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Passos N.151, Agosto 2013

VIDA DE CL / Exercícios da Fraternidade

O amor que vale a vida

por Paola Bergamini e Alessandra Stoppa

Continuamos a dar exemplos sobre o tema das lições do Padre Julián Carrón em Rímini. Da Irlanda e do Chile, até a Austrália, três homens contam a história de uma ligação da qual receberam tudo, mas em que o melhor vem agora

“COMO SERÁ QUE ME VAI SURPREENDER HOJE?”
No fundo da sala, Mauro Biondi olha ao redor: o único rosto amigo é o de um rapaz que conheceu há poucos meses na sua terra, Centuripe, que tinha lhe dito: “Venha à Catania, a um encontro com o Padre Ciccio”. Estamos em 1973, este italiano tem 15 anos, não sabe bem o que é CL, mas quando o Padre Ciccio começa a falar, só pensa numa coisa: “Como é que este padre sabe estas coisas sobre mim? Sobre o que eu desejo?”. Sempre que pode, vai de Acireale, onde está no colégio, encontrar os novos amigos em Catania. Quando acaba o ensino médio inscreve-se na faculdade de Ciências Políticas. São os anos do terrorismo, a vida na universidade não é fácil. Conta: “Não havia nada que me fosse estranho: desde o pedido para lavar os banheiros da sede, até ao trabalho político, passando pela amizade cheia de estima com os alunos de extrema-esquerda. É como quando você se apaixona: não lhe importa se vai ao cinema ou se vai passear. O que lhe interessa é estar com quem ama”. Nada é estranho, nem sequer o aviso que um dia o Padre Ciccio faz durante uma assembleia: “Há um pedido de pessoas que partam para o Brasil ou para a Irlanda”. Poucos dias depois, o Padre Ciccio lhe diz: “Conversa com o seu professor e pergunta sobre esta possibilidade de fazer o trabalho de conclusão de curso no exterior”. Ele tinha ido lá para lhe perguntar outra coisa, ir embora não fazia parte dos seus planos. Mas… Em setembro de 1980 encontra-se com Guido em Dublin. Não sabe uma palavra de inglês. “Foi fundamental. Na universidade eu tinha uma série de responsabilidades no Movimento. Resumindo, era como um chefe. E ali, pelo contrário, não conseguia pronunciar uma palavra. Isto me ajudou a não dar nada por óbvio, a estar diante da realidade. A amá-la e a fazer-me amar por Quem me tinha levado até ali. Levava no coração as palavras de Dom Giussani na Equipe dos universitários: estar em um lugar como se fosse para sempre, sem nenhuma estratégia”.
Todas as semanas traduzem algumas linhas da Escola de Comunidade para depois lerem junto com os novos amigos e no fim... um pratão de espaguete. No coro universitário encontram Margaret. A sua família é católica, como quase todas as famílias irlandesas. Mas a ela não basta. É um cristianismo sem alegria e sem razão de ser, uma coisa alheia ao humano. Fica impressionada com estes italianos que, pelo contrário, vivem a experiência cristã na normalidade de todos os dias. E um dia lhes diz: “Percebo que entre vocês há alguma coisa maior. Quero ir e ver o que é”. Na vigília Pascal de 1982, Mauro lhe diz: “Quer se tornar companheira do meu destino?”. Recorda: “Que sentido tinham aquelas palavras, visto que no mês seguinte voltava para a Sicília? E no entanto, era o que eu queria. Não podia fingir que não se passava nada. Aquele Amor não me deixava sossegado”.

