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Passos N.159, Junho 2014

RUBRICAS

Cartas

“PROFESSOR, DIGA LOGO O QUE É A FELICIDADE?”
Na mesma noite em que voltei dos Exercícios, fui a uma pizzaria com vinte de meus ex-alunos, porque nos encontramos de vez em quando por causa de um fio de amizade que nasceu quando eu era professor deles. Tenho, no coração, a ferida dos Exercícios e, nos olhos, as mulheres de Rose. Será que vou encontrar o essencial no meio da confusão de conversas e colocações de coisas que não vivi com eles e por isso não posso compartilhar? A noite começou muito mal, todos estavam debruçados sobre seus celulares enviando mensagens ou consultando o andamento dos jogos de futebol. O que estou fazendo aqui? Não desisto, a humanidade deles me interessa porque faz parte de mim. Levanto os olhos e me deparo com o olhar resignado do aluno sentado à minha frente. “Como vai?”, pergunto. “Não estou bem, estou com problemas em duas ou três matérias”, responde. “E como você vai fazer?”, indaguei. “Não sei, elas não me interessam, não fazem sentido para mim, é só estudo”. Então, eu o provoco dizendo: “Se você quiser que o estudo lhe interesse, experimente se perguntar se a sua vida lhe interessa”. Ele fica calado. Percebo, porém, um rápido movimento à minha direita. Outro aluno está olhando para mim, ouviu duas ou três palavras soltas. Viro-me para o lado dele e digo: “Meninos, o que está interessando vocês agora?”. Aquele que estava olhando para mim, disse: “Bem, professor, a escola, somos obrigados a frequentar, depois tem os amigos, a gente se encontra, é bom ficarmos juntos”. “Então, você está contente”, insisto. “Sim, bastante [advérbio que eu odeio], as coisas poderiam estar melhores”. “O que significa bastante? – continuo insistindo – Falta algo a vocês?” Silêncio, alguns pensam, outro se desloca para onde a discussão começa a ferver. “Falta alguma coisa”, ousa um que está no fundo. “Talvez a felicidade”, rebate aquele que olhava para mim. “E o que é a felicidade?”, experimento perguntar. Dessa vez, a coisa pegou. “Queríamos saber por que a gente vive”, simplifica aquele do fundo. “Sim, é verdade”, diz outro enquanto continua digitando no smartphone. A coisa se expande, falamos um pouco sobre isso. “Essa pergunta realmente interessa a vocês?” “Sim”. “Vamos, professor, nos dê logo a resposta, o senhor com certeza a tem”. Estou para fazer um discurso quando algo me faz parar. “Não” – digo a mim mesmo –, aceitemos o desafio da realidade e da liberdade. “Não darei a resposta a vocês, mas se quiserem podemos marcar outro encontro”. Chega a hora de ir. Um pequeno grupo fica, não vai embora. “Professor, o senhor podia ter-nos dito essas coisas antes”. “Eu disse, mas vocês não se interessavam, agora é diferente, vocês sentem fome daquilo que buscam”. “Professor, não nos deixe assim, por favor”. “Sim, eu os deixo assim, porém, vocês sabem onde me encontrar”. Despedimo-nos. Enquanto voltava para casa, refleti sobre o fato de que me senti armado apenas com aquilo que encontrei. Provavelmente, nos veremos novamente.
Carta assinada

O ESSENCIAL E O FUNDO COMUM
Caro Julián, tocado pelos Exercícios e pelo desejo de que Jesus seja cada vez mais o essencial, e agradecido por tudo aquilo que recebi nestes anos, decidi aumentar a cota do Fundo Comum, que há anos deixei estável, sem nem mesmo levar em consideração a hipótese de aumentá-la, mesmo podendo fazê-lo. Obrigado pela sua companhia.
Gianni

