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Passos N.158, Maio 2014

RUBRICAS

Cartas

CARO COLEGA, A MINHA FILHA DEFICIENTE É FELIZ
Numa discussão sobre a lei da eutanásia na Bélgica, a certa altura um colega de trabalho interveio dizendo que, no fundo, é justa a eutanásia dos recém-nascidos com deficiências graves, nos casos em que é evidente, desde o nascimento, que não terão possibilidade de andar, falar ou ter qualquer atividade autônoma, porque certamente nunca poderão ser felizes. Então eu intervim, contando que tenho uma filha deficiente que se encontra nas condições por ele descritas, mas que apesar disso, acima de tudo ela é feliz, e isto demonstra que a felicidade não é proporcional a um desempenho ou a uma capacidade de fazer algumas coisas de forma autônoma. A felicidade não é dada por nós. Digo-lhe que, apesar das dificuldades, para mim ela foi e continua a ser um grande dom, porque a sua evidente dependência é um chamado contínuo ao fato de que estamos nas mãos de um Outro. Depois lhe contei alguns fatos que aconteceram nestes anos em que foi evidente que a sua presença foi mesmo uma riqueza para quem a encontrou. Uma semana depois, este meu colega voltou ao assunto. Inicialmente, contou-me algumas experiências pessoais, como que para justificar as ideias que tinha expressado, mas depois concluiu: “O que você disse não pode me fazer mudar as ideias que eu tenho há quarenta anos, mas devo dizer uma coisa: não consigo afastar a pergunta de como é possível que você tenha me falado da sua filha daquela maneira e, sobretudo, como é possível que tenha tido a coragem de ter mais filhos (eu, aliás, nem sequer tinha falado dos outros filhos, porque para mim não era interessante para a discussão). Eu continuo a lembrar disso e não fico tranquilo”. Todas as outras vezes em que tinha participado de discussões daquele tipo, sempre tinha me afastado irritada, sem ter coragem de dizer nada e pensando apenas, com raiva, como era possível que algumas pessoas pensassem daquela maneira. Desta vez, para mim, foi possível encarar a circunstância com toda a verdade sobre mim, graças ao caminho que estou fazendo seguindo Carrón e o trabalho da Escola de Comunidade, porque começo a estar diante da realidade sem censurar nada. O resultado é que estou mais contente.
Anna

ENCONTROS E PERGUNTAS
Queridos amigos, em março tive a oportunidade de conhecer, em São Paulo, os cubanos Alejandro e Conrado. Eles vieram ao Brasil para participar de uma assembleia com Carrón e os encontrei no domingo antes de voltarem para casa. Conversamos durante algumas horas e eu me vi diante daqueles dois homens tão simples e humildes. Eles nos contaram sobre as dificuldades que têm e como sobrevivem em condições de miséria. Por exemplo, para o básico precisariam de 150 dólares e os salários variam de 15 a 60 dólares de acordo com a função exercida. E mesmo nesta condição, a beleza da amizade que encontraram com o Movimento floresce cada vez mais. Olhar nos olhos deles era olhar Cristo nos olhos, era entender mais o quanto Cristo me ama e ama a todos! Esse fato me ajudou a entender mais a importância da missão, pois foi o encontro com uma família da Itália que suscitou essa amizade; e percebi o valor do Fundo Comum, sem o qual não seria possível que fizessem essa viagem e eu não os conheceria. Enfim, a nossa amizade abraça a todos. Estou lutando contra um tumor, o qual me impede de fazer algumas coisas, mas ter encontrado os cubanos me suscitou várias perguntas: Como posso contribuir mais com o nosso carisma? Como vivo as amizades que me são dadas? E o trabalho? E o dinheiro?
Cirlene, Brasília (DF)