MAURO REGRESSA, à Catania, Margaret vai para Milão e depois para Roma. Pensando no futuro deles, Mauro escreve a Dom Giussani que lhe responde numa carta: “Seria bonito que uma semente do CL se transplantasse na Irlanda, misturando-se naquela terra, salvo na clareza e na paixão pela fé, que lá houve em tempos passados e que agora já não há”. E, no entanto, a Irlanda era ainda um grande país católico... “Ele via muito longe. Depois de três anos sem nunca estarmos juntos na mesma cidade, quando decidimos nos casar apesar de não termos trabalho, apesar de ainda não sermos uma comunidade, a consciência, ainda que frágil, daquela frase me bastava”. Antes de partir, Dom Giussani tinha-lhe dito: “No princípio vamos ajudá-los, mas um homem precisa trabalhar, você se casa, vai para a Irlanda sem um emprego e vai viver muitos momentos de amargura, mas esses momentos vão lhe ajudar a fazer memória da razão pela qual se casam e pela qual estão ali”.
No Verão de 1986 começa o primeiro curso de inglês para estrangeiros. O primeiro escritório daquilo que se tornará o Emerald Cultural Institute é na garagem da casa deles. “Tanta ingenuidade no princípio, tantos erros. Mas, sobretudo, a minha dificuldade em perceber que aquele era o meu caminho. E, no entanto, as coisas corriam bem. Pode-se fazer tudo, mas esquecer por Quem você faz”. Em 1993, nas férias internacionais de CL, assim que o encontra, Dom Giussani lhe pergunta como sempre: “Como é que está a Margaret? Como é que você está? Como é que vai a escola?”. O Mauro, cheio de zelo, responde: “Bem, acabamos de comprar um novo prédio, mas se quiser abandono tudo”. Giussani olha para ele com ternura: “Mauro, continua, essa é a sua vocação”. “Não foi fácil compreendê-lo. Mas como diz o meu amigo John Waters: ‘Quando se abraça uma história bonita as coisas acontecem’. Não existe o problema de ‘fazer’ o Movimento, mas de estar diante da realidade que um Outro realiza”.
Agora que a Emerald é uma escola de renome, agora que os filhos cresceram, agora que há uma bela comunidade... “Agora a tenacidade com que o Carrón me acompanha no estar diante de Cristo faz com que cada instante, cada decisão a tomar, cada encontro, seja um novo início. A ponto de poder dizer todos os dias: Como será que Jesus vai me surpreender hoje?”.

“AGORA POSSO DIZER O SEU NOME”
John Kinder
descreve-se em poucas linhas e com sotaque anglo-saxão: “Batizado há 57 anos, dois meses depois do nascimento; cresci em Palmerston North, Nova Zelândia, numa família católica; era o mais velho de oito irmãos”. Mas não foi a mesma coisa para os oito. “Eu, desde pequeno que fui tomado por este amor”. Por quem? “Pelo meu destino. Que coincidia com um Deus muito grande, poderoso, longínquo. Amei tudo aquilo que O aproximava de mim. A Igreja e a sua história, a missa, a oração, os padres...”. Amava as coisas de Jesus. Até o fato de ter um rótulo, porque frequentava a escola católica, jogava rugby num clube esportivo católico e os seus amigos eram católicos. Era ali que estava o mundo deles, onde todos se conheciam, uma pequena minoria no meio de uma cultura protestante.
Faz um esforço, mas não se lembra de uma idade ou de um momento em que tenha recusado esta pertença. És perseverante e suportaste muito pelo meu nome, sem desanimar…, lê-se na passagem do Apocalipse lida nos Exercícios. Ele, assim que chega à Universidade, entra na militância católica, devido àquele apego à fé e àquilo que a fé exigia. “Mas que tudo aquilo quisesse dizer seguir um Homem, não. Não me teria parecido real...”. Cristo era tantas coisas. Era a origem de todas as ações deles, culturais e políticas, era um conceito teológico. Mas não uma presença amada. “Os únicos de quem ouvia falar de Jesus como o amigo mais querido deles eram alguns protestantes. Nós éramos mais ativos, mais intelectuais. Eles, mais emotivos”.
Aos vinte e um anos chega a Milão, com uma bolsa de estudo. “Num domingo, na saída da missa, um rapaz me dá um panfleto: o convite para um encontro de CL”. Chamava-se Antonio, ainda hoje é um dos seus melhores amigos. “Gente normalíssima, com os mesmos problemas que eu tinha. Mas falavam de um Deus encarnado na experiência: havia uma dimensão de realismo na sua vivência da fé que era nova para mim. Não era o ativismo, nem tão pouco aquele protestantismo sentimental. Não entendia, mas me sentia bem com eles”. Viveu na Itália durante quatro anos, conheceu Silvia, se casou. “Tudo no meio daqueles amigos”.
Hoje ensina História da Língua Italiana na Universidade de Perth, é responsável pela comunidade de CL na Austrália. Quando lhe pergunta como é que Cristo, com o tempo, emergiu com o Seu rosto, distinto de todos os outros, pensa, se interroga, olha ao vivo o que lhe acontece hoje. “Tenho a tentação de dizer que coincidiu com o pedido para entrar na Fraternidade, em 1993. Um momento decisivo, o do reconhecimento da forma mais verdadeira de viver a minha fé. Ou quando começou a comunidade aqui na Austrália, em 1999: uma experiência única, extraordinária...”. Tinha convidado alguns amigos para ler um livro, desafiando Deus: “Se não acontecer nada, acabo com tudo como se fossem lembranças. Se nascer alguma coisa, não perco nada”. E a comunidade nasceu, e cresce, mas ele diz: “Nem sequer é isso”. Fica em silêncio: “A verdade é que só agora estou me dando conta do meu primeiro amor”.