TESTEMUNHO
SERENIDADE DENTRO DA DOR

Caríssimos, não sou do Movimento, mas leio a revista Passos, que meu médico, sistematicamente, coloca na minha caixa postal. Em cada carta que leio encontro a vontade de confirmação da presença do Senhor na nossa vida. Concordo com Anna (Passos maio/2014) que finalmente conseguiu testemunhar a riqueza de vida dos jovens deficientes. Michela, minha filha, também é deficiente. E há 31 anos, vemos coisas grandes acontecerem em volta dela. A serenidade que, inexplicavelmente, toma conta da minha pequena família é um testemunho contínuo. Só é preciso acrescentar que essa serenidade não vem de nós, ela nos é doada. Uma serenidade cheia de dor. É possível? Sim, faz parte do mistério. Sei o que quer dizer, como mãe, “uma espada transpassará sua alma” porque eu vivo isso plenamente. Às vezes, é muito difícil para mim, dizer: “Seja feita a tua vontade”. Preferiria a minha. Mas, agora, eu peço isso. Agora, consigo. Porque “a quem iremos, senão a Ti, Senhor?”. Vocês todos buscam a Sua intervenção todos os dias. Procuram percebê-Lo naquilo que lhes acontece. E fazem bem, porque é assim. Mas, às vezes, não basta. Por isso, fiz uma escolha e grito: “Senhor, na maioria das vezes não te entendo, mas seja feita a tua vontade. Faz, Senhor, que eu vá até o fundo e possa te dizer no último dia: ‘Tudo se cumpriu’”.
A mãe de Michela

UMA PERGUNTA QUE DOMINA DEPOIS DOS EXERCÍCIOS
Caro Julián, foi a primeira vez que participei dos Exercícios da Fraternidade. Enquanto você falava, tive um grande desejo de voltar para a vida quotidiana, de ir trabalhar, de experimentar dentro de tudo, aquilo de que você falou. Segunda-feira, voltei ao trabalho e, durante a manhã, recebi a notícia de que não tinha ganho uma bolsa de estudos para um estágio de cinco meses em Barcelona. Minha noiva, Laura, é de Barcelona e já trabalha como professora. A ideia é de morarmos lá (vamos nos casar no dia 7 de setembro) uma vez que meu trabalho é mais flexível, porém, com a crise e a situação atual, é difícil encontrar trabalho. Então, essa bolsa de estudos teria sido uma ocasião para eu começar a me inserir no mercado. Assim que recebi a notícia, logo comecei a tentar entender onde eu tinha errado ou o que não tinha ido bem na entrevista. Quer dizer, estava ali tentando encontrar o motivo dessa derrota, tentando encontrar a solução – como você nos dissera nos Exercícios e no encontro sobre a Europa – enfrentando o problema e só, sem me aprofundar na natureza do sujeito que o enfrenta. Quando me recuperei da minha reação de irritação, apesar de tudo o que tinha acontecido naquele final de semana, não pude deixar de olhar para o que estava acontecendo à luz daquilo que você tinha nos mostrado. Tinha muitas coisas para fazer naquele dia e a bolsa de estudo, mesmo que eu ficasse ali analisando todas as hipóteses, de qualquer forma, não a receberia. Então, comecei a fazer o que tinha para fazer, não resignado, mas entrando em diálogo profundo com o Senhor, dizendo: “Não entendo por que você me pede isso, é para meu amadurecimento e tenho certeza disso por causa do caminho que fiz até aqui, mostre-se naquilo que eu vivo agora”. Foi exatamente essa necessidade que dominou aquele dia e continua a dominar esta semana. À noite, telefonei para Laura e lhe contei o que os Exercícios tinham sido para mim e como, a partir de um apaixonar-me por Cristo, me redescobri ainda mais apaixonado por ela. Enquanto eu falava, percebia que estava um pouco abatida e imaginei que fosse por causa da bolsa de estudos; então ela me disse: “Tudo bem, porém, por que o Senhor nunca nos dá aquilo que desejamos?”. Ali, ficou evidente o passo que me era pedido: aquilo que você descreveu como a purificação, ir ao essencial. Ficou evidente a necessidade de compreender onde recolocar o desejo: na imagem que temos ou naquilo que o Senhor faz acontecer? Este não foi um passo abstrato. Dou um exemplo: depois de ter rezado as Laudes nos Exercícios, fiquei tocado com a beleza de um gesto tão simples e, agora, comecei a rezá-las no metrô enquanto vou para o trabalho.
Michel

