, encontraram uma possibilidade de serem elas mesmas.

Por que é tão importante o aspecto da confiança?
Ter a confiança de um adulto significa ser reconhecido como uma pessoa que tem valor. Parte tudo daí. É, um pouco, o tema do olhar, que aprecio muito. Quer dizer ver quem está diante de mim, que é uma pessoa diferente do colega que se senta ao seu lado, e do outro e do outro. Reconhecê-lo. Ser reconhecido é a experiência fundante de onde parte a vida de qualquer pessoa. Parte-se daí. Depois, eles voam. Voam por si, sozinhos. Eu lembro que na minha escola de origem, que é o Instituto Remondini, de Bassano del Grappa, na época fazíamos todo o plano do instituto – era a primeira vez que se fazia isso, vinte anos atrás. Como texto inicial do documento foi aprovada uma frase que me agrada muito, que dizia: “Todo estudante é uma pessoa que vale, quaisquer que sejam os seus resultados escolares”. Ser reconhecido como uma pessoa que tem valor é o ponto de partida. Mas isso só se obtém com a confiança, não com o controle.

O que a senhora diz aos pais, para infundir confiança?
Em geral, explico como andam as coisas. Se chega a mim a carta de um pai, como me aconteceu este ano, que me pergunta de cara quais são os títulos dos professores, quais são as regras de controle, quantos incidentes ocorreram na escola, e assim por diante... Bem, eu precisaria tirar uma semana de férias para responder. E não teria bastado, porque dizendo tudo o que acontece numa escola com seiscentas crianças não se consegue tranquilizar ninguém. Ao invés disso, respondi: venha às reuniões, venha visitar a escola, veja você mesmo se existem situações de perigo e as indique para nós; fale com os professores, conheça-os... Depois esse pai se tornou representante de classe e espero que, a partir de dentro, veja que as coisas funcionam. Ou então me diga aquelas que não funcionam. Em todo caso, ver com os próprios olhos é um ótimo modo de ficar tranquilo.

A senhora escreve: quem trabalha na escola conhece a importância de olhar “direto nos olhos do aluno”. O que a senhora vê nos olhos deles?
Essa exigência, normalmente humana, belíssima, de ser reconhecido, de ser visto. Visto pelo fato de ser ele ou ela, e não um outro. Ser não “os alunos da escola”, não “os jovens que pensam isto ou aquilo”, mas ele ou ela que pensa isto ou aquilo. É um estar no meio de pessoas, é isso que a escola faz.

Mas para sentir que sou reconhecido preciso saber quem sou. E é quando vamos à escola que começamos a fazer perguntas sobre nós mesmos. Sobre a própria identidade. Já lhe aconteceu de topar de frente com essas perguntas no seu trabalho?
Sim. No sentido de que se trata de perguntas que a gente levanta sempre, durante a vida toda, inclusive os professores. Na escola, o perigo maior é o paternalismo. Pensar que sabemos o que é melhor para os jovens. Não ver, de fato, quem eles são. É uma grande pretensão, considerando o mundo que construímos! Se não acharmos que os jovens podem fazer melhor do que nós, precisamos mudar de trabalho.

O que descobriu, de si e dos jovens, no seu trabalho de professora?
A paciência. Existem trabalhos nos quais há claramente um antes e um depois. A cabeleireira, por exemplo: a gente vê um antes e um depois do seu trabalho. O professor, ao invés, muitíssimas vezes não vê logo o fruto do que faz. Às vezes não vê nunca, porque são muito raros os que veem nos dizer: “Ah! Como você foi legal!”. Talvez veem dizer no último ano da escola. Mas há exceções. É preciso controlar continuamente aquele tanto de frustração ligado ao fato de que a gente não conhece o resultado da nossa ação. O que aprendi é justamente o tempo da espera. Na minha opinião, é algo que estamos perdendo e é algo que, ao invés, deveria ser constitutivo do nosso ser. Se estou disposta a esperar é porque acredito num futuro. Quer dizer que acredito em algo que vai além do meu esforço e que a eficácia, ainda que não a veja de imediato, existirá, pode existir. O nosso não é um trabalho do tudo e depressa.

Há uma relação entre a sua atividade de escritora e a de professora?
Direta, não. Eu não escrevo histórias de escola, em sentido estrito. E não desejo fazê-lo porque tenho muito medo. Creio que seja difícil manter-se respeitoso em relação às pessoas. O grave risco de quem é professor e escreve sobre escola é o de transformar as pessoas que conheceu em personagens. E é uma operação muito difícil de fazer sem faltar com o respeito em relação aos que conhecemos. Mas indiretamente a relação existe, porque a escola é, para mim, uma academia de treinamento. À escola chega o mundo inteiro e nós, professores, somos submetidos a um bombardeio de emoções muito fortes que veem dos alunos: muitas horas diante deles e eles diante de nós. E com todas as emoções possíveis, porque eles podem escondê-las por um pouco de tempo, mas não podem escondê-las para sempre. E elas chegam e são lançadas sobre nós, como um desabafo. Eles não conseguem contê-las. Nós devemos acolhê-las e entendê-las. A escola me presenteou com a necessidade e a capacidade de fazê-lo. E é isso que eu pus nos livros.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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