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Passos N.102, Março 2009

DESTAQUE - EQUADOR

Amparito e os olhos do céu

por Stefano Andrini

Trinta anos de dor e sofrimento. Raiva de Deus. Depois, um encontro. E na vida desta mulher de Quito, Equador, entrou uma graça inesperada, que hoje a faz dizer: “O amor de Cristo foi muito grande, pois permitiu que eu não me perdesse e insistiu, até que eu me salvasse”

Salva por um olhar. Marcada por uma dor tão pesada que parecia um poço sem fundo, um imprevisto mudou a vida de Amparito Espinoza, educadora em Quito, que se dedica aos projetos da Fundação AVSI no Equador.
Amparito tem 38 anos e vive no bairro de Pisulli, extrema periferia da capital equatoriana. Teve uma infância feliz (“embora, às vezes, faltasse comida, não me faltava o afeto da minha avó, que me educou para a fé”). Depois, muda tudo e a vida de Amparito se torna uma história de suor e lágrimas. A mãe vai embora, deixando-a, então com 16 anos, com a tarefa de cuidar das irmãs menores. Trabalha como doméstica há quatro anos. Depois, o amor e a maternidade. “Minha primeira filha eu a perdi repentinamente, quando ela tinha apenas um ano e quatro meses. Foi a maior tristeza da minha vida.”
Engravidou de novo. “Eu estava certa de que o Senhor me daria novamente a possibilidade de ser mãe. Com minha filha Amanda, que hoje tem 15 anos, a felicidade voltou.” Mas durou pouco. O pai da menina vai embora para se casar com outra mulher. Depois de um tempo, volta para casa. Amparito engravida do terceiro filho, mas o companheiro vai embora de novo, deixando a mãe dos seus filhos sozinha, no oitavo mês de gravidez, com uma menina para criar, e sem dinheiro. O bebê recém-nascido também tem um destino misterioso: morreu quando tinha quatro anos, de uma doença do coração. “Naquele momento, tudo escureceu”, conta Amparito. “Fiquei com raiva de Deus. Chorei muito. Gritei. Eu lhe disse: O que você quer de mim? Se não sou má, por que me acontecem tantas coisas ruins? Não quero mais chorar, coloque-me onde quiser, mas que seja onde eu possa ser útil aos outros.”

“SIMPLESMENTE, ME ACOLHIA.” No dia seguinte, recebi um chamado de uma das irmãs do Sacro Costato, onde minha filha estuda. É uma proposta de trabalho. Amparito aceita. É assim que conhece Stefania Famlonga, responsável pelos projetos da Fundação AVSI no Equador. “Tinha o sorriso mais simpático e o olhar mais transparente que eu já tinha visto”, conta. “Logo percebi que ela não sentia dó de mim, simplesmente me acolhia. Assim, um ano depois da morte do meu filho, em novembro de 2004, comecei a trabalhar lá.”
Stefania, 37 anos, está há cinco anos no Equador. “Depois de uma experiência na Romênia, tive a possibilidade, com a AVSI, de ajudar algumas irmãs italianas que trabalhavam nos bairros periféricos de Quito. O projeto chamava-se Pelca, isto é, ‘creche em casa’. Tratava-se de encontrar periodicamente grupos de mães para ajudá-las a educar os próprios filhos. Partimos do zero. Havia apenas uma lista de crianças fornecida pelas irmãs. Eu precisava de uma pessoa que começasse comigo: me tocava a ideia de trabalhar com gente que, de algum modo, havia sofrido para conquistar um terreno, uma casa e um trabalho. Por isso, perguntei às irmãs se conheciam alguém para me acompanhar. E elas me apresentaram Amparito.”

CURIOSIDADE. Juntas, durante quatro meses visitaram todas as crianças da lista, conhecendo-as, fazendo contato com suas famílias, vendo suas situações de vida. “Logo de manhã nós nos encontrávamos na rua e dividíamos os nomes das crianças que íamos visitar. A gente se revia às cinco da tarde, sempre na rua, para contar o que tinha acontecido.” Alguns meses depois, Amparito recebe um convite para participar das férias do Movimento. “Nunca tinha visto tanta gente junta. A maioria não se conhecia, mas mesmo assim todos pareciam grandes amigos. Um encontro que mudou minha vida. Senti que não estava sozinha. Era como se aquela companhia sempre fizesse parte de mim. Isso despertou a minha curiosidade: como é que essas pessoas que não me conhecem aceitam-me como se me conhecessem? E minha filha estava feliz da vida, se dava bem com todos. Ao final das férias, pedi a Stefania mais detalhes. E ela me convidou para a Escola de Comunidade. Mas, como o lugar onde se fazia a reunião era longe da minha casa, insisti para que abrissem uma Escola também no meu bairro. Hoje temos uma Escola aqui em Pisulli.”
Até a equipe de trabalho começou a aumentar. Chegaram mais duas pessoas. “Graças às Tendas da AVSI, de três anos atrás, abrimos uma creche (Ojos de Cielo), que hoje acolhe 35 crianças; nasceram outras sete creches familiares. Uma resposta à necessidade das mães que trabalham, quase sempre obrigadas a carregar os filhos consigo. Agora têm um lugar seguro para deixá-las. Mas temos também atividades pós-escolares e algumas iniciativas para ajudar as mães a encontrarem emprego: cursos de formação, uma microempresa de corte e costura...”

NUNCA TRANQUILOS. Não esqueçamos a perspectiva da educação. “A partir de nós”, lembra Stefania. “Quando o número de crianças subiu de 280 para 550, minha preocupação era: o que fazer para chegar a todas essas crianças, a todas as suas mães? A certa altura, ficou evidente que precisávamos fazer como Jesus: escolher alguns para chegar a todos. E assim fazemos uma experiência contínua de acompanhamento. Na primeira hora de segunda-feira, nos ajudamos a encontrar o sentido daquilo que fazemos: por isso, lemos juntas o que dom Giussani nos transmitiu sobre o valor do trabalho, da caridade, da educação. E comparamos tudo com a nossa vida e, sobretudo, com o que fazemos ali.”
É o começo de uma mudança. Em poucas palavras, um verdadeiro milagre. “Às vezes, vendo as coisas que existem ao meu redor, sinto um pouco de medo”, diz Amparito. “Ali onde moro há muita violência. Há droga e mentira. Mas, pela primeira vez na minha vida, me sinto segura. Gosto da vida que levo. Preciso agradecer à companhia que Cristo colocou no meu caminho: esse encontro me ensinou a aceitar os outros tal como são, e aceitar-me tal como sou, a dar o amor que existe no meu coração sem exigir nada em troca.”
Pergunto-lhe o que mais ela deseja, no momento. “Quero que nossos corações não fiquem nunca tranquilos, para poder enxergar a realidade que nos rodeia. Para ser como Cristo vivo, que nos salvou do nosso egoísmo, enchendo a nossa humanidade com um coração pleno de amor, porque dessa maneira podemos dar aos outros, como Ele fez por nós. Hoje, posso dizer que, graças à estrada de dor, a minha vida mudou. A dor não desapareceu. É minha companheira. Porém, entendi que a morte não é a última coisa, que a morte é o início do encontro com o destino, que é Cristo. Um dia, poderei voltar a ver os meus filhos e ficarei feliz de reencontrá-los. Mas o amor de Deus foi grande, porque permitiu que eu não me perdesse. Insistiu muito e conseguiu me salvar. E acho que deve ser assim com todos aqueles que estão diante de mim.”

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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