LEMBRA-SE AINDA de um velho artigo de Passos, com o relato de um encontro público sobre um livro de Giussani em Viena. Na plateia levantou-se um homem, protestando: “Nunca disseram o nome de Jesus”. Responderam-lhe, mais ou menos, que é fácil dizer Jesus. “Agora percebo porque disseram aquilo, mas na época me convinha: pois, é verdade, falamos do senso religioso, do mistério, da experiência... não é preciso dizer Jesus. Afastava de mim a questão que queimava”. Poupava-lhe a pergunta: quem é Cristo?
Hoje não pensa “de outra maneira” em relação a Viena; é diferente, algo que lhe acontece. “Sobre a presença de Cristo”, fala pausadamente: “Só há pouco tempo é que comecei a estar consciente da presença real da pessoa de Cristo. Desde a Jornada de início do ano que percebi que todas as minhas experiências, o falar, o fazer... no fundo é só a relação com Jesus. O Seu nome, que durante muito tempo evitei pronunciar, me vem espontaneamente. Ou então continuava a ser uma pessoa de quem falava, mas não com quem falava. Pode parecer uma heresia, depois de todos estes anos... Mas é assim. Agora me viro para trás, e digo comigo: John, olha como era. Olha como era. Aquela experiência que você vivia mais ou menos, que você se esforçava e pensava e falava... Era Ele”.

“NÃO RENUNCIEI A NADA”
Aos 23 anos, Aguayo Bolivar pode dizer que o seu sonho se realizou: é dirigente nacional do partido Democracia Cristã (DC) juvenil chilena. Não é uma questão de cargo, mas de paixão política pelos valores da democracia, como resposta às necessidades das pessoas contra a ditadura de Pinochet. Sempre teve esta tensão dentro dele. Estamos em 1982. Um dia, o seu amigo Padre Baldo Santi, dirigente da Cáritas chilena, o convida para um encontro de CL. Bolivar deve-lhe isso por gratidão, pelas vezes que lhe facilitou, por sua conta e risco, os lugares de encontro para as suas reuniões políticas. Distante da mesa, ouve a leitura Passos de experiência cristã. As palavras daquele padre italiano, Dom Giussani, o impressiona, mas tudo fica por ali. A Igreja não tem nada a ver com a vida. O cristianismo é só uma recordação fascinante, mas longínqua, ligada à infância, quando as suas avós lhe falavam de Jesus. Um ponto perdido no seu coração. A vida é outra coisa, é empenho.

