Eles vivem na periferia da cidade, ao lado de um córrego fedorento e insalubre, em cima de um aterro sanitário ou um pântano transformado em um aglomerado urbano miserável. Em regiões da cidade de Buenos Aires que ninguém considera, ou considerava, até que algumas famílias de sem-teto se instalaram. Escolheram viver em um lugar onde as pessoas vão porque não têm para onde ir. Nenhum deles nasceu ou cresceu ali. Mas, pelas ruas, se distinguem apenas pelo colarinho clerical e porque, onde quer que passem, todos os cumprimentam chamando-os simplesmente “Padre”.
Desproporção. São os curas villeros, um grupo de padres que o então arcebispo de Buenos Aires, Jorge Bergoglio, apoiou e acompanhou como a nenhuma outra realidade pastoral da Diocese. Um deles, Carlos Olivero, conhecido como Charly, participará do Meeting 2014 e contará como experimenta que o Destino não deixou o homem sozinho, nem mesmo na miséria material e existencial mais extrema.
“Tanto o agir como o modo de pensar e a espiritualidade do grupo de padres são atravessados pelo reconhecimento da presença e da autoridade de Deus no povo, nos mais pobres, nas situações mais marginalizadas”, diz a Passos padre Charly, como todos o chamam. Tem 38 anos e há mais de dez vive entre os mais de 50 mil habitantes da Villa 21-24, no bairro de Barracas: a mesma região onde padre José María “Pepe” Di Paola, convidado do Meeting 2013, desenvolveu uma grande atividade religiosa e social e de onde precisou sair por causa da pressão dos narcotraficantes. Desde o início de sua presença, padre Pepe encontrou a ajuda de Charly que, na época, era um irrequieto seminarista. “Enquanto estava no Seminário, em 2001, sentia uma certa desproporção entre a vocação à totalidade e a realidade eclesial daquele lugar, bastante fechada”, conta: “Desejava ir morar na paróquia de Pepe. Bergoglio me autorizou a fazer isso e a frequentar as aulas do Seminário. Fui, e depois que você vai à Villa, não consegue mais ir embora”.
O ponto de partida. Charly viu crescer muitos dos adolescentes que, hoje, se drogam. Alguns deles foram seus alunos de catecismo. Sofre a mesma dor de um pai natural quando algum de seus “filhos” cede à tentação do dinheiro fácil; e ainda mais quando algum decide tirar a própria vida porque vê diante de si um caminho sem saída nem significado. Vê com tristeza como uma avó decide vender droga para poder manter seus netos, abandonados pelos pais... Mas, ao mesmo tempo, fica feliz quando um pai de família o chama para contar que sua filha encontrou um trabalho, ou quando um rapaz que toca na banda da paróquia pede para fazer a Primeira Comunhão.
Diante do título do Meeting, fica à vontade. “Nos lugares dominados pelo poder se projeta um mundo individualista, de solidão, diferente daquele que se vive nos ambientes populares, nos quais a fé viva coloca em primeiro plano valores como hospitalidade, o sentido de celebração, ou outros, que são valores cristãos, muito mais humanos do que o bem-estar. Pensar que o Destino não deixou o homem sozinho, sobretudo os mais marginalizados, significa acreditar que os mais pobres são depositários de uma revelação particular de Deus, e que a resposta é um relacionamento de comunhão”.
O reconhecimento da presença de Deus nos pobres é, segundo padre Charly, “o ponto de partida de tudo”. Por isso, como o Papa, repete que “o pobre não é alguém que deve apenas
ser ajudado, mas alguém de quem podemos aprender e com quem devemos entrar em comunhão. Esse é o fundamento da confiança entre nós”. Charly reconhece que aprendeu isso “na carne” quando, em 2009, abriram a primeira fazenda na qual reuniram alguns toxicodependentes para um caminho de desintoxicação e de trabalho sobre si.
Pedra angular. Viu-se sozinho com seis deles. “Ali, dei-me conta de que o controle era uma ilusão. Podiam me enganar facilmente, se quisessem. Não podia considerar a minha capacidade de controle e, então, me apoiei na escolha que eles tinham feito, aceitando estar ali. Esse foi o primeiro passo de aprendizado: escolher dar crédito. É um caminho mais lento, mas os passos que os jovens fazem são escolhidos e abraçados. Entendi isso no tempo e esforçando-me para não pretender impor a minha maneira de ver. É bonito aprender um amor que não tem a pretensão de tomar posse do outro; um amor crucificado, paciente, que permanece no tempo e dá frutos belíssimos”.
Entre esses frutos está o sucesso do programa de recuperação de toxico dependentes criado a pedido de padre Pepe com o nome da obra do santo chileno Alberto Hurtado, Hogar de Cristo (o lar de Cristo). Hoje, esse programa se desenvolve através de centros diurnos em quatro villas e em três fazendas, e é copiado por outras Dioceses e por organismos estatais. Prevê a existência de um centro no bairro onde toda a comunidade é envolvida e faz com que aqueles que já abandonaram a droga se tornem protagonistas da ação de recuperação.
“A questão está toda aqui: a pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular”, diz Charly. “Eu não ajudo ninguém. Eu é que preciso desses jovens, porque são a minha família e porque eu sou frágil. A fragilidade minha e deles nos torna irmãos”.
(Colaborou Victor Primc)
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