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Passos N.159, Junho 2014

DESTAQUE / PAPA FRANCISCO - O PRIMEIRO ANO COM ELE

Voltaram juntos ao primeiro milênio

por Alessandro Banfi

Foi Ratzinger que imprimiu uma reviravolta radical. Uma renovatio que leva a Francisco

Há oito séculos que não acontecia nada parecido. Desde aquele remoto ano de 1294, em que Celestino V reuniu os Cardeais ao seu redor e praticamente se despojou, fisicamente, literalmente, das suas vestes de Pontífice para se tornar um monge como os outros. Um gesto de humildade e de fé, ditado por aquilo a que os historiadores chamariam a ânsia de renovatio típica da baixa Idade Média. Nos anos que virão, provavelmente nos séculos que virão, a decisão de Bento XVI será recordada como o ato mais corajoso e inesperado da história da Igreja do século XXI.
Será possível interpretar, ler, compreender verdadeiramente a extraordinária força do Papa Francisco, o “estrangeiro” entre os “papáveis”, segundo a imprensa secular de todo o mundo, o Cardeal Jorge Bergoglio, contrapondo-o ao seu predecessor. A continuidade é profunda, sólida, talvez até mais do que a vontade dos dois protagonistas. A serena, firme, pacata decisão de Ratzinger de entregar o seu mandato nas mãos dos Cardeais é verdadeiramente um “despojamento franciscano” (o seu sucessor talvez não pudesse deixar de se chamar Francisco).
O que vem a ser este desejo “franciscano” de renovação? É o regresso à lógica do primeiro milênio do cristianismo, em contraponto com a sedimentação medieval. Foi Ratzinger que imprimiu à Igreja esta reviravolta verdadeiramente radical. Abandonar a defesa, cada vez mais difícil, das consequências de uma fé cada vez menos vivida. Abandonar a auto-sustentação de algo incrustado, sedimentado, que se tornou instituição já sem vida. Recomeçar como se já não existisse mais nenhum cristão na terra, como os cristãos do primeiro milênio, voltar a ver tudo como “consequência do Amor”. Voltar a olhar para o mundo como alguém como Santo Agostinho o olhava.

“Subir ao monte”. Bergoglio, também nisto, é fruto da escolha de Ratzinger. Não apenas e não tanto porque, misteriosamente, o seu destino pessoal se cruza nos dois conclaves de 2005 e de 2013. Sabemos, de fato, a partir de uma reconstituição, semi-oficial, da eleição nove anos atrás, que Ratzinger foi eleito depois de Bergoglio ter renunciado. E é evidente hoje que Bergoglio se torna Papa depois da renúncia de Ratzinger. Mais radicalmente, Bento XVI justifica a sua decisão revolucionária com a necessidade de enfrentar uma passagem histórica da Igreja no clima que vive. A palavra-chave do seu Pontificado é “purificação”. Primeiro, a purificação da razão, depois a purificação da fé.
Ratzinger volta a entregar a Igreja ao seu Senhor. Ele, que diz de si mesmo, na entrevista a Peter Seewald, publicada no livro Luz do mundo: “Não sou um místico”, no último Angelus do seu Pontificado dirá explicitamente: “O Senhor me chama a ‘subir ao monte’, a dedicar-me ainda mais à oração e à meditação. Contudo, isso não significa abandonar a Igreja, mas o contrário”.
Ratzinger sente a necessidade imperiosa de uma obra de purificação que chegue até à própria função do Pontífice, do Bispo de Roma. Intui que uma retomada, um novo início, passa através de uma “derrota”, de uma renúncia, de uma cruz.

Perguntas e respostas. Não é por acaso que o extraordinário olhar de Francisco sobre o mundo é como a manhã do Sábado Santo depois da Quaresma. A passagem entre os dois Papas acaba por se sobrepor ao tempo litúrgico da Paixão e da Ressurreição. Uma Páscoa para recordar, a de 2013!
Claro que Bergoglio tem o seu temperamento e a sua sensibilidade particular, também eles imprevisíveis e inesperados. É fácil sermos desviados pela aparência e pelo jogo de imagens. Muitos católicos (de profissão, sobretudo) irritam-se quando ouvem os “de fora” dizer: “Este sim, finalmente…”. É um erro, ainda que compreensível, ficar desiludido diante deste tipo de afirmação. Quem crê devia saber que é o Senhor que faz existir a Igreja, não nós, e nem sequer os Papas. E é uma verdadeira Graça a imediata capacidade de diálogo com todos que o Papa Francisco reacendeu no coração dos homens de hoje.
Porém, também a razão, “alargada” pela fé, deve nos ajudar a compreender: todas as reformas “práticas” que o grande Francisco está trazendo à Igreja podem ser lidas como outras tantas respostas às perguntas feitas por Ratzinger. Quem levou a sério a decisão de Bento XVI e a olhou em profundidade, estudando-lhe as motivações e as consequências, encontrou Francisco. Sobretudo naquilo que é cada vez mais claramente o coração da sua missão: um chamado radical ao essencial, ou seja, a Jesus Cristo.


 
 

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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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