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Passos N.165, Dezembro 2014

RUBRICAS

As cartas

A SURPRESA DE UM ACONTECIMENTO
Conheci o Movimento na Paróquia Bom Pastor, Tijuca, em 2011. Nunca fui uma pessoa religiosa. Pelo contrário, não acreditava em Deus. Apenas acompanhava minha namorada, hoje esposa, nas missas de domingo. Sempre me senti perdido no mundo, sem saber o que eu queria da vida. No início da caminhada no Movimento, logo percebi que havia algo que me atraía, mas não sabia bem o que era. Senti aquela euforia do primeiro encontro. Procurei o padre Paulo e falei do meu interesse em receber os sacramentos da Comunhão e do Crisma. E assim foi feito. No entanto, mais tarde, senti que aquele caminho já não me entusiasmava mais. Passei a viver de forma bastante superficial a tudo que se propunha, e, então, veio a aridez, a incerteza. Um dia, saindo da Escola de Comunidade, minha esposa, percebendo a minha indiferença, perguntou como seria a minha vida se eu deixasse o Movimento. Respondi que eu continuaria minha vida normalmente, pois achava que não precisava mais daquele lugar. Logo em seguida, vieram as férias nacionais do Movimento, no último mês de julho, em Angra dos Reis. Não sentia vontade de ir, mas, a convite de amigos, resolvemos, minha esposa e eu, que iríamos com o coração aberto, sem planos. E, para a minha surpresa, novamente aconteceu! Não sei explicar. Lembro-me de algumas coisas e pessoas que encontrei. Lembro quando rezamos o Ângelus em volta da piscina, e de uma amizade que não é comum. Tudo me encantou, coisas como falar de Cristo logo pela manhã e ouvir músicas lindas, que eu tinha certeza de que foram cuidadosamente escolhidas. Senti que, na verdade, nada disso seria tão especial se não houvesse ali uma Presença. Agora, vejo que tudo em minha vida sinaliza essa Presença. Sinto o meu coração mais vibrante diante das coisas, no trabalho, no meu casamento, na minha família. Sinto a necessidade de estar mais perto dos amigos que fazem comigo essa experiência, e, sobre isso, devo dizer que entrar para a Fraternidade foi mais um grande presente. Sinto-me, como diz o título do livro dos Exercícios da Fraternidade 2014, “Correndo para alcançá-Lo”.
Leonardo, Rio de Janeiro (RJ)

O CAMPO ONDE ESTÁ ESCONDIDO O MEU TESOURO
Caríssimo padre Julián, assisti ao vídeo A bela estrada e senti um grande contragolpe. No início, não consegui identificar claramente por que a beleza daqueles rostos comuns ficou dentro de mim, provocando uma grande comoção que, com o tempo, transformou-se neste juízo: Jesus poderia não ter me escolhido, os amigos que encontrei poderiam não me preferir, em suma, eu, que não tenho nada para dar, recebi tudo. Foi-me entregue o tesouro da vida, foi-me oferecido Jesus. Não posso deixar de agradecer, de agradecer a você por me ajudar todos os dias a vender tudo (as minhas imagens e os meus medos) para comprar o campo onde está escondido o tesouro do meu coração.
Donatella

