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Passos N.152, Outubro 2013

MOVIMENTO - Rio de Janeiro

Em busca daquele olhar

por Caroline Baptista

Domingo às 10h30, um grupo de cerca de vinte pessoas se encontra em frente à Capela São Benedito, no Morro dos Cabritos, em Copacabana. Há vários anos, faça chuva ou faça sol, esse gesto se repete uma vez por mês levando estas pessoas pelos becos e vielas da comunidade, enfrentando muita escadaria. São amigos que, divididos em dupla, ou trios, se comprometeram a entregar cestas básicas de alimentos e viver uma amizade com algumas famílias do bairro.
É a forma como vivem a caritativa, o gesto educativo, proposto por Dom Giussani, para que o homem aprenda a se doar como gratidão por tudo o que recebe. Um ato de caridade que ajuda o próximo, mas que ajuda principalmente a si mesmo. Neste caso, ao levar os alimentos, o verdadeiro objetivo é se aproximar das famílias, para experimentar aquilo que Giussani chama de “A lei suprema do nosso ser”, ou seja, “compartilhar o ser com os outros, pôr em comunhão a si mesmo”.
Os alimentos são arrecadados por doações entre os amigos e eventualmente por alguma empresa. Eles ficam guardados na sede do Movimento, em Copacabana, e no sábado anterior à entrega, alguns voluntários se reúnem para organizar as cestas classificadas como P, M e G, de acordo com o tamanho da família. Caso falte algo eles mesmos vão ao mercado e compram o necessário para completá-las.
Com uma vida nada fácil, a moradora Andreza de Souza Matias Gomes, de 21 anos, recebe a cesta básica há 2 anos e agradece não só a ajuda recebida, mas a oportunidade de ter ganhado amigos. Andreza perdeu os pais adotivos aos 15 anos e teve que construir sua vida sozinha. A jovem conta que teve depressão, passou fome, e muitas necessidades. Hoje, mãe de três filhos – Natália (4 anos), Vitória (6 anos) e Tales (1 ano) –, apesar de inúmeros sofrimentos, carrega no rosto um grande sorriso e um coração repleto de sonhos. Um deles é retornar os estudos e depois fazer faculdade de engenharia civil ou enfermagem. Atualmente trabalha como manicure e quando tiver condições deseja abrir um mini salão de beleza em casa. “Quando eu recebi os alimentos pela primeira vez, não sabia de onde vinha. Achava que era bônus da creche da igreja em que trabalhei e fiz catecismo, até que eu recebi de novo e pensei: quem são eles que estão me ligando e trazendo comida? Então, no outro mês uma menina do Movimento que foi levar a cesta conversou comigo e me explicou tudo, falou sobre a caritativa. Eu fiquei muito feliz pela igreja ter se lembrado de mim. Eu sinto muita consideração porque as pessoas são voluntariosas com o coração. Sou muito grata. Além da ajuda que recebo, faço amigos”.
Voluntária há mais de 6 anos, Rafaela Vasconcelos fala da beleza que este gesto se tornou para ela. “Voltei para o Movimento em 2006 e comecei a fazer uma caritativa com um grupo de garotas da creche no Morro dos Cabritos. A gente passava um tempo juntas e fazíamos passeios, inclusive até hoje temos contato com elas e sou madrinha de crisma de uma. Morei um tempo na Espanha e foi lá que comecei com a caritativa do Banco de Solidariedade e agora morando novamente no Rio participo aqui. O mais incrível é que sempre vou às casas com a intenção de ajudar, mas depois eu vejo que é algo pra mim. É mais pra mim, me ajuda. É um olhar de Cristo com o outro”.

A verdadeira necessidade. Luciana Batista é uma das coordenadoras desta caritativa, ajudando a marcar as datas de entrega das cestas, fazendo o contato com os voluntários e separando os alimentos. “Para mim a caritativa é um dos instrumentos educativos que nos foi proposto por Dom Giussani para nos educar ao amor verdadeiro, ao querer bem ao outro, sem verdadeiramente esperar nada. Isso parece até um pouco de clichê, mas com o tempo entende-se bem que é assim mesmo. Eu confesso que tive uma grande dificuldade para iniciar a caritativa, por achar que logo viraria uma prisão, uma obrigação. Porém, após alguns meses de disponibilidade, de um simples sim a um amigo querido, vi o que de verdade me ajuda a dar passos na vida. Frequento essa caritativa há mais ou menos dois anos e visito a mesma família uma vez por mês levando os alimentos. Poucos, mas suficientes para ter acesso a eles”. Nesta família, a mãe se chama Sharlene, casada com Eduardo e mãe de 3 filhos: Renato, Renata e Guilherme. Todos ainda muito pequenos. “No início de nossos encontros tínhamos apenas uma mistura de ‘vergonha’, com um pouco de ‘sem jeito’, e assim não tínhamos muito o que falar. As visitas duravam míseros 15 minutos. Mas, com o passar do tempo, foi nascendo entre nós uma familiaridade, um monte de trocas, de conversas de um mês inteiro que precisavam ser colocadas em dia”. Assim Luciana testemunha aquilo que Giussani dizia aos primeiros: “A caridade é a lei do ser e vem antes de qualquer simpatia e de qualquer comoção. Por isso, o fato de fazer algo pelos outros é despojado de tudo e pode ser feito também sem entusiasmo”. E a mudança possível: “Mas o que mais me impressiona, mês a mês, é a verdadeira necessidade que eu tenho que ir lá. No começo me vinha uma pouco de sentimento de incapacidade, pois olhando as necessidades eu logo queria dar um jeito, queria resolver tudo, tirá-los dali. E não demorou muito para perceber que mesmo resolvendo todos os problemas deles, eu não resolveria o grande problema da vida deles, o verdadeiro problema da vida. Por isso a Sharlene me comove muito pela maneira como cria os filhos, de como eles são educados, de como eles se amam, de como, dentro de toda aquela dura realidade, ela continua sempre mais acreditando em Deus, agradecendo a Ele! E eu penso que o que a faz agradecer assim é aquela fé que eu ainda não tenho. Por isso cada vez se torna mais carne pensar que realmente a caritativa não é levar somente o alimento àquelas famílias, mas levar aquele abraço, aquele olhar que um dia eu pude experimentar e levar comigo sempre. Só que, ao contrário do que poderíamos imaginar, muitas vezes são eles que me dão esse olhar, esse abraço, e não sou eu como pensava no começo. Então, a minha necessidade de encontrá-los é a necessidade de encontrar com Cristo. Eu tenho necessidade d’Ele e essa necessidade fica mais evidente quando chega perto do dia da caritativa e cresce em mim o desejo de encontrá-los”.
No mês de julho, Johhanes Hugel, um visitante para a Jornada Mundial da Juventude, membro do grupo Youcat, responsável pela catequese dos jovens, participou da caritativa e acompanhou a visita em uma das famílias. Seu testemunho após a visita não foi diferente dos outros voluntários. “Foi muito impressionante ver a expressão de felicidade no rosto das pessoas. Uma coisa que percebi é que o que trazia felicidade não era só levar os alimentos às famílias, mas a companhia. O importante é levar Cristo até essas pessoas”.

APROFUNDAMENTOS
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O sentido da caritativa, de Luigi Giussani

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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