ATRAÇÃO IRRESISTÍVEL
Esses dias vividos nos Exercícios Espirituais dos universitários permitiram aflorar muitos questionamentos, dúvidas e reflexões sobre a forma como eu estava lidando com a minha vida inteira. Existe em mim uma tendência natural a me paralisar frente à constatação do meu limite, dos meus erros, das minhas frustrações. E é sempre isso que faz com que eu me mantenha afastada de tudo: Igreja, Movimento, amigos... Quando isso acontece, posso notar em cada segundo de traição a mim mesma, o quanto isso machuca e contribui para que eu leve minha vida de qualquer jeito, sem propósito, sem sentido. Diante daquilo que eu via acontecer nos Exercícios, duas coisas me provocaram a pensar sobre essa minha resistência a aceitar o amor de Cristo apesar de todos os meus defeitos: a primeira é que era impossível não notar a saudade gigantesca que eu sentia, todos os dias, de viver com a mesma intensidade de antes, de aceitar o amor que me é oferecido gratuitamente; a segunda constatação era a que se a razão da minha vida fosse ser uma boa pessoa ou uma boa católica, minha vida estaria completamente perdida, pois por mais que eu fosse ótima, nunca seria suficiente. Mas isso era completamente enganoso, levando-se em consideração que meu coração continua gritando pelo sentido de tudo. Padre Inácio levantou questões que me possibilitaram fazer um trabalho sobre aquilo que é mais urgente em mim. Pensando em “Como posso viver minha vida sem me perder?” e “Qual a minha tarefa na minha vida e no mundo?”, pude perceber como eu viva uma radicalidade enorme. Eu tenho necessidade de me empenhar completamente em tudo que faço. Percebi também que eu sempre era alcançada pelo olhar de amor e misericórdia de Cristo, mas que, mesmo assim, não me permitia receber esse amor, pois me limitava aos meus erros. Eu desejava bastante toda a intensidade de vida com que me deparava, mas ainda não conseguia entender que nada dependeria de um esforço pessoal meu. Fiz-me uma pergunta que me atormentou durante todo o tempo lá nos Exercícios: “O que falta para que a minha experiência e essa percepção de que sou amada infinitamente consigam fazer com que eu me mova e persista?”. Alexandre me provocou de diversas formas, e o que mais guardo comigo é o quanto ele me ajudou a entender que minha experiência não vai depender de um esforço pessoal meu, mas da minha abertura à atração com que Cristo vem ao meu encontro. E, realmente, tudo de mais bonito que me aconteceu até hoje foi um simples maravilhamento diante de um fato que acontecia, diante de Cristo que acontecia. Pelos testemunhos que ouvi lá, e também com a companhia do Bracco, passei a olhar a amizade de uma forma diferente. Sempre vi a amizade como algo que ajuda concretamente na vida, mas dessa vez percebo que “ceder à atração por Cristo” significa estar próximo a esses amigos, pois são instrumento d’Ele. É através do olhar deles que percebo o olhar de Cristo na minha vida. Diante de todas as provocações, surgiu em mim um desejo imenso de deixar-me ser atraída, de ser como João e André, que simplesmente corriam ao encontro de Cristo, pelo encantamento que Ele provocava neles. Surgiu em mim uma alegria e uma paz indizíveis, pois pude perceber o quanto o amor e a misericórdia de Jesus é maior do que tudo de errado que eu possa ter feito na vida. Surgiu em mim a certeza de que minha vida é definida pela aliança e pelo relacionamento diário com o próprio Cristo. E é dessa forma que consigo “viver a minha vida sem me perder”, dessa forma que reaprendi nos Exercícios, deixando-me ser atraída, provocada, silenciada diante da beleza que acontecia independentemente da minha vontade. Como nos disse a música: “Foi um rio que passou em minha vida, e meu coração se deixou levar...”.
Mariane, Aracaju (SE)