REPÚBLICA TCHECA
ATRÁS DAQUELAS GRADES AGORA TEMOS IRMÃOS

No início de janeiro, o coro da comunidade de Praga, encontrou os detentos da Rynovice. Foi um concerto de cantos maravilhoso, e depois nos ofereceram um lanche, durante o qual tivemos a possibilidade de conhecê-los melhor. Os detentos deram breves testemunhos, falando também sobre a sua experiência de fé. O que eles disseram foi enriquecido por uma mulher que eles chamam de “capelã”, uma leiga católica muito carismática que é a responsável pela pastoral carcerária. Para concluir celebramos a missa, apresentamos o Movimento e contamos a eles o que é a caritativa, a Escola de Comunidade, o coro. Uma amiga também deu um testemunho e foram 6 horas muito intensas. Na Escola de Comunidade seguinte, muitos falaram sobre isso. Milena falou da letícia de um detento, Premek, que literalmente “arde” por Cristo: trabalhou o tempo todo para preparar-nos de tudo, da comida ao café. Pequenas coisas que, na prisão, têm um valor bem diferente. Para Lucia, os detentos pareciam pessoas livres, ou melhor, como disse padre André: “libertados”. E realmente o eram, por causa do Acontecimento que os encontrou. Graças à sua conversão, à sua amizade, aos seus gestos, sabemos, como disse Lucia, que ali, temos “irmãos”.
Para nós, foi bonito ver, em um lugar inesperado, o desejo de doar aos outros o bem recebido. Vimos neles a gratidão pelo que receberam de mais precioso: a fé. Como quando um detento abraçou outro que dizia que não acreditava, e apesar disso, está com eles. A unidade não é um acordo, nasce do seguimento de Cristo, lembrava padre André. Realmente podemos dizer que encontrar os presos nos muda: faz nascer no coração o desejo de viver a unidade que vimos lá. E temos certeza de que isso é possível para qualquer um que busque os traços de Cristo.
Michal Cambel

OS DESAFIOS DA VIDA NO DIA A DIA
Quando penso em tudo que aconteceu e acontece na minha vida me vem uma gratidão imensa, pois não saberia experimentar tudo isso sem a companhia que Deus me deu no carisma de Dom Giussani. No último ano foi muito difícil a experiência do cotidiano, tanto no trabalho como na família. A Escola Agrícola, onde trabalho, quase fechou as portas. No Estado, somos uma obra de referência em educar e colocar pessoas no mundo do trabalho com práticas agrícolas, e foi um sofrimento muito grande estar diante da possibilidade de fechá-la. A situação ainda não se resolveu, mas continuo lutando com ajuda dos amigos. Quando pessoalmente olhava essa situação, pensava: “Por que isso está acontecendo?”. A resposta não chegava de imediato, mas o dia a dia mostrava os desafios da vida. Porém, eu não conseguia enxergar que tudo era ocasião para mim, para o meu amadurecimento. Tive uma crise de vesícula que me obrigou a ser operada às pressas, mas não tinha medo do que pudesse acontecer e continuei no ritmo acelerado sem descanso. Foi assim até quando o meu filho sofreu um acidente e se machucou. Era de manhã cedo quando recebi o telefonema e a única coisa que pensei foi que poderia perdê-lo. Esqueci que estava operada e fui para o hospital, não só eu, mas toda minha família. Enquanto uns cuidavam de uma coisa, outros cuidavam de outras e, assim, todos se moviam, até os amigos. Enquanto estava no hospital vendo o sofrimento do meu filho com os procedimentos que estavam realizando, eu não podia fazer nada, só esperar. Eu rezava e pedia para que ele ficasse logo bom. Ali eu senti uma impotência muito grande diante do destino. É como se você saísse de si mesma. As coisas foram melhorando, voltando ao normal e me dei conta de que as respostas que eu queria não chegaram, as dificuldades continuam, o filho não se tornou mais obediente, mas entendi que a vida tem um valor muito grande e isso me fez enxergar nestes acontecimentos o quanto sou amada por Deus, pois nada disso me fez pensar em abandoná-Lo e, sim, desejar estar cada vez mais disponível para aquilo que me é pedido, pois tudo que experimentei e fui capaz de viver não é por força minha, mas de Alguém que cuida de mim. Por isso agradeço a família que Deus me deu, os amigos do Movimento e, posso afirmar como Dom Giussani: “A fé que não pudesse ser descoberta e encontrada na experiência presente, confirmada por esta, útil para responder às suas exigências, não seria uma fé em condições de resistir num mundo onde tudo, tudo, diz o contrário”. Acredito que só a certeza da Presença de Cristo vivo no meio de nós nos faz ter essa consciência e nos dá essa força para vivermos o cotidiano com disponibilidade. Como nos lembra o Papa Francisco: “Jesus Cristo ama-te, deu a sua vida para te salvar, e agora vive contigo todos os dias para te iluminar, fortalecer, libertar”.
Darlete, Manaus (AM)