A MEMÓRIA DAQUELE MOMENTO TÃO ESSENCIAL
Passou-se exatamente um mês desde que nosso filho de dois anos foi hospitalizado por causa de uma doença que, então, os médicos não conseguiam identificar. Entre mil sofrimentos (coletas de sangue, endoscopia, diversas terapias, etc), no início, os dias eram invadidos por sentimentos de medo e de solidão, mas, sobretudo, pela incerteza sobre o futuro do nosso filho e de toda a família. Se não fosse por aqueles “fragmentos de realidade” (telefonemas de amigos, mensagens de celular, gestos concretos) que entravam em nossos dias – marcados apenas pelos trajetos entre a casa e o hospital – e nos faziam perguntar o que estávamos fazendo ali, perto de um leito da pediatria, provavelmente não estaríamos aqui desejando compartilhar aquilo que nos aconteceu. Voltando a pensar naqueles dias, era evidente o quanto era verdadeira aquela frase que diz “qual¬quer pertença, queiramos ou não, precisa passar através da verificação da fadiga cotidiana”. E que fadiga a doença de um menino de dois anos. Quando nos perguntamos por que alguém precisa ser despertado por eventos tão grandes, sentimos um pouco de raiva (não bastava escutar aquele testemunho?), mas logo essa raiva deu lugar a um sentimento de profunda gratidão. Exatamente enquanto a doença, embora diagnosticada, levava nosso filho a ter diversas complicações inesperadas, parecia evidente que tudo não era mais como antes. E a gratidão nascia exatamente do fato de nos darmos conta da perseverança de Deus para conosco, ajudando-nos neste caminho de conversão, mesmo estando presos ao leito de nosso filho. Enquanto acontecia a Jornada de Início de Ano, pensávamos em nossos amigos; mas não nos sentíamos “excluídos”, ao contrário, nos sentíamos privilegiados por estarmos com nosso filho no hospital, rezando com ele, por ele e por todas as crianças que sofrem. Quando chegamos em casa, com a melhora das condições clínicas, os dias, paradoxalmente, foram se tornando mais pesados e nos perguntávamos por quê. Por que a pessoa é mais “si mesma” indo e voltando de um hospital para cuidar do filho doente do que indo atrás do sucesso profissional, de suas paixões além do trabalho e de mil outras coisas? Mais uma vez, é evidente o porquê, quer dizer, vivíamos aqueles dias oferecendo e pedindo tudo através da oração. Aquele tudo que pode ser chamado essencial, isto é, o relacionamento com Ele. E é assim que queremos viver os nossos dias, intensamente, fazendo memória daqueles vinte dias que passamos no hospital, onde não vivíamos distraídos e, no sofrimento, a vida era mais autêntica. Nosso filho carregará sua doença por toda a vida, mas isso, agora, não nos incomoda. Será ocasião para fazermos memória do nosso caminho de conversão e da Misericórdia divina.
Enrico e Tatyana


TENHO MAIS SORTE DO QUE SÃO TOMÉ

Pelo segundo ano, os amigos de Taiwan fizeram férias juntos: 42 pessoas, de 4 a 89 anos. Abaixo, a carta de uma amiga.

Caros amigos, depois das férias no Monte das Bem¬-aventuranças, voltamos para casa, para a vida cotidiana, levando conosco muita alegria. Mais uma vez, senti o amor de Deus. Nesses três dias, encontrei o entusiasmo da fé e fiquei muito comovida. Vi os jovens prepararem os jogos com seriedade, os padres e todos os amigos colocarem o coração naquilo que faziam, conheci também o Monte das Bem-aventuranças, fruto da dedicação de toda a vida do Cardeal Paul Shan Kuohsi. No segundo dia, assistimos a um vídeo onde Ferenc Fricsay regia O Moldávia, com a orquestra Sudfunk. Parecia que estávamos perto do rio ouvindo o barulho das águas. Encontrei o Movimento no ano 2000. Nessa grande família, conheci muitas pessoas com as quais nasceu uma amizade forte e profunda e mesmo que não falemos a mesma língua, a autenticidade que sinto é realmente muito profunda. Nessa sociedade utilitarista, nesse mundo cheio de suspeitas e de ciúmes entre as pessoas, essa amizade se mostra ainda mais preciosa. Se tudo isso não vem do amor de Deus, como poderia acontecer? O carisma de Dom Giussani está sempre entre nós. Minha fé vem da sua ideia educativa, e suas palavras estão radicadas em meu coração e me ajudam a crer mais na presença de Jesus. Acho que tenho mais sorte do que São Tomé. Ele acreditou somente quando viu os estigmas de Jesus, mas eu, ao contrário, embora nunca tenha visto Jesus, sei que Ele próprio me deu CL. Agradeço a vocês pela constante companhia e ensinamento. As experiências de vocês reforçam a minha fé, me fazem entender que não estou sozinha e me fazem ver “a beleza”.
Julie, Taiwan

