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Passos N.154, Dezembro 2013

BELO HORIZONTE - MARCO AUR

A riqueza da música

por Fabíula Martins Ramalho

O CD "No maior pique", do cantor, compositor e educador Marco Aur, mostra com sensibilidade artística, musical e poética a riqueza do universo infantil. Um universo permeado pelo desejo de ser amado e de descobrir o que cada pequeno acontecimento da vida, desde um dodói a um abraço, pode proporcionar

O mineiro Marco Aurélio Cardoso de Souza defini-se como “casado com a Kika e pai da Teté”. Para ele, “isso é a coisa mais importante, é minha referência amorosa no mundo, de onde me lanço e posso arriscar minhas aventuras e tropeços. Sou músico, faço música, mas não somente isso... Tenho um compromisso com o poético nas coisas que faço, nos versos, nas melodias, nas relações com as pessoas. Acho que a palavra é a coisa mais brilhante que o homem já inventou e gosto de adorná-la com música, destacá-la com cores sonoras”. A seguir um bate-papo com o artista que nos revelou um pouco de sua vida.

Como começou a sua trajetória musical?
Nasci em Caeté, Minas Gerais, meu pai gostava muito de movimentar a cidade. Ele gostava de show de calouros, tocava sanfona, era boêmio e envolvido com muita gente. Eu cresci nesse ambiente. Todo final de semana a seresta passava. Tinha flauta, bandolim, pandeiro, violão, clarineta. Caeté tem música para tudo: festa cívica, procissão, quermesse. É uma cidade muito sonora. Aprendi música assim. Aprendi violão, meu primeiro instrumento, antes de aprender a assoviar. Depois entrei na banda da cidade com 11 anos e aí aprendi música formalmente, tocava requinta, instrumento da família da clarineta. No interior tem isso, as crianças aprendem música dessa forma. O meu pai era entusiasmado comigo e com os meus irmãos (Nane e Tatá). Com 13 anos, comecei a tocar profissionalmente em bailes. Tínhamos uma Veraneio para levar os instrumentos e ir aos bailes. Depois, também com meus irmãos, tive uma banda chamada “Quarta Dimensão”. Fizemos três LPS. Vivenciei a época do Rock Brasil na década de 1980, com Legião Urbana, Engenheiros do Hawaii, e fui influenciado por esse momento. Depois dessa banda voltei a estudar e me formei em composição pela UFMG. Lá encontrei outros amigos: Renato Boechat, Marcelo Tadeu e Werner Silveira e aí formamos uma nova banda de rock chamada Trinidad. Comecei a trabalhar coisas mais maduras, aplicando conhecimentos que estava aprendendo no curso de composição. Nessa banda, a parte instrumental era muito forte. Escrevemos para violão, violoncelo, trompete... A banda acabou em 2007. Ficamos juntos 10 anos e lançamos três CDS. Depois fiz mestrado, focado na experiência com as crianças das obras da Rosetta (Obras Educativas Padre Giussani, em Belo Horizonte). Percebei que as cantigas de roda são fundamentais na primeira infância. São as principais músicas da infância, é uma riqueza que se proporciona para as crianças. Elas têm uma linguagem muito simples, muito de acordo com os meninos, evocam as relações amorosas, a natureza, o toque de mãos, o abraço, os animais... É uma grande possibilidade para permitir às crianças o exercício da liberdade, da escolha, da predileção.

Como iniciou o seu trabalho na Creche Jardim Felicidade?
Em 1995, quando a banda Quarta Dimensão acabou, fiquei sem emprego. Foi muito difícil para mim, passei muito aperto. Fui convidado a começar um coral lá, a trabalhar com meninos de 10 e 11 anos. Mas foi muito frustrante, os meninos não tinham a educação necessária para ficar com o professor, ensaiar, ficar perto. Então, propus começar com os pequenos para termos um coral no futuro. Deixei vir à tona as cantigas de roda. A cantiga educa, pede posicionamento, precisa de respostas. Quando se coloca o menino na roda, existe uma expectativa enorme com relação ao comportamento dele, é como um campo de força. Hoje a creche tem dois coros que passaram por mim quando os meninos eram pequenos. O regente atual dos coros é o Tatá. Quando a gente dá abertura para a música, ela é capaz de fazer maravilhas: organização mental, organização do sentimento. A boa arte dá sentido às inquietações internas, ela é um modelo, serve como um grande paradigma da Beleza, com B maiúsculo mesmo.

Como foi levar a arte para crianças e adolescentes de uma região violenta?
Eu não diferencio as crianças pelas regiões. Crianças são crianças. Crianças têm expectativas enormes de encontrar pessoas que façam uma proposta. Estão sedentas de uma proposta. A arte é curativa, molda. A proposta da música é gritante, está aí nas ruas, é como um alto falante na cabeça da gente. Isso é uma proposta, um tanto quanto transviada, e as crianças são invadidas por isso. A gente já não escolhe a música, ela é quase obrigatória. Por isso a minha proposta é mostrar uma outra faceta. Não são somente os pais que influenciam as crianças, a criança bem educada influencia o pai e a família inteira. As crianças têm a capacidade, devagarzinho, de mudar o ambiente. O ambiente é barra pesada tanto na Zona Norte quanto na Zona Sul. Para as crianças da Zona Sul não falta nada, mas falta tudo. As crianças carregam marcas para o resto da vida. Por exemplo: quando a mãe amamenta o filho, o filho não está somente se alimentando do leite, mas ele está se alimentando de uma presença. A criança não esquece. Mas tantas mães já não querem amamentar, não têm tempo.

