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Passos N.161, Agosto 2014

DESTAQUE

"O que você ganha com isso?"

por Luca Fiore

A Universidade de Maryland fica a poucos quilômetros de Washington DC. Não é exatamente o fim do mundo, mas, aqui, chegam pessoas de todos os cantos do planeta. Por uma estranha dinâmica, alguém a chamou de melting pot (caldeirão de etnias). As periferias se entrelaçam num centro, como as pontas amarradas de um lenço. Misturam-se asiáticos, latino-americanos, africanos, árabes. Se esse fenômeno soma-se à secularização difundida, a missão, para quem permaneceu cristão, não precisa ser feita no outro lado do mundo, mas aqui, no campus.

Uma noite, no jantar. Vejam Camila, por exemplo. Desde 2012, faz doutorado em Economia. Ela, nascida em Porto Rico, trabalha com Ernest, um pesquisador da Costa do Marfim. Um dia, ele pergunta se ela tem um marido. “Não, não sou casada. Sou Memor Domini”. Ernest pergunta o que isso significa e Camila explica que dedicou sua vida a Cristo. Ele, que se formou em Economia, responde como um economista: “Isso não é possível, porque é preciso ganhar alguma coisa, senão, não tem sentido”. “O que ganho, é que sou feliz”. “Mas você não pode ser feliz sem uma família, marido e filhos. Eu sou africano e, entre nós, todos têm filhos, até alguns padres...”. Camila percebe que a conversa está se enrolando e muda o discurso: “Desculpe, mas parece que eu não sou feliz?”. “Não, você é feliz, mas o que você diz é insustentável”.
Como Camila tinha previsto, logo a “notícia” se espalha entre os colegas. Assim, durante um jantar, o assunto sobre a sua opção de vida vem à tona. Junto com Ernest, está Adviye, uma amiga turca, e Isaac, um indiano com quem Camila nunca tinha falado antes. “É verdade? O que são os Memores? Por que você é Memor?”, perguntam os dois. Camila começa a explicar, mas Ernest, muçulmano, a interrompe: “Você sabe que isso vai contra a vontade de Deus? Deus disse ‘crescei e multiplicai-vos’... Você vai contra Deus e diz que faz isso em Seu nome”. “Sim, mas isso é o Velho Testamento: depois, veio Jesus”. O marfinense dá um soco na mesa: “Foi para isso que serviu Jesus? Foi Jesus que começou essa coisa?”. Os outros dois, ouvindo essa conversa, ficaram desorientados. Não têm ideia do quê se está falando. Antigo Testamento? Novo Testamento? “A Bíblia realmente diz isso?”. Depois, Isaac pergunta a Ernest: “Por que você acha que não pode ser possível amar tanto a Deus a ponto de dedicar a Ele toda a vida?”. A pergunta fica no ar. O jantar termina e os quatro se despedem.
“Que o Destino não tenha deixado o homem só, para mim significa que Ele está conosco e nos espera”, explica Camila: “Ele vem ao nosso encontro em qualquer lugar que estejamos e não importa o que estamos fazendo. Esses meus amigos podem não saber dar um nome àquilo que estão buscando, mas Cristo se abaixa e vem tomá-los através das pessoas que Ele alcançou. Através da minha carne, colocada ao lado da deles. Deus procura o coração do homem. Eles procuram uma amizade e eu, no relacionamento com eles, entendo o que é a Misericórdia, porque me ajudam a ver a beleza que é doada à minha vida”.
Depois de dois meses, Isaac volta a procurar Camila. Diz a ela que há anos deseja criar um centro para ajudar os pobres a irem à escola. “A única coisa que ele sabia de mim era que decidi dedicar a vida a Cristo. Provavelmente não tinha sequer entendido o que isso significa. Quando digo que sou católica, muitos não sabem bem o que isso significa. Eu não sabia se ele era cristão ou não, mas, entre todas as pessoas que conhecia, veio pedir ajuda a mim”.
Isaac fica contentíssimo quando conheceu os padres da Fraternidade San Carlo, que oferecem um serviço de reforço escolar na paróquia deles, em Washington. Ele e Camila começam a ensinar matemática para os jovens. “Tornamo-nos amigos, nós, que antes, nos conhecíamos apenas de vista. Precisei renunciar a algumas atividades para poder fazer esse gesto com ele. Fiquei muito impressionada, eu dizia a mim mesma: Ele é casado, tem filhos e, no entanto, deseja uma paternidade que vá além dos filhos naturais...”. Mas a coisa que mais surpreendeu Camila é o encontro de Isaac com um dos padres da paróquia.

“É um obstáculo?”. O padre ex¬plicou: “Esta é uma igreja católica e os pais dos jovens pedem que nós os eduquemos à fé, não que apenas os ajudemos com a matemática. Portanto, o momento de estudo começará com uma oração. Isso é um problema? É um obstáculo para que você nos ajude?”. A resposta foi uma surpresa, tanto para o padre quanto para Camila: “Os jovens pertencem a esta comunidade e eu não sou capaz de ajudá-los a crescer na fé de vocês. Não, não me incomoda, mas eu preciso que vocês sejam capazes de fazer aquilo que eu não posso”.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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