ESCOLA DE COMUNIDADE: UMA CONTÍNUA DESCOBERTA
O que vejo diante dos meus olhos na Escola de Comunidade, tal¬vez porque agora a vivo com uma necessidade mais urgente, é um “contínuo ultrapassar os limites das humanas possibilidades”, que é sinal da sua Presença. Como testemunharam alguns amigos nossos na última reunião: M., que, descobrindo que seu neto de 14 anos se droga junto com um grupo de amigos, tomou iniciativa junto à família, dizendo que o que falta é um caminho de fé, e propôs a caritativa na escola daqueles meninos, onde a única solução até aquele momento era a expulsão e onde não se tem mais nem a matéria de religião. E a diretora ficou entusiasmada; C., que diante da aplicação mecânica dos regulamentos na sua escola, diz publicamente que fazer assim esmaga a pessoa porque não leva em conta as suas necessidades. E, depois, diante dos olhares atônitos dos outros, descobre que está tão segura porque faz continuamente experiência de um olhar que a abraça por aquilo que é a sua necessidade mais verdadeira; ou C., que conta sobre uma amiga com quem estudou desde muito pequena. Essa amiga sempre lhe telefonava, abatida, deprimida; sempre se lamentava de tudo, tanto que ela não atendia mais seus telefonemas. Até que, quinze dias atrás, enquanto lia uma passagem sobre a experiência, a amiga lhe telefona e ela resolve atender. A amiga está como sempre, mas C., não. Diz que a única diferença entre elas é que ela está fazendo um caminho no qual é educada à fé e que é a única coisa que a faz feliz; não é como uma “comunidade terapêutica”, é tudo o que tem na vida, é toda a sua vida. Agora, todos os dias, quando ela liga, fazem Escola de Comunidade juntas; e, ainda, D., que diz que no trânsito há muita gente irritada e violenta; e conta que alguém o insultou e ele pôde olhar para a pessoa de um modo diferente, pôde olhar para a sua humanidade, para o seu destino. Essa novidade está acontecendo comigo também, nos relacionamentos de trabalho, sobretudo com uma pessoa, há uma inquietação pelo grito do seu coração, um grande desejo para que O encontre.
Daniela, Lima (Peru)

AJUDA AO IRAQUE
Caríssimos amigos, quero contar rapidamente o que significou para a minha família seguir a iniciativa proposta pelo Movimento de arrecadação de fundos para ajudar os cristãos refugiados no Iraque. Aqui estamos atravessando uma grande crise, que continua a piorar. Mesmo assim, fizemos a proposta a diversos amigos: a comunidade mais pobre do Movimento realizou gestos públicos para arrecadar dinheiro, uma pessoa que trabalha comigo doou parte do seu salário, e o que mais me comoveu foi minha filha de 11 anos. Ela é muito empreendedora (faz bolos e vende aos seus colegas de escola) e, apesar da idade, quando está de férias, passa alguns dias comigo trabalhando como secretária. Copia documentos, preenche dados na planilha excel, etc. Com a desvalorização da nossa moeda, ela me pediu para pagar-lhe em Euro, e assim, pago 1 Euro por dia. Quando falei da proposta em casa, ela doou 5 Euros (metade da sua poupança) para o Iraque. Com todos os amigos da comunidade, conseguimos enviar uma quantia de 342,50 Euros, incluindo os 5 Euros doados pela minha filha. Isso fez com que eu me movesse de um modo diferente e mais consciente do que significa fazer uma proposta, seguir e viver a caridade.
Alejandro, Caracas (Venezuela)