CINCO MINUTOS DE COMPANHIA VERDADEIRA
Ontem fiz Escola de Comunidade, retomando o texto da Página Um de Passos de março. Como acontece tantas vezes, quando voltei para casa já tinha "arquivado" tudo. Hoje, à saída do trabalho para o almoço, reparei que na esquina do meu escritório estava um rapaz a pedir esmola. Uma coisa me impressionou nele: a discrição com que se dirigia aos transeuntes. Tinha um papel na mão e era evidente o seu embaraço. Todos o ignoravam e também eu, quando passei próximo dele, fiz de conta que não o via. Mas não fiquei sossegado. Quando me dirigia para o carro, veio-me à mente o que disse padre Carrón na diaconia regional: “Desafio cada um de vocês a verificar se em todas as nossas respostas às provocações temos presentes todos os fatores enunciados neste capítulo. E poderemos descobrir se são capazes de despertar a pessoa na realidade”. Aqui está o ponto: a pessoa, a paixão pelo homem. A paixão de Jesus pelos homens, por mim. Se Jesus para salvar a pessoa insistia na relação com o Pai, quem sou eu para negar àquele rapaz a possibilidade desta relação? Já estava saindo com o carro, mas fiz uma coisa que até há pouco tempo nunca teria pensado fazer: voltei correndo e olhando aquele rapaz nos olhos, perguntei-lhe quem era, de onde vinha e outras coisas mais. Foram poucos minutos, mas verdadeiros, e quando nos despedimos agradeceu-me com um grande sorriso, não pelo meu auxílio econômico, mas por aqueles cinco minutos de companhia que o fizeram sentir-se uma pessoa. Incrivelmente, tinha o coração transbordante de alegria, aquele sorriso tinha-me salvado o dia: fiz experiência daquele "isto convém-vos" de que falava Jesus.
Roberto, Varese (Itália)

UMA SURPREENDENTE FAMILIARIDADE
Gostaria de compartilhar a beleza de passar as férias no Ceará com algumas amigas de Brasília: Sêmea, Érica e Cynthia. Diante da beleza das dunas, do mar, eu me admirava e pensava que esse era o valor das férias: recuperar aquela posição de estupor diante da realidade e poder repetir também: "Como é belo o mundo e como é grande Deus!". Como não reconhecê-Lo no fato que até aquela companhia me era dada por Ele? Tudo isso me enchia de gratidão e maravilha. Em Fortaleza fomos encontrar um ex-paciente do hospital em que trabalho como enfermeira, que havia realizado um transplante de medula óssea há cerca de 10 meses. A esposa ficou muito contente quando liguei e disse que estava ali. O filho veio nos buscar e mostrou um pouco da cidade, que é muito bonita. Encontramos os pais na praça das tapioqueiras, brindamos o fato de estarmos ali juntos e tiramos muitas fotos. No final, quando pensávamos em retornar, eles nos levaram para conhecer a casa deles. Era visível neles uma alegria e gratidão por nos encontrarem e uma familiaridade conosco, que eu disse a mim mesma: "Aqui está Cristo, porque esse momento é tão excepcional e ao mesmo tempo tão correspondente, que são os traços inconfundíveis da Sua Presença!". E naquela noite ficamos comovidas e gratas. Na noite seguinte, encontrei um casal do Movimento de São Paulo que agora moram lá: Mauro, Cida e os três filhos. Foi a mesma experiência de familiaridade e alegria da noite anterior, e também uma gratidão pela persistência da Cida comigo quando encontrei o Movimento em 1981. É impressionante como só a experiência de Cristo presente permite uma familiaridade que o tempo e a distância não conseguem destruir. Foi confortador ver a posição de abertura e desejo que eles têm para que todos possam encontrar o nosso carisma, oferecendo uma companhia concreta às pessoas próximas em circunstâncias imprevisíveis e inusitadas. Compartilhando um pouco o drama das pessoas dali, ficou evidente aquela canção de Beto Guedes: "Nem o sol, nem o mar, nem a linda melodia; tudo isso não tem valor sem ter Você...".
Regina Tomie, São Paulo (SP)