NO ANO SEGUINTE, Dom Giussani vai a Santiago. Bolivar encontra-se com ele. “Valorizando a minha necessidade de justiça, de liberdade, me desafiou. Ele me fez ver que o problema do poder é sobretudo consigo mesmo. Independentemente do sistema. E depois há um ponto, a fé, que incide sobre todas as coisas, que te faz descobrir quem és. Mas Cristo ainda estava longe”. Antes de regressar a Itália, Dom Giussani lhe lança a última provocação: “Vinde e vede”.
Dois meses depois, Aguayo está em Colfosco, na Equipe dos universitários. Aqueles jovens cheios de perguntas o perturbam. Ele se estabelece em Milão, onde frequenta os cursos na Universidade Católica e a vida dos estudantes universitários. A primeira coisa que faz é ir ver a sede da DC. Estava vazia. “Enquanto que as salas onde havia encontros da comunidade estavam cheias. Havia uma tensão em relação à realidade de todos os dias: o estudo, as férias, o canto. Pouco a pouco, surgia uma pergunta: Quem é que faz tudo isto? Não podia ser fruto de um esforço, mas de uma Presença. Eis o Amor. Aquele vazio que eu sentia no Chile quando fazia política, preenchia-se aqui”. A amizade com Dom Giussani é muito forte, ao ponto de dizer: Cristo e a sua Igreja são a resposta. Na Universidade Católica, conhece a Alessandra. Apaixonam-se. Fala nisso com Dom Giussani, que lhe diz: “Agora que você volta para o Chile durante um ano, vão verificar se esta relação é para vocês”. Aguayo pensa que ele está louco. “Eu lhe repetia: ‘Fui eu que me apaixonei. Nós é que resolvemos o que temos de fazer’”. E no entanto... No entanto, obedece. Durante um ano não se veem. “Aquilo que me parecia absurdo revelou-se um dom. Aquele Amor fazia-se carne através do afastamento da nossa relação. Aquele ano foi a descoberta de uma fidelidade, de uma intensidade nunca experimentada”.

EM 1986 CASAM-SE. E depois tomam a decisão de ir morar no Chile. “Tivemos a intuição de que poderíamos oferecer aquilo que tínhamos encontrado num lugar onde havia necessidade disso. Esse lugar era o meu país”.
No Chile, a casa deles quase todas as noites se torna um ponto de encontro para os amigos. E depois, há o trabalho. Na Itália, Giussani lhe repetia: “Quando voltar, tem que fazer uma obra para dar trabalho aos seus amigos”. Mas ele não concorda. Nisso é teimoso. Retoma o trabalho na universidade até que, em 1988, a realidade o coloca contra a parede. Alguns amigos tinham feito uma escola em San Bernardo, na periferia de Santiago, mas que está com muitas dificuldades. Um dia lhe dizem: “Toma conta dela”. Ele pensa que tudo se resolverá rapidamente, encerrando a escola. Em vez disso, inesperadamente, estar com aqueles jovens o apaixona. Aquele trabalho o apaixona. Falta dinheiro, há o despejo... Telefona a Dom Giussani para lhe pedir ajuda. O diálogo para entender como intervir é duro. “Passei da filosofia ao preço dos tijolos. Eu que pensava que tinha entendido tudo, que tinha todas as cartas de acordo com os meus projetos políticos-culturais, eis que recomeçava do início. E o gosto que sentia pela realidade era impagável”.
Hoje a escola tem 2 mil alunos, é a mais importante de San Bernardo. As coisas correm bem. Se poderia ficar tranquilo. “Não é a minha maneira de ser. Agora este Amor me surpreende em detalhes que antes talvez eu não seria capaz de perceber. Como a moça que ajudei a encontrar trabalho e que agora lê Dante aos meninos. Olho para quem está olhando para Cristo. Você se torna criança porque se descobre feliz na alegria do outro”. Quanto mais envelhecemos, mais nos tornamos jovens? “Os meus ideais de juventude encontraram um porto seguro onde podem crescer. Não renunciei a nada. Tenho o gosto do cêntuplo. Que continua”.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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