A NOSTALGIA PARA QUE ALGO REACONTECESSE
Caro padre Julián, no dia 16 de setembro, comemoramos nosso 25º aniversário de casamento junto aos nossos filhos, nossa Fraternidade e muitos amigos que encontramos nestes anos. Gratos pelo encontro com Jesus Cristo através do carisma de Dom Giussani, pedimos a todos para compartilhar conosco a alegria e o frescor do nosso relacionamento, fazendo uma oferta pelas necessidades da Igreja e do Movimento. A resposta foi realmente inesperada, e a soma re¬colhida foi doada ao Fundo Comum da Fraternidade de CL. Mas, qual é o ponto do qual partimos? Encontramos o Movimento aos quatorze anos e, assim que nos conhecemos, começamos a namorar. Seguimos Dom Giussani frequentando o grupo dos colegiais e o dos universitários e, de¬pois, nos casamos e nos mudamos de Roma. Tomados pela nova vida, pelo trabalho e pelos filhos, nos “desligamos” de Cristo durante treze longos anos. No entanto, vivemos esse período, dentro de tudo o que nos era dado viver, esperando – mesmo sem falarmos sobre isso – que “algo” acontecesse, que “algo” ou Alguém voltasse a preencher a grande nostalgia que tínhamos. Depois, meu marido teve a oportunidade de fazer um trabalho com um velho amigo dos universitários, que o convidou para os Exercícios Espirituais. Maurizio começou, pouco a pouco, a acompanhar novamente do Movimento e a frequentar a Escola de Comunidade, ajudado pelo fato de que nesse período voltamos para Roma. Eu o via voltar para casa cada vez mais contente e não pude deixar de segui-lo. Seria muito longo contar sobre esses anos: as alegrias, as dores, o nascimento do nosso grupo de Fraternidade, a caritativa, a perda dos meus pais. Tudo vivido dentro de uma letícia e de uma gratidão por aquilo que encontramos, que nos permite viver escancarados para o mundo. Até a minha doença é ocasião cotidiana de reconhecê-Lo presente, porque estou cada vez mais certa de que Ele chega até aí, e eu sou grata por servi-Lo. Foi tudo isso que originou a festa na qual propomos simplesmente rezar o terço e celebrar uma missa. Alguns de nossos amigos ateus também participaram desse gesto, e eles ficaram impressionados com a seriedade e a profundidade daquilo que estava acontecendo: não uma estéril “reevocação”, mas um sinal tangível da sua Presença, aqui e agora.
Antonella e Maurizio, Roma (Itália)


O CARTAZ DE NATAL

por Giuseppe Frangi
No final da primeira década do século XVII, vários artistas de Utrecht, na Holanda, chegaram a Roma chamados por comissões, e foram totalmente investidos pela novidade de Caravaggio. Entre estes artistas es¬tava também Gerhard von Hontorst, que depois passaria para a história com o sobrenome italianizado de Gherardo delle Notti. As razões para o sobrenome não precisam de explicação: a Adoração dos Pastores, hoje conservada na Galeria dos Ofícios, em Florença, é muito emblemática de um estilo que se baseia nos “efei¬tos especiais” da noite.
Esta tela, de grandes dimensões, tem uma história importante: foi realizada em 1620, em Florença, por encomenda do nobre Piero Guicciardini, para a capela maior de Santa Felicidade (a igreja na qual está guardada a famosa Deposição de Pontormo).
Em 1836, tomando por causa a escuridão da sua localização, o então diretor da Galeria dos Ofícios convenceu os herdeiros da família Guicciardini a cedê-lo para o estabelecimento a fim de lhe dar maior visibilidade. Em 1993, a pintura foi pendurada no patamar de uma escada com vista para a rua Georgofili. Foi assim investida pelo choque da bomba colocada no ataque de 21 de maio do mesmo ano. Hoje o que resta da tela, como diz o título do belo livro dedicado à sua restauração, é somente “um lírico fragmento”.
A imagem, portanto, nos fala de um retrato do qual hoje existe apenas um rastro (embora uma réplica idêntica seja mantida no Museu Wallraff, em Colônia, na Alemanha). Podemos reconhecer a obra de um seguidor de Caravaggio, mesmo que tenho adotado um uso da luz muito diferente daquele do mestre. Aqui a fonte luminosa é a própria Criança, de acordo com uma solução altamente bem sucedida, introduzida no século anterior, por Correggio.
A beleza da composição, a delicadeza dos gestos (especialmente o de Maria, que levanta o lençol para mostrar o Filho aos pastores) e dos olhares, compõe uma imagem que agrada e lhe deu grande popularidade e difusão. O quadro era amado também por Roberto Longhi, o grande histórico de arte, verdadeiro descobridor de Caravaggio, que, em sua coleção tinha uma versão menor e mais íntima do mesmo tema.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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