UM CONVITE À LIBERDADE
Um dos gestos marcantes pra mim foi a Via Sacra na Sexta-Feira Santa. Neste ano, tivemos como proposta fazê-la na Avenida do Imperador, principal corredor comercial da cidade. As tarefas foram fáceis, pois compartilhadas entre os amigos, e toda a organização corria conforme planejado. No final da tarde de quinta-feira, fiquei sabendo que o comércio abriria, mesmo sendo feriado. E isso significava muita gente na rua, calçadas lotadas, lojas fervilhando de gente, caos no trânsito, como habitualmente acontece nas vésperas das grandes datas. E a minha pressuposta perspectiva de calmaria foi por água abaixo. Qual seria a reação das pessoas: Aceitação? Repulsa? Banalização? Nunca antes havia me exposto assim. Esta notícia estranhamente deixou-me incomodada. A única hipótese seria escancarar o olhar e retomar aquele desejo inicial com o qual havia me empenhado no gesto, para que pudesse enfrentá-lo integralmente, acolhendo também um fator que não estava em minhas mãos... Então, pedi para ser simples e estar disponível para ver a novidade que entraria naquilo tudo. Nunca tive tanta consciência de que aquele gesto era para mim, não para os outros. No dia, cheguei cedo ao ponto de encontro e carregava as minhas perguntas – Por que estou fazendo este gesto? Por que vale a pena este sacrifício? Qual é o meu interesse aqui? – e a curiosidade de ver em ato como seriam respondidas. Ao longo do percurso, com os olhos fixos na cruz e no movimento ao nosso redor, sucessivos acontecimentos: idosos que tiravam o chapéu e faziam o sinal da cruz, senhoras que acompanhavam alguns passos na Ave-Maria, muitas pessoas que paravam para contemplar uma ou outra estação, jovens que tiravam o fone do ouvido ao interceptar o cortejo, lojistas que corriam à porta para verem o que estava acontecendo e nos esperavam passar, tantos que se puseram em marcha conosco até o encerramento, o gerente de loja que desligou o som quando paramos para uma das estações. Enfim, pessoas normais transpassadas pelo que acontecia e não puseram resistência. Foram interceptadas, surpreendidas, convidadas a aderir àquela estranha beleza, como uma novidade, tal como eu. E respondiam à provocação ao seu modo e, depois, seguiam adiante. Como ficaria este depois, estava sob a liberdade de cada um. Em suma, algo que também fugia a minha lógica, um mistério que me fazia pedir novamente, agora por aqueles com os quais cruzava o olhar naquela rua. Em uma das últimas estações, em um local mais tranquilo e silencioso, passamos por um rapaz, sentado em um banquinho e mexendo no celular. Chamou a atenção que, apesar do nosso som, do número significativo de participantes que cantavam e rezavam, ele não levantou sequer o olhar. Pensei: aquele, muitas vezes, sou eu! A diferença é que fui alcançada por Alguém que me prefere agora, e por isso, me desperta constantemente das minhas distrações e dos meus interesses pequenos. Aprendi algo novo naquele dia: a liberdade joga-se neste drama de aceitar a seguir esta curiosidade desejosa da Verdade, que é toda pedido. O mundo corre e eu corro junto, mas sou diferente: aconteceu-me encontrar o Ressuscitado e é isso o que me define. Não penso que realizar esta Via Sacra tenha sido apenas um ato de coragem, mas de audácia. Fomos audazes para muito além de qualquer medida, medo ou censura. Por quê? Porque não estamos sozinhos, não fomos abandonados à nossa condição mortal, à nossa impotência, ao nosso nada. A última palavra é o acontecimento de Cristo ressuscitado que reacontece aqui e agora. E o que mais desejo, para mim e para os meus amigos, é que jamais fiquemos tranquilos e ajudemo-nos a não ter medo de levar esta novidade da fé ao mundo.
Fabiana, Petrópolis (RJ)

PEREGRINAÇÃO
“Deus sempre nos surpreende”

Este ano a nossa peregrinação a Fátima com o grupo dos colegiais foi uma experiência extraordinária. Acompanhava-me a frase do Papa Francisco: “Deus sempre nos surpreende” e talvez por isso esses dias foram verdadeiramente únicos. O percurso deste ano era pelo meio da natureza, rodeava-nos uma beleza imensa, que se tornava mais presente do que nunca nos momentos de silêncio. O que me impressionou mais nessa beleza foi o fato de poder encontrar nela aquela “única coisa necessária” que se torna fundamento de tudo o que fazemos, Aquele que me faz deixar de andar inquieta e perturbada com muitas coisas, focando-me apenas no essencial. Durante a leitura dos textos, nos testemunhos e nos momentos de silêncio, tudo ajudava a pensar seriamente em cada uma das coisas que iam acontecendo e, assim, durante aqueles quatro dias, pude viver melhor e ter plena consciência da minha vida. Deste modo, me deparei fortemente no fato de Deus ser “uma presença encontrável” e que O tenho descoberto cada vez melhor seguindo esta companhia. Deixando-me surpreender, indo e vendo como João e André, tenho verificado ao longo do tempo que seguir um Outro é possível, satisfazendo o enorme desejo de uma vida extraordinária!
Laura, Lisboa (Portugal)

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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