O OLHAR DE TIO OSVALDO. Em outubro presenteei uma tia com o livro da biografia de Dom Giussani e percebi em Osvaldo, seu marido, um olhar invejoso. Foi um instante, um rápido instante. Por isso decidi também presenteá-lo com o mesmo livro. Desde então tio Osvaldo mudou muito. Recentemente começou a frequentar também a Escola de Comunidade. Enquanto lia o livro, como desejou ouvir a voz de Dom Giussani, foi no You Tube e procurou encontrar algo. Assim, assistiu a algumas conferências de Giussani, e também de Enzo Piccinini, que é citado no livro. Aquele seu olhar discreto não me obrigaria a fazer nada. Porém, quis dar crédito àquilo que vislumbrei e carrego este fato no coração, porque testemunha o Seu amor por mim e pela minha liberdade.
Grazia, L’Aquila (Itália)


O MEU “ANJINHO” BATIZADO PELO PAPA
No domingo passado, perdi o bebê que esperava, com cinco meses. A dor pela perda, completamente inesperada, é grande. No dia seguinte, quando o despertador tocou, perguntei-me para que me levantar, e isso nunca tinha me acontecido. Eu e Mateus nos perguntávamos continuamente o que Jesus estava nos pedindo através deste sofrimento. E nestes primeiros dias já estamos experimentando que esta criança, ainda que por poucos meses e numa forma diferente da que tínhamos em mente, é um testemunho d'Ele para a nossa família. Percebo que antes de me ter sido tirado, me foi dado e, portanto, desejado. Outra coisa que tem me feito pensar muito é olhar para a fotografia do Papa Francisco abençoando a minha barriga quando fomos a Roma para o encontro com os casais. Às vezes fico com raiva por este gesto, porque eu pensava naquela bênção como uma “garantia” sobre a criança. Por outro lado, alguns amigos me fizeram reparar que aquele gesto equivale ao Batismo. Vejo como volto sempre a cair nos meus esquemas, e como, em vez disso, os planos de Jesus são diferentes dos meus. Mesmo na dor, nunca nos sentimos abandonados por Jesus. O Seu abraço desta vez não é imediato, mas existe, e isso nos dá esperança. Eis a mensagem que recebi da minha médica, fonte de contínua conversão para mim e para o meu marido nestes dias: “Querida Franci, o seu filhinho lhe foi confiado por pouco tempo. Gozou a alegria do seu acolhimento, feliz por estar dentro de você. Agora é seu para a eternidade. O Senhor volta a doa-lo como um anjinho, que vela por vocês e pelos irmãos que hão de vir. Confia-o a Maria, a mãe de todos, enquanto espera encontrá-lo, e viver a alegria eterna da comunhão”.
Francesca

NO CAMINHO DA FÉ SEGUINDO E RECONHECENDO
O que é ser “Tu que me fazes?”. Eu só sou algo que eu mesma luto em não querer ser. Sou somente um paradoxo. Mas, quando aconteceu uma Presença na minha vida pude perceber o que eu mais desejo e vi que isso existia. E vi que era verdade por uma correspondência primeiramente vivida. Como disse Giussani, a verdade quando se mostra marca para sempre. Mesmo que seja simples e em instantes. Hoje estou aprendendo a ter uma estima imensurável por essa Presença que revolucionou a minha vida, a ponto de me fazer optar por viver. E como? Aprendendo a ser disponível. Mas, como? Estando perto de quem é disponível, seguindo quem está mais à frente na fé. É o que tem me educado, ou melhor, me salvado. Enquanto era discutido os passos de como viver e como não perder os sinais, fiquei abismada em como nunca serei perfeita. Mas, logo depois pensei: “Se eu for perfeita, eu não vou querer nem sentirei falta de Cristo”. E isto para mim foi impensável, foi inaceitável no meu íntimo. Portanto, o que me tranquiliza é seguir, é responder às circunstâncias que me surgem sob a luz deste encontro. Uma vez que experimentei que Ele chegou a mim por meio de tudo que vivi (alegre e sofrido), pra mim isto é a prova de que o presente existe para que eu O reconheça e assim O glorifique.
Joanna, Aracaju (SE)


 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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