Como é a sua experiência de trabalho? O que busca comunicar?
Com a Rosa, missionária e fundadora da creche, aprendi que uma pessoa rica de humanidade vale ouro e ela deseja essas pessoas para as suas crianças. Se a Rosa reconhece uma riqueza humana, ela paga o preço que for. Entendi que a pessoa vale pelo tamanho da sua humanidade. O que eu busco comunicar naquele ambiente, vivendo, é a positividade da vida. A vida é bonita, através da música, da percepção da natureza, da história. A doação do tempo é uma das coisas mais importantes. Uma coisa é dizer para a criança que vale a pena viver e outra é ficar ao lado dela. É tudo muito simples. O mais importante é a pessoa.

O que aprendeu nestes anos? Quais os resultados que viu?
Eu aprendi a me comunicar com as crianças. A gente atualmente perdeu essa capacidade, a gente delegou o contato com as crianças para a escola, a babá, o computador. Faço um retorno à minha infância cotidianamente. Aprendi uma linguagem muito particular, paciente, cheia de sinais mínimos, mas muito eloquente. Eu não faço um trabalho de alfabetização musical, por isso não medimos a performance dos meninos. A gente trabalha no interior da pessoa, na sua formação humana. A medida é qualitativa. Mas podemos ouvir o coral cantando. Isso é um resultado. É muito lindo ouvir os meninos cantando.

Tem alguma história marcante de encontro com os meninos para nos contar?
Uma menina chamada Samira, ela tinha 3 anos. Ela era muito quietinha e calada. Eu perguntei o nome dela e ela começou a chorar. A professora disse que ela era assim. Eu disse: “Samira, vem cá, me abraça”. E ela disse: “não”. Eu fiquei chateado, porque às vezes as crianças estão sofrendo. Comecei a brincar com ela, de mansinho: “e amanhã, você me abraça?” “não”. “E na semana que vem, você me abraça?” (...) No fim da aula os meninos vieram em cima de mim e eu fiquei ali no chão. Quando levantei, vi a Samira vindo com a professora e me deu um abraço. Eu disse: “me dá um beijo”. E ela disse: “não!”. Já era demais! Eu fiquei muito impressionado, porque ela ficou desejosa. A música te ajuda a criar um cenário novo no seu interior, algo pra te livrar das suas amarras.

Como nasceu o CD No maior pique?
A primeira música foi a da bruxinha. A gente começou a brincar, eu e minha filha, descendo as escadas: “a bruxa gosta de broche...” Fui para o estúdio, mostrei para a Kika e aí não parei mais de compor. A gente brinca muito com as palavras dentro de casa. Fiquei dois anos sem poder mexer nas músicas por conta do mestrado. Depois que acabei, eu disse para a Kika: “eu faço o CD agora ou não faço mais”. O tempo das coisas é sagrado pra mim. Já estava com o CD finalizado, quando encontrei o pessoal da gravadora Kuarup. A Ângela, minha amiga e esposa do violeiro Chico Lobo, levou o CD para a gravadora e eles gostaram. Estamos na segunda tiragem. É o primeiro CD infantil da Kuarup. Para o ano que vem acho que vai ter bastante coisa legal pra fazer.

Como é compor para crianças? Como nascem as suas composições para o universo infantil?
Primeiro, eu vejo se a música funciona na minha casa. O primeiro controle de qualidade é lá. E tem as questões muito específicas da música infantil: ela tem que ser curta; a introdução da música deve ser direta. A voz, no meu caso, num tom grave, fica forte e delicada, próxima dos meninos, pois parece uma voz de pai, de avô, meio Elvis Presley. Depois eu me transporto mesmo, eu penso nos meninos: será que eles vão gostar desse ritmo, desse instrumento? Meu critério são os meninos. Esse critério está funcionando. O meu CD está sendo muito bem recebido pelos pais. Eles gostam de ouvir com as crianças. Eles dizem: “coloquei a música no carro e não tirei mais”. Falo de questões que abrem um grande diálogo entre pais e filhos, e é aí que eu quero chegar. Eu tenho uma espada afiada e linda pra enfrentar a vida: ela é a música!




"A música brasileira tem momentos de rara genialidade. E o que dizer quando um desses momentos é dirigido às crianças? Sublime, mágico, um abraço no coração, assim é No Maior Pique, esse cd do querido Marco Aur, que sai agora pela Gravadora Kuarup, uma das mais primorosas na divulgação da verdadeira música brasileira e que acolhe a genialidade dessa criança grande, que faz ‘clown music’: música de palhaço. Alguém que no seu cotidiano de trabalho, na lida com os pequenos, se ajoelha e se curva pra ouvi-las com atenção, só poderia fazer obra prima! De uma figura humana impar, que exala sensibilidade nos sons de tantos instrumentos por ele tocados nesse cd, só se poderia esperar respeito, amor, desejo de felicidade transformados em cantigas.
Pais, educadores, produtores musicais, abram os olhos, abram os corações, abram as cabeças, olhem o que chega nas lojas, nas prateleiras, um tesouro, que pode ser oferecido às suas crianças.
Seja bem vindo – Marco Aur com o seu – No Maior Pique.”

(Chico Lobo)


O cd pode ser encontrado nas lojas Saraiva, Cultura, Fnac e tantas outras.
Acompanhe o trabalhe de Marco pelo site: www.marcoaur.com.br


 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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